Por favor se comentar deixe um email para contato.
Miriam Leitão.
Em Copenhague, uma jornalista estrangeira quis saber: “É verdade que os três candidatos a presidente estão aqui na Conferência do Clima?” Confirmei, e ela perguntou: “Isso significa que esse assunto no Brasil tem prioridade?” Disse que não era bem isso. A candidatura de Marina Silva levou o presidente Lula a indicar Dilma chefe da delegação, e fez José Serra ir também para Dinamarca.
Essa foi a primeira mudança provocada por Marina.
Dentro do governo, o ministro Carlos Minc vinha brigando para que o Brasil assumisse metas de redução de gases de efeito estufa.
Antes dele, Marina tinha defendido essa posição, mas fora sempre derrotada pela coalizão Casa Civil-Itamaraty e Ciência e Tecnologia. O Brasil tinha ficado preso na posição envelhecida de que só os velhos emissores de gases estufa tinham que ter metas.
A posição nova que o Ministério do Meio Ambiente defendia é que o Brasil tinha virado um grande emissor e que, como a maior parte das nossas emissões vem do desmatamento, a mudança de posição seria antes de tudo boa para nós mesmos.
Além disso, daria ao Brasil prestígio internacional.
A então ministra Dilma Rousseff era uma das pessoas que se opunham às metas. Ela achava que isso impediria o crescimento do Brasil. Os países emergentes, não integrantes do Anexo I do Protocolo de Kyoto, não tinham que se comprometer com meta alguma.
Os defensores de que o Brasil tivesse metas argumentavam que seria apenas uma redução do ritmo de aumento das emissões, uma espécie de corte no mercado futuro dos gases poluentes. Houve um momento, numa reunião para fechar a posição brasileira, em que Minc e Dilma entraram numa discussão lateral. O presidente quase suspende as decisões sobre o assunto. Mas Lula acabou decidindo pela posição de Minc.
Houve um temor dentro do governo de que a agenda ambiental ganhasse muito peso com a
candidatura de Marina e isso tirasse votos de Dilma Rousseff, que sempre foi identificada como adversária da agenda verde.
— Não vou guerrear contra os fatos. Depois que a Marina anunciou sua candidatura ficou mais fácil ganhar as brigas dentro do governo — admitiu Carlos Minc numa conversa na semana passada. Foi para tentar mudar a imagem de antiambientalista que Dilma foi enviada a Copenhague, àquela altura já com as metas de redução de gases de efeito estufa. José Serra, que estava se adiantando na aprovação de uma Lei de Mudanças Climáticas em São Paulo, foi junto com um grupo de indústrias que tem começado a entender que sem a adesão a novos comportamentos na questão ambiental pode
perder mercado internacional.
Foi assim que o Brasil chegou a Copenhague com seus três candidatos. A pouca intimidade de Dilma com a agenda, e o fato de ela ter o temperamento que tem, produziu atritos fortes com assessores do Ministério do Meio Ambiente e aquele famoso ato falho: “O meio ambiente é um obstáculo ao desenvolvimento sustentado”, disse ela numa sala lotada de 700 pessoas em Copenhague.
Na BR-319, que contei aqui rapidamente na coluna dias atrás, a grande briga em torno da estrada foi travada por Minc, que defendia que, em vez de refazer a estrada dos militares, melhor seria se fossem feitas obras que garantissem uma hidrovia.
Para alavancar sua candidatura ao governo do Amazonas, Alfredo Nascimento, então ministro dos Transportes, exigiu que fosse feita a estrada. Numa reunião entre o presidente Lula, a então ministra Dilma Rousseff e Minc, Nascimento disse que sem a estrada não apoiaria a candidatura de Dilma. A propósito: ele acabou perdendo a eleição.
Minc fechou questão. Só aceitaria dar a licença prévia se antes fossem instaladas 28 unidades de conservação e parques nacionais ao longo dos mais de 400 quilômetros que são de floresta.
Ele conta hoje que fez isso pelo exemplo da BR-163.
— Marina deu licença prévia para a BR-163 e só depois negociou as unidades de conservação e parques.
O desmatamento na área triplicou. Eu não a culpo.
Na verdade, aprendi com essa experiência que tinha que garantir antes da licença prévia. Queria a implantação antes. Foi uma briga de um ano e dez meses, mas ganhei. O Exército está lá para começar a implantação da estrutura dos parques — contou Minc.
Com os institutos dando nas pesquisas eleitorais que Marina tinha ficado estagnada na altura dos 10% e que Dilma venceria no primeiro turno, o assunto sumiu da agenda de discussões da campanha.
Naquele discurso de Serra enviado como programa eleitoral havia apenas uma frase sobre meio ambiente; Dilma se limitou a repetir superficialidades sobre a questão. Ela nunca quis limites ambientais aos projetos que alavancou.
O governo aprovou uma lei de mudanças climáticas estranha, mas engavetou na Casa Civil. Nada foi regulamentado.
A votação forte da candidata verde elevou novamente o tema. Só que agora há uma compreensão maior, da imprensa e do país, de que a sustentabilidade não é uma palavra oca, mas sim uma nova forma de estruturar o projeto econômico. O assunto voltou ao debate. Uma das exigências do Partido Verde é de revisão do Código Florestal, contra o qual Marina Silva se bateu fortemente no Senado e perdeu. O Código, ao ser aprovado, teve votos dos dois lados em disputa agora no segundo turno.
Mas a causa ambiental bate de frente principalmente com os métodos Dilma de aprovação de obras.
Ela deixou testemunhos e provas suficientes de que vê com desprezo e obstáculo a agenda ambiental e climática.
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quarta-feira, 13 de outubro de 2010
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
Trilhas opostas
Por favor se comentar deixe um email para contato.
Essa é a razão pela qual esperamos que a Marina não apóie Dilma e se apoiar, a Dilma terá que dizer porque seus valores não conseguem entender a importância dos ecossistemas sem os quais não estaríamos aqui conversando.
Míriam Leitão - Panorama Econômico O GLOBO 07-10-10
Trilhas opostas
A verdade é que elas nunca se entenderam na hora das decisões. Marina e Dilma são opostos. Os conflitos foram abundantes nos anos em que ambas conviveram no governo. Dilma mandou alagar a Mata Atlântica, aumentou a energia fóssil na matriz, ignorou a colega no PAC, iniciou obras controversas e afastou Marina do Plano Amazônia Sustentável. Dilma esqueceu dos conflitos por conveniência eleitoral, mas os registros ficaram nos jornais, nos relatos de testemunhas, nos documentos oficiais, nas decisões. Dilma fulminou com os depreciativos “minha filha” e “meu filho” todos os então assessores de Marina que a contrariaram. Alguns são da máquina pública. Alguns deixaram o governo depois de conflitos. Em Copenhague, o então ministro Carlos Minc foi destratado.
Hoje, Minc exibe uma amnésia conveniente, mas não pode pedir a quem esteve lá, como eu, que esqueça o que viu e ouviu. Um funcionário, experiente participante de Conferências do Clima, foi fulminado por Dilma numa reunião interna quando fazia sábias ponderações: “Olha menino, isso aqui não é coisa de amador, é para profissional.” A neófita no tema era ela. Ressentimentos podem ser superados. Mais difícil são as consequências de decisões tomadas. A BR-319 foi um dos motivos do embate entre as duas. Liga Manaus a Porto Velho e atravessa 700 km de terra de ninguém. Foi construída pelo governo Médici, mas foi retomada de volta pela floresta. O último ônibus que transitou por lá foi em 1978. O governo quis refazê-la para dar capital a Alfredo Nascimento. Marina queria que fosse criada uma rede de áreas protegidas no entorno para evitar que a rodovia incentivasse a grilagem e o desmatamento. O governo nunca implementou isso e, perto da eleição, contornou a falta de licença ambiental, mandando o Exército iniciar as obras. Hoje, já há focos de grilagem e desmatamento no sul do Amazonas por causa dela. Na BR-163, Marina coordenou, com o então ministro Ciro Gomes, o projeto para fazer da Cuiabá-Santarém uma estrada sustentável. Foram aprovadas unidades de conservação e instalação de postos de fiscalização e vigilância para proteger a região da grilagem, reduzindo o impacto ambiental. Marina ganhou a batalha, mas o governo não pôs em prática o prometido. Foi onde Minc capturou os bois piratas. Quem passou por lá recentemente viu que os bois voltaram. Barra Grande é uma hidrelétrica no Sul do país que foi construída com um EIARima fraudado, aprovado no governo anterior. Nele se dizia que na área a ser alagada havia um capoeirão. Na hora de fazer o lago, descobriu-se que era na verdade uma preciosa área de Mata Atlântica com Araucária. Dilma queria alagar a mata, Marina foi contra. A energia a ser gerada era pequena para tanto estrago e era convalidar um crime. José Dirceu, então chefe da Casa Civil, decidiu estudar um pouco mais o problema. Dilma quando assumiu o cargo mandou alagar a Mata. Nas usinas do Rio Madeira houve um embate amazônico. O presidente Lula debochou dizendo que a briga era por um bagre, mas a briga foi maior e de novo opôs Marina e Dilma, já na Casa Civil, mas sempre elétrica. O MMA queria proteção contra o meio ambiente, peixes, matas, qualidade da água, prevenção contra o mercúrio e estudo do impacto da sedimentação. Dilma assumiu a defesa das empreiteiras, Marina ficou com as ONGs e o Ibama. A então ministra do Meio Ambiente conseguiu impor exigências que aumentam a segurança ambiental. Se forem cumpridas. A diferença irreconciliável foi o PAC. Ele teria que ser feito junto com o Plano Amazônia Sustentável (PAS), para que as obras do século XXI não repetissem os crimes ambientais do governo militar. Dilma defendeu que o PAS fosse entregue ao então ministro Mangabeira Unger. O presidente Lula comunicou a decisão numa reunião ministerial, dizendo que Marina não poderia cuidar do Plano porque não era isenta. Foi o sinal verde para que o PAC passasse trator sobre os limites ambientais. Marina saiu do governo. O substituto Carlos Minc brigou algumas brigas, mas perdeu as principais. Resistiu à licença para Belo Monte. As pressões da ministra Dilma foram explícitas e estão documentadas. Os diretores de licenciamento e energia do Ibama saíram. Os novos aceitaram a imposição de prazo numa reunião na Casa Civil no dia 7 de janeiro, e deram a licença em primeiro de fevereiro, apesar de os funcionários terem escrito que não houve tempo para avaliar os riscos ambientais. Tive acesso a documentos oficiais e publiquei na coluna “Ossos do Ofício”, em 17 de abril. Vejam em meu blog. Os riscos ambientais e os fiscais de Belo Monte são imensos, mas ela é uma das obras do Plano de Aceleração da Candidatura de Dilma Rousseff. Na reunião com alguns dos líderes eleitos da sua base, divulgada pelo Blog do Noblat, Jacques Wagner disse que as trilhas de Marina e Dilma sempre foram próximas. Quem viu os fatos, e rejeita o modelo stalinista de reescrever a história, sabe que as trilhas sempre seguiram direções opostas.
Essa é a razão pela qual esperamos que a Marina não apóie Dilma e se apoiar, a Dilma terá que dizer porque seus valores não conseguem entender a importância dos ecossistemas sem os quais não estaríamos aqui conversando.
Míriam Leitão - Panorama Econômico O GLOBO 07-10-10
Trilhas opostas
A verdade é que elas nunca se entenderam na hora das decisões. Marina e Dilma são opostos. Os conflitos foram abundantes nos anos em que ambas conviveram no governo. Dilma mandou alagar a Mata Atlântica, aumentou a energia fóssil na matriz, ignorou a colega no PAC, iniciou obras controversas e afastou Marina do Plano Amazônia Sustentável. Dilma esqueceu dos conflitos por conveniência eleitoral, mas os registros ficaram nos jornais, nos relatos de testemunhas, nos documentos oficiais, nas decisões. Dilma fulminou com os depreciativos “minha filha” e “meu filho” todos os então assessores de Marina que a contrariaram. Alguns são da máquina pública. Alguns deixaram o governo depois de conflitos. Em Copenhague, o então ministro Carlos Minc foi destratado.
Hoje, Minc exibe uma amnésia conveniente, mas não pode pedir a quem esteve lá, como eu, que esqueça o que viu e ouviu. Um funcionário, experiente participante de Conferências do Clima, foi fulminado por Dilma numa reunião interna quando fazia sábias ponderações: “Olha menino, isso aqui não é coisa de amador, é para profissional.” A neófita no tema era ela. Ressentimentos podem ser superados. Mais difícil são as consequências de decisões tomadas. A BR-319 foi um dos motivos do embate entre as duas. Liga Manaus a Porto Velho e atravessa 700 km de terra de ninguém. Foi construída pelo governo Médici, mas foi retomada de volta pela floresta. O último ônibus que transitou por lá foi em 1978. O governo quis refazê-la para dar capital a Alfredo Nascimento. Marina queria que fosse criada uma rede de áreas protegidas no entorno para evitar que a rodovia incentivasse a grilagem e o desmatamento. O governo nunca implementou isso e, perto da eleição, contornou a falta de licença ambiental, mandando o Exército iniciar as obras. Hoje, já há focos de grilagem e desmatamento no sul do Amazonas por causa dela. Na BR-163, Marina coordenou, com o então ministro Ciro Gomes, o projeto para fazer da Cuiabá-Santarém uma estrada sustentável. Foram aprovadas unidades de conservação e instalação de postos de fiscalização e vigilância para proteger a região da grilagem, reduzindo o impacto ambiental. Marina ganhou a batalha, mas o governo não pôs em prática o prometido. Foi onde Minc capturou os bois piratas. Quem passou por lá recentemente viu que os bois voltaram. Barra Grande é uma hidrelétrica no Sul do país que foi construída com um EIARima fraudado, aprovado no governo anterior. Nele se dizia que na área a ser alagada havia um capoeirão. Na hora de fazer o lago, descobriu-se que era na verdade uma preciosa área de Mata Atlântica com Araucária. Dilma queria alagar a mata, Marina foi contra. A energia a ser gerada era pequena para tanto estrago e era convalidar um crime. José Dirceu, então chefe da Casa Civil, decidiu estudar um pouco mais o problema. Dilma quando assumiu o cargo mandou alagar a Mata. Nas usinas do Rio Madeira houve um embate amazônico. O presidente Lula debochou dizendo que a briga era por um bagre, mas a briga foi maior e de novo opôs Marina e Dilma, já na Casa Civil, mas sempre elétrica. O MMA queria proteção contra o meio ambiente, peixes, matas, qualidade da água, prevenção contra o mercúrio e estudo do impacto da sedimentação. Dilma assumiu a defesa das empreiteiras, Marina ficou com as ONGs e o Ibama. A então ministra do Meio Ambiente conseguiu impor exigências que aumentam a segurança ambiental. Se forem cumpridas. A diferença irreconciliável foi o PAC. Ele teria que ser feito junto com o Plano Amazônia Sustentável (PAS), para que as obras do século XXI não repetissem os crimes ambientais do governo militar. Dilma defendeu que o PAS fosse entregue ao então ministro Mangabeira Unger. O presidente Lula comunicou a decisão numa reunião ministerial, dizendo que Marina não poderia cuidar do Plano porque não era isenta. Foi o sinal verde para que o PAC passasse trator sobre os limites ambientais. Marina saiu do governo. O substituto Carlos Minc brigou algumas brigas, mas perdeu as principais. Resistiu à licença para Belo Monte. As pressões da ministra Dilma foram explícitas e estão documentadas. Os diretores de licenciamento e energia do Ibama saíram. Os novos aceitaram a imposição de prazo numa reunião na Casa Civil no dia 7 de janeiro, e deram a licença em primeiro de fevereiro, apesar de os funcionários terem escrito que não houve tempo para avaliar os riscos ambientais. Tive acesso a documentos oficiais e publiquei na coluna “Ossos do Ofício”, em 17 de abril. Vejam em meu blog. Os riscos ambientais e os fiscais de Belo Monte são imensos, mas ela é uma das obras do Plano de Aceleração da Candidatura de Dilma Rousseff. Na reunião com alguns dos líderes eleitos da sua base, divulgada pelo Blog do Noblat, Jacques Wagner disse que as trilhas de Marina e Dilma sempre foram próximas. Quem viu os fatos, e rejeita o modelo stalinista de reescrever a história, sabe que as trilhas sempre seguiram direções opostas.
terça-feira, 28 de setembro de 2010
Meio Ambiente e eleições
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MEIO AMBIENTE E AS ELEIÇÕES
Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social
clovis.cavalcanti@yahoo.com.br
No dia 9 deste mês, meu aluno da disciplina (Meio Ambiente e Sociedade) que leciono em Ciências Ambientais da UFPE, Rafael Figueirôa Ferreira, faleceu vitimado por um tipo letal de lepstopirose. Francamente, não é para se morrer hoje em dia de um mal como esse associado a más condições ambientais. Na verdade, a infecção que matou uma excelente pessoa que ficou próxima a mim se deve à ineficácia ou inexistência de redes de esgoto e de drenagem de águas pluviais, à coleta de lixo inadequada e a alagamentos de ruas no período de chuvas. Em situações de impróprios cuidados com o meio ambiente, frutificam condições propícias à alta incidência das doenças infecciosas. Quando isso ocorre num contexto fora da extrema pobreza, é para se pensar na precariedade em que vivem as populações menos afortunadas. Populações essas que, malgrado o discurso do resgate da pobreza de número considerável de brasileiros em época recente, continua vivendo com padrões inadmissíveis de bem-estar. Nesse sentido, vale lembrar que, na definição do economista Amartya Sen (Prêmio Nobel de 1998), a pobreza é privação de capacidades básicas. Assim, como escreveu recentemente o prof. José Eli da Veiga, da USP, “ela jamais deveria ser medida apenas com estatísticas de insuficiência de renda. É pobre mesmo quem tem renda superior ao critério de corte (‘linha de pobreza’) se não puder convertê-la em vida decente. Por falta de saúde ou de educação ou outras carências”.
Em 2009, no Brasil, 41% dos domicílios não possuíam saneamento básico. Não passaria de “pura ilusão, portanto, supor que não sejam pobres pessoas que padeçam dessa catastrófica privação que é o permanente risco de contrair parasitoses, só porque ganham mais de meio salário mínimo” – conforme salienta José Eli da Veiga no jornal Valor de 21.9.2010. Para Veiga, “Chega a soar como propaganda enganosa o uso do tosco critério de renda monetária para dizer que a pobreza está despencando. Encobre a inépcia dos governos em enfrentar o desafio do saneamento”. Pois foi por aí que Rafael, que não fazia parte da categoria que o governo se jacta de haver extraído da extrema pobreza, se contaminou mortalmente. Seu caso ilustra um problema que alcança a classe média, passando, evidentemente, em proporções mais trágicas pelos excluídos da sociedade. Esses que vivem da “bolsa família” – um programa que, se tem méritos para suavizar o quadro de miséria da população, constitui também uma medida de sua exclusão. Foi o meio ambiente mal saneado e mal gerido da cidade que permitiu à bactéria Leptospira interrogans executar seu plano destruidor.
Quadro semelhante é retratado pelo distinguido colunista do New York Times, Nicholas D. Kristof, em artigo de 3.9.2010, falando da salmonela nos Estados Unidos. Sua presença na cena americana deve-se ao péssimo meio ambiente inventado para a criação de galinhas de granja. Ao mesmo tempo em que mandam frango barato para os supermercados, as granjas, que não passam de fábricas de carne e ovos, “transferem custos de saúde para o público – sob a forma da salmonela ocasional, de doenças resistentes a antibióticos, de águas poluídas, envenenamento de alimentos e possivelmente certos cânceres”. A expansão agrícola em grande escala acontece, segundo Kristof, com pouco reconhecimento dos seus impactos negativos. “Produzir comida barata é tudo”, conclui ele. É com essas preocupações que causa enorme desconforto voltar, no YouTube, a ouvir da então ministra Dilma Rousseff, falando em público, em Copenhague, em dezembro de 2009, que “O meio ambiente é, sem dúvida nenhuma, uma ameaça ao desenvolvimento sustentável. E isso significa que é uma ameaça para o futuro do nosso planeta e do nosso país”. Fazer o quê com o meio ambiente? Afastá-lo do caminho, já que ele é “ameaça”? Será isso o que nos espera?
Juro que parece sonho esses absurdos todos e, como uma amiga uma vez me disse, provavemente quando morremos, sentamos numa cama, olhamos em redor e pensamos: "Ah, então era tudo sonho". Não querendo desmerecer a forma horrível que esse moço deve ter morrido, espero que ele esteja sentado nessa cama agora.
Excelente artigo. Excelente reforço ao que o Eli escreveu.
Fico profundamente pesaroso com essas coisas, mas temos que continuar buscando forças para lutar contra essa realidade inglória sobre a qual abutres de todos os tipos se vangloriam.
Excelente artigo. Excelente reforço ao que o Eli escreveu.
Fico profundamente pesaroso com essas coisas, mas temos que continuar buscando forças para lutar contra essa realidade inglória sobre a qual abutres de todos os tipos se vangloriam.
MEIO AMBIENTE E AS ELEIÇÕES
Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social
clovis.cavalcanti@yahoo.com.br
No dia 9 deste mês, meu aluno da disciplina (Meio Ambiente e Sociedade) que leciono em Ciências Ambientais da UFPE, Rafael Figueirôa Ferreira, faleceu vitimado por um tipo letal de lepstopirose. Francamente, não é para se morrer hoje em dia de um mal como esse associado a más condições ambientais. Na verdade, a infecção que matou uma excelente pessoa que ficou próxima a mim se deve à ineficácia ou inexistência de redes de esgoto e de drenagem de águas pluviais, à coleta de lixo inadequada e a alagamentos de ruas no período de chuvas. Em situações de impróprios cuidados com o meio ambiente, frutificam condições propícias à alta incidência das doenças infecciosas. Quando isso ocorre num contexto fora da extrema pobreza, é para se pensar na precariedade em que vivem as populações menos afortunadas. Populações essas que, malgrado o discurso do resgate da pobreza de número considerável de brasileiros em época recente, continua vivendo com padrões inadmissíveis de bem-estar. Nesse sentido, vale lembrar que, na definição do economista Amartya Sen (Prêmio Nobel de 1998), a pobreza é privação de capacidades básicas. Assim, como escreveu recentemente o prof. José Eli da Veiga, da USP, “ela jamais deveria ser medida apenas com estatísticas de insuficiência de renda. É pobre mesmo quem tem renda superior ao critério de corte (‘linha de pobreza’) se não puder convertê-la em vida decente. Por falta de saúde ou de educação ou outras carências”.
Em 2009, no Brasil, 41% dos domicílios não possuíam saneamento básico. Não passaria de “pura ilusão, portanto, supor que não sejam pobres pessoas que padeçam dessa catastrófica privação que é o permanente risco de contrair parasitoses, só porque ganham mais de meio salário mínimo” – conforme salienta José Eli da Veiga no jornal Valor de 21.9.2010. Para Veiga, “Chega a soar como propaganda enganosa o uso do tosco critério de renda monetária para dizer que a pobreza está despencando. Encobre a inépcia dos governos em enfrentar o desafio do saneamento”. Pois foi por aí que Rafael, que não fazia parte da categoria que o governo se jacta de haver extraído da extrema pobreza, se contaminou mortalmente. Seu caso ilustra um problema que alcança a classe média, passando, evidentemente, em proporções mais trágicas pelos excluídos da sociedade. Esses que vivem da “bolsa família” – um programa que, se tem méritos para suavizar o quadro de miséria da população, constitui também uma medida de sua exclusão. Foi o meio ambiente mal saneado e mal gerido da cidade que permitiu à bactéria Leptospira interrogans executar seu plano destruidor.
Quadro semelhante é retratado pelo distinguido colunista do New York Times, Nicholas D. Kristof, em artigo de 3.9.2010, falando da salmonela nos Estados Unidos. Sua presença na cena americana deve-se ao péssimo meio ambiente inventado para a criação de galinhas de granja. Ao mesmo tempo em que mandam frango barato para os supermercados, as granjas, que não passam de fábricas de carne e ovos, “transferem custos de saúde para o público – sob a forma da salmonela ocasional, de doenças resistentes a antibióticos, de águas poluídas, envenenamento de alimentos e possivelmente certos cânceres”. A expansão agrícola em grande escala acontece, segundo Kristof, com pouco reconhecimento dos seus impactos negativos. “Produzir comida barata é tudo”, conclui ele. É com essas preocupações que causa enorme desconforto voltar, no YouTube, a ouvir da então ministra Dilma Rousseff, falando em público, em Copenhague, em dezembro de 2009, que “O meio ambiente é, sem dúvida nenhuma, uma ameaça ao desenvolvimento sustentável. E isso significa que é uma ameaça para o futuro do nosso planeta e do nosso país”. Fazer o quê com o meio ambiente? Afastá-lo do caminho, já que ele é “ameaça”? Será isso o que nos espera?
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