quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Relatório Stern

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Nicholas Stern, Relatório Stern, crise imobiliária dos EUA e limites de concentração dos gases do efeito estufa

Estive com Sir Nicholas Stern pessoalmente. Pareceu mais um economista tradicional que não captou ainda as mensagens alarmantes dos cientistas dos sistemas da Terra e continua defendendo o crescimento econômico a ferro e fogo ou a qualquer custo. Para isso ser possível, a economia teria que ser maior que o planeta. Nesse modelo incrível, as pessoas existem para servir a economia, quando na realidade deveria ser justamente o oposto. Portanto, é mais um que defende que todas as benesses sociais derivam do crescimento econômico, quando é justamente o contrário. Vamos presenciar isso agora: a queda da atividade mundial vai devolver as pessoas para suas casas e sem ter o que fazer, elas irão ajudar a corroer a economia num círculo vicioso, enquanto os governos se desesperam com a fragilidade incrível do contrato social do crescimento, formulado unilateralmente pelas empresas do mundo todo. A resposta não poderá ser mais errada: os governos vão procurar a todo custo manter a megalomania da demanda crescente às custas de um ataque voraz ao planeta, como se isso fosse possível e realmente tivesse resultados sociais permanentes.

Quando perguntei a Sir Nicholas ou Lord Stern sobre a impossibilidade da economia ser maior que o planeta e comentei sobre a matéria "The Folly of Growth" (A Tolice do Crescimento) da revista New Scientist, ele desmistificou os limites planetários do crescimento dizendo: “o importante para nós é a energia que usamos, a eficiência no uso dessa energia e a tecnologia”. Com isso, a economia pode continuar crescendo e ela pode sim ser maior que o planeta, concluiria ele, sem dizer, claro essas palavras, porque retruquei dizendo que não temos só um problema de energia, mas de matéria. Aí ele lembrou da água. Eu lembrei imediatamente do território dos países que é e sempre será finito (apesar que com o aquecimento global e a elevação dos oceanos, será decrescente, embora a maior ameaça do aquecimento global não é a elevação dos oceanos, mas o fim da água).

Mesmo assim Richard Stern deu uma contribuição fantástica ao dizer que a perda econômica com o aquecimento global é maior do que o custo de evitá-lo. Ele disse que quando começou a estudar o aquecimento global não foi por convicção, mas por uma demanda do governo do Tony Blair. Ele, no artigo abaixo, agora defende estabilizar a concentração do dióxido de carbono onde a comunidade indica como sendo mais seguro: entre 450 e 500 e não mais 550 ppm (partes por milhão). Está atualmente em 380 ppm.

O planeta é muito maior que a economia. As pessoas são muito maiores que a economia. A economia na verdade depende do planeta e das pessoas. E ela teria realmente que existir para servir as pessoas, e não o contrário, como é hoje, onde as pessoas servem a economia.

Tudo está relacionado. Sobre a crise imobiliária dos EUA, que todos esperem que termine e esse setor inicie novamente uma vigorosa recuperação, pois bem, os números mostram que isso será impossível, pois se trata de um excesso megalomaníaco:

- os EUA conseguiram se livrar da produção suja simplesmente transferindo para outros países e importando bens finais e matérias-primas. Mas uma poluição eles não conseguiram se livrar: a urbana e a do espalhamento urbano imposto pela construção residencial e não residencial. Esse espalhamento urbano é responsável por ter poluído terrivelmente praticamente metade dos lagos, zonas estuárias e rios dos EUA, segundo a EPA (agência ambiental do governo federal dos EUA), dado que pode estar subestimado. A questão da água é seríssima, em 10 ou 20 anos muitos centros dos EUA vão enfrentar escassez de água.

- nos EUA há 75 milhões de famílias para 190 milhões de casas, ou seja, é quase 3 casas por família. Detalhe: há 27 milhões de mendigos nos EUA (quase 10% da população e eles são americanos tradicionais, porque os imigrantes ou trabalham ou voltam para o país de origem). Portanto, 27 milhões ou quase 7 milhões de famílias não tem moradia. Os 68 milhões tem então 190 milhões de casas, em excesso claro. O país mais rico do mundo não conseguiu eliminar a pobreza - dos americanos tradicionais!

- O excesso não termina aí: nos anos 70, o número de pessoas por família nos EUA era ao redor de 10, hoje é aproximadamente 4 (a população dos EUA é de quase 300 milhões). Embora o tamanho das familias tenha caído vertiginosamente, o tamanho das casas triplicou!!!

- Em 1900 os EUA tinha 1 milhão de moradias, hoje tem 190 milhões, o território é o mesmo, de 9,3 milhões de km2!!!!

Ou seja, como reativar um setor que está completamente em excesso, que já produziu enormes descalabros ambientais, num espaço finito? É ou não é o máximo da insanidade total? Para piorar, o caos social que será produzido com a crise global, vai requerer mais do mesmo, mais estragos, mais desequilíbrios e aceleração da atual rota suicida e cega. E isso irá enriquecer os mais ricos, como todo sempre, pois de acordo com a NEF (News Economic Foundation) de Londres, de cada 100 dólares adicionados a renda per capita mundial, só centavos chegam aos mais pobres.

Detalhe: a crise imobiliária é a causa primária da atual crise global... Será que já atingimos o limite da capacidade de recuperação na mesma fórmula de sempre?

O que estamos realmente esperando para mudar nosso modelo mental?

Hugo Penteado

04/11/2008 - 10h34
Autor do Relatório Stern muda de posição sobre limite para gases-estufa
da Folha de S.Paulo

O ex-economista-chefe do Reino Unido, sir Nicholas Stern, 62, admitiu ontem que manter como limite máximo de concentração de gases-estufa no ar 550 ppm (partes por milhão), como defendia antes, é arriscado.

Segundo ele, o ideal seria manter a concentração abaixo de 500 ppm. Hoje, o nível é de 430 ppm.

"Vamos atingir 450 ppm em oito anos", disse ele, em evento da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Acima de 500 ppm, o risco de a temperatura subir 5ºC é alto.

Ele disse que o investimento para estabilizar as emissões seria como pagar uma apólice de seguro para evitar um "desfecho catastrófico". Para Stern, com o avanço da ciência é possível manter entre 450 ppm e 500 ppm.

O lorde é autor do Relatório Stern, documento que afirma que os gastos anuais de estabilizar a emissão de gases-estufa na atmosfera seriam equivalentes a 1% do PIB mundial até 2050 e que, se nada for feito para conter as emissões, o PIB poderia ser reduzido em até 20%.

Stern avalia que até essa sua projeção estava subestimada e que o prejuízo da inação pode ser ainda maior.

3 comentários:

Anônimo disse...

Caramba, Hugo. Triste saber que Stern compartilha do pensamento limitado da maioria dos economistas. Fiquei bem decepcionada.

paulasjesus@terra.com.br

Anônimo disse...

Hugo,
Compartilho as suas indignações, mas fico me perguntando qual seria a saída, ou melhor, se a saída está em um regime completamente diferente do capitalismo.
Por exemplo, a discussão sobre o tal índice de felicidade ocorre a partir da experiência do Butão, país de pequeno território, com uma monarquia onde o chefe religioso é muito importante e economicamente dependente da agricultura. Penso ser difícil comparar a experiência do Butão com países de configurações totalmente distintas - industrializados e com desemprego elevado, por exemplo.
Conter a ambição do ser humano através da consciência não é impossível, mas sim muito difícil. Você acredita que a regulação do sistema econômico atual é suficiente para conter a degradação ambiental e proporcionar um desenvolvimento sustentável? Há a necessidade de derrubar algum pilar do modelo atual de desenvolvimento?
Marx também tinha grandes preocupações sobre o poder explorador e degradante do capitalismo, não com o meio ambiente, mas com a massa de empregados e a sua saída para um regime mais harmônico envolvia uma ruptura radical.
Abs
Fred
fredericomadureira@yahoo.com.br

Anônimo disse...

Gostaria de agradecer ao Hugo pela resposta ao meu comentário e compartilhá-la com os leitores do blog.

Abs

Fred

Você está certíssimo, essa busca de uma solução única para países, sociedades tão diferentes foi rechaçada pelo pai da Economia Ecológica, o Nicholas Georgescu-Roegen. Tomar Butão como exemplo é ruim, assim como tomar o modelo dos EUA como exemplo para tudo que diz respeito ao Brasil, sendo que nem funciona lá no país de origem, é um erro. Roegen foi um romeno naturalizado norte-americano, que tirou doutorado em matemática em Sourbone aos 24 anos de idade. Foi aos EUA e estudou nas melhores universidades e decidiu, depois de tanto estudo, voltar a Romênia com as teorias embaixo dos braços para ajudar seu país. Quando começou a tentar aplicar o que aprendeu a realidade de um país pobre, rural e com falta de terras descobriu que elas não serviam para nada e desferiu a primeira crítica ao pensamento econômico tradicional: uma ideologia que pretende passar por cima de todas as diferenças sociais, culturais, ambientais, históricas e instituicionais do mundo. Jogou no lixo essa teoria e se debruçou sobre os problemas romenos e acabou desenvolvendo a formulação teórica do movimento de reforma agrária. Para um país como a Romênia, a solução era reforma agrária, dizendo no final que para o problema de falta de terras a solução era um estringente controle populacional que estancasse essa pressão sobre terras que não aumentariam mais de tamanho.
O modelo de desenvolvimento econômico não leva em conta o meio ambiente nem as pessoas. Os economistas e a aplicação prática dessas idéias, que beneficiam uns poucos, ignoram que o planeta é muito mais importante que a economia e que as pessoas são muito mais importantes que a economia. E que no fundo a economia depende do planeta e das pessoas. Temos que mudar o modelo inteiro e remover o conflito desse sistema com o planeta. Veja no youtube story of stuff. A regulação do sistema econômico, suas métricas, suas regras, e os mercados não brotam do nada, não adianta tentar mudar os efeitos sem mudar a causa, que é nosso conjunto de valores. Voltamos para o ponto de partida da sua afirmação: mudar a consciência, é por aí, Roegen também falava em crise de valores e sem uma mudança geral dos valores não iremos a lugar algum. Temos que começar reverenciando o nosso entorno. Hoje me dei conta que quando respiro interfiro com a atmosfera, e que a atmosfera é regulada por mim e por todos os seres vivos. E que se os seres vivos juntos não fizessem isso, a Terra seria uma tocha incandescente. Os ecossistemas não estão aí só para serem comidos, mas exercem funções vitais como reguladores químicos do solo, do ar, da água, como regeneradores da água, estabilidade climática, manutenção da teia de seres vivos pela qual todos os seres dependem de todos os seres. Essa é a consciência que precisa surgir: lembrar que nossos corações só batem porque há um ser vivo na Terra capaz de armazenar a luz do sol...que são as plantas. Sermos mais humildes, perceber o coletivo, etc. Marx tem contribuições importantes, mas não tenho conhecimento suficiente para falar e acho que há uma diferença muito grande das suas idéias da sua aplicação prática ( ver o artigo do Eric Hobsbawn sobre isso no blog nossofuturocomum). O sistema comunista degradou o meio ambiente com igual voracidade do capitalismo.

Abraço Hugo

Colaboradores