Artigo publicado na Agência Estado BROADCAST em 4 de junho de 2009:
O professor Nouriel Roubini disse ao Jornal O Estado de São Paulo no dia 21/05/2009 que o maior desafio do Brasil é elevar a média de crescimento econômico, que oscilou de 4% a 5% nos últimos dois anos, para uma taxa próxima da russa, chinesa e indiana, que variou de 8% a 10% no mesmo período. Essa colocação contém dois erros, um mais trivial e outro, menos.
O mais trivial é algo que os economistas não conseguem responder: como poderemos aumentar infinitamente a produção de carros, casas, cacarecos, todas as construções, armas bélicas, produtos das mais variadas espécies num espaço finito como a Terra? Por acaso não estamos sendo soterrados por essa contínua e exponencial produção e construção de coisas com uma total perda de foco? Uma perda de foco, por exemplo, é o enorme desperdício no consumo de materiais, bens finais e de geração de lixo, que se eliminados de imediato iriam mitigar violentamente o dano que impingimos ao planeta e que colocou nossa espécie animal na rota da extinção. Na verdade, já provocamos hoje a maior extinção global da vida desse planeta dos últimos 65 milhões de anos. Transformar a Terra numa lata de lixo, com a gente dentro, e promover desperdícios incomensuráveis, apenas porque decidimos acreditar que o planeta é inesgotável ou aumenta de tamanho ao longo da sua jornada no universo não tem sido uma decisão muito inteligente. Por quê? Vejamos...
Brasil tem que crescer igual à China...
É muito estranho esse argumento, porque na década de 70, o Brasil em seus estágios iniciais de desenvolvimento, similares aos da China de hoje, apresentou uma taxa de crescimento chinesa acima de 10% por muitos anos (em 1973 crescemos 14%). Agora nosso país está num estágio de desenvolvimento bem acima da China. Ao lado disso, temos a evidência que os países mais maduros possuem crescimento bem menor: EUA, com potencial de 3,0%, Reino Unido 2,5%, Eurolândia 2,0% e Japão 1,5%. Por que só o Brasil deveria crescer a taxas chinesas e os países desenvolvidos não e só eles podem crescer bem menos? Há uma diferença de ritmo de crescimento conforme o estágio de desenvolvimento? As evidências todas elas apontam que sim.
A teoria de crescimento de Robert Solow usa apenas capital produzido pelo homem (fábricas, equipamentos, etc.) e trabalho como fatores explicativos do crescimento. Na verdade Solow descobriu que essa especificação de modelo só explicava 20% do fenômeno de crescimento e o resíduo gerado foi batizado de avanço tecnológico ou resíduo de Solow, algo que fez os matemáticos tremerem, porque o correto seria questionar a especificação do modelo e não batizar tamanho erro com seu próprio nome. Enfim, na China, um desses fatores explicativos do crescimento, o trabalho, deve crescer a uma razão de 30% ao ano, com o estoque de chineses marginalizados sendo absorvido pela migração rural urbana. Já no Brasil e nos países ricos, esse crescimento, ligado a uma dinâmica populacional diferente, é bem menor, nulo ou negativo. Essa é uma boa razão para entender como a transição demográfica e ausência de migrações populacionais explica em grande parte porque a dinâmica do crescimento é menor conforme o país é mais desenvolvido. Conclusão: de acordo com a teoria tradicional de crescimento, só faz sentido falar em crescimento tão elevado quanto o da China se o país estiver em estágios baixos de desenvolvimento.
Crescimento ilimitado e cego como única solução de todos os problemas
Os erros dessa análise não terminam aí, porque Solow e todas as vertentes do pensamento econômico neoclássico ignoram que o crescimento das economias e suas populações ocorre dentro de um sistema não crescente que é o planeta. Não é possível um sistema crescente num sistema não crescente sem atingir um limite (que é imposto pela nossa total dependência em relação à natureza, jamais revogada). O fim do crescimento é inevitável, como revelou já há décadas o grupo Meadows do MIT (financiados pela Fundação Volkswagen, cujos trabalhos jamais foram refutados). Basta lembrar a questão física, como o espaço territorial finito e a questão ecológica, como por exemplo, sem a Amazônia que é continuamente destruída, poucos brasileiros irão sobreviver. E essa não é a nossa única vinculação ecológica com o planeta, por isso somos tão vulneráveis e estamos tão ameaçados nesse século, que pode ser o nosso último.
Adicionamente a isso, por uma sucessão de erros ligados à origem da teoria econômica, os economistas e seus modelos ignoram a importância da natureza e a nossa total dependência material e biológica em relação a ela. Isso é suicida. Em síntese, apesar de tantas evidências, a questão do crescimento é encarada de forma muito simplista, ninguém endereça os descalabros ambientais gerados, nem os excessos, nem os desperdícios e nem a falsa noção de uma eterna escassez, simplesmente porque é assumido na teoria econômica que as necessidades humanas são ilimitadas, embora durante o processo, segundo a FORDHAM University e o New Economics Foundation, quanto mais as economias crescem, piora o atendimento das necessidades humanas e sociais, principalmente nas economias ricas, onde há uma concentração de riqueza crescente e extrema.
O crescimento econômico é a causa do colapso econômico, ambiental, social e planetário que vivemos à nossa volta. É a causa do colapso econômico, porque por ser um fim em sim mesmo e sempre depender de mais crescimento para se justificar, o processo se autoliquida a qualquer momento que as variáveis esquecidas (situação social, situação financeira dos agentes econômicos, perdas não reconhecidas nem fiscalizadas, externalidades ambientais, etc.) se materializam. É a causa do colapso ambiental, porque é fisica, ecologica e biologicamente impossível manter um sistema crescendo – a economia – dentro de um sistema não crescente e finito como o planeta Terra e isso sempre será uma verdade inescapável, não importa que proeza nossas tecnologias serão capazes de realizar. Robert Solow escreveu o capital humano produzido pelo homem é um perfeito substituto da natureza e isso mostra o nível de incompreensão ou talvez cegueira, porque não existe absolutamente nada produzido pelo homem.
É a causa do colapso social porque o sistema econômico atual não tem como objetivo atender as demandas das sociedades e lado a lado com esse crescimento pujante estamos produzindo uma degradação social constrangedora: 4 bilhões de marginalizados, concentração de riqueza recorde principalmente nos países ricos, onde a única renda que teve elevação nos últimos 25 anos foi justamente as do 1% mais ricos, que praticamente dobrou, ao passo que a dos pobres caiu e a da classe média estagnou. A contradição assustadora entre crescimento econômico e resultados sociais, cada vez mais negativos, deveria levar a busca de um novo consenso acerca dessa idéia estranha, ao contrário das palavras de Roubini, onde não sabemos ainda por qual evidência ainda conclui que quanto mais melhor, embora mais esteja virando menos em vários lugares do mundo e principalmente do Brasil, com ecossistemas continentais super ameaçados.
O crescimento econômico é a causa do colapso planetário iminente por conta do comércio global que transfere os exageros ambientais das sociedades mais consumidores (seja por excesso de prosperidade, seja por excesso de populações) para os demais países. Se os países ricos estivessem sozinhos no mundo, sem nenhum território ou país adicional, já teriam entrado em colapso ambiental há muito tempo. A pegada ecológica dos países ricos excede em muitas vezes os seus próprios territórios e não fosse a capacidade de sugar recursos naturais tangíveis (petróleo, metais, etc.) e intangíveis (processos geoquímicos, água, clima, etc.) do resto do mundo, já teriam vivido seu próprio colapso.
Os países que mais cresceram, que foram considerados um sucesso até o dia derradeiro da crise, acabam em falências sistêmicas como as que estamos vendo nas economias maduras. Por tudo isso posto temos motivos de sobra para questionar a enorme convicção sobre essa idéia de acreditar que o crescimento é sempre benigno e sem efeitos colaterais ou externalidades negativas. Em função dos descalabros ambientais em todas as áreas onde a humanidade está presente, seria hora de questionar também a sua possibilidade eterna. Conclusão: é muito complicado defender a idéia de crescimento econômico com base nas teorias econômicas tradicionais e ignorar por completo as evidências contrárias da realidade socioambiental à nossa volta, bem como as críticas já feitas e nunca refutadas pelo grupo Meadows, Manfred Max-Neef, Nicholas Georgescu-Roegen, Herman Daly, David Korten, etc.
Está mais do que na hora de um novo paradigma. Literatura, evidências e idéias sobre isso não faltam. O que falta?
O professor Nouriel Roubini disse ao Jornal O Estado de São Paulo no dia 21/05/2009 que o maior desafio do Brasil é elevar a média de crescimento econômico, que oscilou de 4% a 5% nos últimos dois anos, para uma taxa próxima da russa, chinesa e indiana, que variou de 8% a 10% no mesmo período. Essa colocação contém dois erros, um mais trivial e outro, menos.
O mais trivial é algo que os economistas não conseguem responder: como poderemos aumentar infinitamente a produção de carros, casas, cacarecos, todas as construções, armas bélicas, produtos das mais variadas espécies num espaço finito como a Terra? Por acaso não estamos sendo soterrados por essa contínua e exponencial produção e construção de coisas com uma total perda de foco? Uma perda de foco, por exemplo, é o enorme desperdício no consumo de materiais, bens finais e de geração de lixo, que se eliminados de imediato iriam mitigar violentamente o dano que impingimos ao planeta e que colocou nossa espécie animal na rota da extinção. Na verdade, já provocamos hoje a maior extinção global da vida desse planeta dos últimos 65 milhões de anos. Transformar a Terra numa lata de lixo, com a gente dentro, e promover desperdícios incomensuráveis, apenas porque decidimos acreditar que o planeta é inesgotável ou aumenta de tamanho ao longo da sua jornada no universo não tem sido uma decisão muito inteligente. Por quê? Vejamos...
Brasil tem que crescer igual à China...
É muito estranho esse argumento, porque na década de 70, o Brasil em seus estágios iniciais de desenvolvimento, similares aos da China de hoje, apresentou uma taxa de crescimento chinesa acima de 10% por muitos anos (em 1973 crescemos 14%). Agora nosso país está num estágio de desenvolvimento bem acima da China. Ao lado disso, temos a evidência que os países mais maduros possuem crescimento bem menor: EUA, com potencial de 3,0%, Reino Unido 2,5%, Eurolândia 2,0% e Japão 1,5%. Por que só o Brasil deveria crescer a taxas chinesas e os países desenvolvidos não e só eles podem crescer bem menos? Há uma diferença de ritmo de crescimento conforme o estágio de desenvolvimento? As evidências todas elas apontam que sim.
A teoria de crescimento de Robert Solow usa apenas capital produzido pelo homem (fábricas, equipamentos, etc.) e trabalho como fatores explicativos do crescimento. Na verdade Solow descobriu que essa especificação de modelo só explicava 20% do fenômeno de crescimento e o resíduo gerado foi batizado de avanço tecnológico ou resíduo de Solow, algo que fez os matemáticos tremerem, porque o correto seria questionar a especificação do modelo e não batizar tamanho erro com seu próprio nome. Enfim, na China, um desses fatores explicativos do crescimento, o trabalho, deve crescer a uma razão de 30% ao ano, com o estoque de chineses marginalizados sendo absorvido pela migração rural urbana. Já no Brasil e nos países ricos, esse crescimento, ligado a uma dinâmica populacional diferente, é bem menor, nulo ou negativo. Essa é uma boa razão para entender como a transição demográfica e ausência de migrações populacionais explica em grande parte porque a dinâmica do crescimento é menor conforme o país é mais desenvolvido. Conclusão: de acordo com a teoria tradicional de crescimento, só faz sentido falar em crescimento tão elevado quanto o da China se o país estiver em estágios baixos de desenvolvimento.
Crescimento ilimitado e cego como única solução de todos os problemas
Os erros dessa análise não terminam aí, porque Solow e todas as vertentes do pensamento econômico neoclássico ignoram que o crescimento das economias e suas populações ocorre dentro de um sistema não crescente que é o planeta. Não é possível um sistema crescente num sistema não crescente sem atingir um limite (que é imposto pela nossa total dependência em relação à natureza, jamais revogada). O fim do crescimento é inevitável, como revelou já há décadas o grupo Meadows do MIT (financiados pela Fundação Volkswagen, cujos trabalhos jamais foram refutados). Basta lembrar a questão física, como o espaço territorial finito e a questão ecológica, como por exemplo, sem a Amazônia que é continuamente destruída, poucos brasileiros irão sobreviver. E essa não é a nossa única vinculação ecológica com o planeta, por isso somos tão vulneráveis e estamos tão ameaçados nesse século, que pode ser o nosso último.
Adicionamente a isso, por uma sucessão de erros ligados à origem da teoria econômica, os economistas e seus modelos ignoram a importância da natureza e a nossa total dependência material e biológica em relação a ela. Isso é suicida. Em síntese, apesar de tantas evidências, a questão do crescimento é encarada de forma muito simplista, ninguém endereça os descalabros ambientais gerados, nem os excessos, nem os desperdícios e nem a falsa noção de uma eterna escassez, simplesmente porque é assumido na teoria econômica que as necessidades humanas são ilimitadas, embora durante o processo, segundo a FORDHAM University e o New Economics Foundation, quanto mais as economias crescem, piora o atendimento das necessidades humanas e sociais, principalmente nas economias ricas, onde há uma concentração de riqueza crescente e extrema.
O crescimento econômico é a causa do colapso econômico, ambiental, social e planetário que vivemos à nossa volta. É a causa do colapso econômico, porque por ser um fim em sim mesmo e sempre depender de mais crescimento para se justificar, o processo se autoliquida a qualquer momento que as variáveis esquecidas (situação social, situação financeira dos agentes econômicos, perdas não reconhecidas nem fiscalizadas, externalidades ambientais, etc.) se materializam. É a causa do colapso ambiental, porque é fisica, ecologica e biologicamente impossível manter um sistema crescendo – a economia – dentro de um sistema não crescente e finito como o planeta Terra e isso sempre será uma verdade inescapável, não importa que proeza nossas tecnologias serão capazes de realizar. Robert Solow escreveu o capital humano produzido pelo homem é um perfeito substituto da natureza e isso mostra o nível de incompreensão ou talvez cegueira, porque não existe absolutamente nada produzido pelo homem.
É a causa do colapso social porque o sistema econômico atual não tem como objetivo atender as demandas das sociedades e lado a lado com esse crescimento pujante estamos produzindo uma degradação social constrangedora: 4 bilhões de marginalizados, concentração de riqueza recorde principalmente nos países ricos, onde a única renda que teve elevação nos últimos 25 anos foi justamente as do 1% mais ricos, que praticamente dobrou, ao passo que a dos pobres caiu e a da classe média estagnou. A contradição assustadora entre crescimento econômico e resultados sociais, cada vez mais negativos, deveria levar a busca de um novo consenso acerca dessa idéia estranha, ao contrário das palavras de Roubini, onde não sabemos ainda por qual evidência ainda conclui que quanto mais melhor, embora mais esteja virando menos em vários lugares do mundo e principalmente do Brasil, com ecossistemas continentais super ameaçados.
O crescimento econômico é a causa do colapso planetário iminente por conta do comércio global que transfere os exageros ambientais das sociedades mais consumidores (seja por excesso de prosperidade, seja por excesso de populações) para os demais países. Se os países ricos estivessem sozinhos no mundo, sem nenhum território ou país adicional, já teriam entrado em colapso ambiental há muito tempo. A pegada ecológica dos países ricos excede em muitas vezes os seus próprios territórios e não fosse a capacidade de sugar recursos naturais tangíveis (petróleo, metais, etc.) e intangíveis (processos geoquímicos, água, clima, etc.) do resto do mundo, já teriam vivido seu próprio colapso.
Os países que mais cresceram, que foram considerados um sucesso até o dia derradeiro da crise, acabam em falências sistêmicas como as que estamos vendo nas economias maduras. Por tudo isso posto temos motivos de sobra para questionar a enorme convicção sobre essa idéia de acreditar que o crescimento é sempre benigno e sem efeitos colaterais ou externalidades negativas. Em função dos descalabros ambientais em todas as áreas onde a humanidade está presente, seria hora de questionar também a sua possibilidade eterna. Conclusão: é muito complicado defender a idéia de crescimento econômico com base nas teorias econômicas tradicionais e ignorar por completo as evidências contrárias da realidade socioambiental à nossa volta, bem como as críticas já feitas e nunca refutadas pelo grupo Meadows, Manfred Max-Neef, Nicholas Georgescu-Roegen, Herman Daly, David Korten, etc.
Está mais do que na hora de um novo paradigma. Literatura, evidências e idéias sobre isso não faltam. O que falta?
Hugo Penteado
Um comentário:
fantástico, parabéns pelo artigo.
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