terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Economia versus meio ambiente: o elo perdido

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Com a crise global atual existe uma sensação de perda no ar e as pessoas estão caindo em desespero. Perda de emprego, queda de vendas, queda das ações, menos crédito, menores lucros, menos tração da economia e postergação da preocupação ambiental e climática, como se a economia com ou sem crise não tivesse nada a ver com o meio ambiente. Embora Einstein tenha dito que aquilo que fez parte do problema, não pode fazer parte da solução, todos apontam para a mesma solução de sempre: mais crescimento, consumidores devem voltar a comprar, a produção reaquecida. Os textos que leio vem de pessoas importantes como Rogoff, Krugman, Stiglitz, Bernanke e de governos e consultorias econômicas no Brasil e no Brasil, todos fazendo proposições para aumentar os gastos de consumo novamente.

O epicentro da crise foi nos Estados Unidos, lá naquele país, a origem da má sorte está no setor imobiliário, cuja queda de vendas e construção atingiu patamares jamais vistos na história. O mais estranho são os números do setor: são 75 milhões de famílias, das quais descontamos 8 milhões (porque o país tem 27 milhões de mendigos) e sobram portanto 68 milhões de famílias que tem moradias. O país tem hoje 190 milhões de moradias, ou seja, quase três casas por família e apesar desse exagero está em crise (embora o número de pessoas por família tenha despencado de 10 para 4 nas últimas décadas, outro exagero: o tamanho da casa triplicou!). As moradias precisam ser reativadas, até agora nenhuma palavra sobre o fenômeno ambiental mais devastador dos Estados Unidos, que é o espalhamento urbano. Os países ricos conseguiram transferir produção suja para outros lugares e economizar o meio ambiente local através de importações macicas, mas uma poluição foi impossível de evitar: a das cidades e das construções. Por conta delas, quase metade dos rios, lagos e zonas estuárias dos EUA estão poluídos. Até quando vamos continuar acreditando que a economia pode ser maior que o planeta?

Por isso, até agora as soluções propostam só aceleram a rota de colisão da humanidade com a Terra. Sustentabilidade começa em reconhecermos que o planeta e o meio ambiente são muito maiores que a nossa economia e aqui na Terra todos os seres vivos dependem de todos os seres vivos, respiramos, comemos e vivemos graças à essa teia da vida que teimamos em destruí-la. A humanidade, por sua vez, é muito maior que a economia. A economia é na verdade o sistema menos importante dos três, porque ela depende totalmente do planeta e das pessoas. O nosso sistema atual está destruindo as suas bases de sustentação, a social e a ambiental e não tem futuro algum, a crise deveria ser o momento para fórmulas novas, mas as soluções buscadas significam o fim do planeta, ou melhor, o fim da capacidade do planeta sustentar a vida na Terra. A única luz no fim do túnel vem de Saramago, Boff, Hobsbawn, árduos críticos do sistema, pedindo urgentemente mudanças e tantos outros autores, que ainda não ganharam estatura para vencer o discurso dominante insano. Os inimigos do sistema não são os que fazem as críticas, mas são os que não querem ouvi-las e isso é pior quando o fazem por interesse próprio. É aí que morre o perigo, porque “quando os interesses estão em foco, somos os piores juízes das nossas ações”, escreveu Aristóteles.

Obama vai entrar no poder ignorando todos os alertas dos cientistas com propostas para fazer os americanos gastarem mais e salvar a economia, pois só assim as pessoas terão seus empregos assegurados e estarão salvas também, como se antes da crise as pessoas tivessem fartos empregos e estivessem vivendo bem e agora a questão social passa a ser o mote das medidas adotadas. Nessa equação, o planeta não importa, , na verdade a economia é mais importante que tudo e essa é a lei que domina a mente de todos. Empregos ligados ao crescimento são cada vez mais fracos. Foi a própria revista “The Economist” que deu sem querer as pistas daquilo que vem sendo discutido pelo Rifkin e de forma muito melhor pelo André Gorz sobre a falta de empregos no sistema econômico. No artigo dessa revista, é mencionado que para 1% de crescimento da atividade, a folha de empregos só cresce 0,1%. Tendo em vista os quase 1,5 bilhão de habitantes da China, dentro da fórmula de crescimento com o atual estágio tecnológico, que não foi construído nem desenvolvido para as pessoas, a China teria que ter uma economia capaz de ocupar 100 planetas Terra para absorver o excedente de mão de obra. Está a caminho de uma enorme turbulência social, os números de desemprego da China, como em muitos outros lugares são extremamente fajutos. O mais engraçado é ver que nós economistas comemoramos a queda da taxa de desemprego, mesmo que ela venha acompanhada de uma alta dos desalentados. O que são os desalentados? Pergunte aos 27 milhões de mendigos dos Estados Unidos. Os desalentados não fazem mais parte das estatísticas, são pessoas que desistiram de procurar emprego e por essa razão essas pessoas, que continuam vivendo e sofrendo muito, não fazem mais parte das estatísticas e mostram queda no desemprego. Quando nós vamos melhorar nossas estatísticas ou será que não vamos nos importar com a notícia de um chinês construir uma réplica do Taj Mahal para sua moradia?

Isso tudo mostra exatamente do que nós estamos falando: onde está o contrato social e ambiental do crescimento, esse crescimento todo é voltado para o quê, para as empresas tomarem as “melhores” decisões em prol do futuro das crianças e da humanidade, ou para si próprias? Enquanto todas as dimensões (ambiental, humana e econômica) não estiverem incluídas no sistema econômico e na ordem de importância certa (planeta maior que as pessoas que são maiores que a economia), tudo que for feito e decidido continuará sendo mais do mesmo e o futuro da humanidade será como Martin Rees o descreveu: “a probabilidade da nossa espécie animal terminar o século XXI é hoje de apenas 50%.”

Hugo Penteado

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