terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Dia de chuva em São Paulo

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Quando em 1998 o ABN AMRO, banco onde eu trabalhava, comprou o Banco Real, eu fui premiado com a seguinte notícia: você irá trabalhar na Avenida Paulista. Eu morei perto de 1998 a 2008, portanto 11 anos, e caminhei a pé de casa para o trabalho e ainda almoçava em casa. Era uma delícia que eu havia me acostumado sem perceber o quanto é bom fazer as coisas num perímetro pequeno da cidade. Nos fins de semana, temos o hábito de ir a lugares por perto, outro privilégio é morar onde há tudo. Carro só para visitar amigos distantes ou viajar. Sem aborrecimento algum e eu não tinha noção do quanto essa cidade virou um inferno até o final de 2008, quando o Santander comprou o Banco Real. Recebi uma péssima notícia: você vai trabalhar do outro lado da cidade, num prédio na marginal, perto da Berrini.

Não tinha conta do quanto isso seria dificil de se ajustar, nem do tamanho da perda, mas decidi ser forte, porque eu sei que muitas pessoas vivem assim na cidade de São Paulo e em situação muito pior e que eles são os verdadeiros heróis, as pessoas que merecem meu total respeito e eu sou apenas um covarde. A covardia falou mais alto: informei ao meu chefe que para evitar os horários de tráfego intenso, eu iria entrar às 6 da matina e sair as 16 horas, alterando meu horário da Paulista que era das 8 até as 18 horas. Como sou analista, posso ter horários diferentes, não estou preso em mercados ou em atividades com hora certa. Foi aceito.

Comecei acordando 5 e 15 da manhã. Vi que de manhã levava 12 minutos mais ou menos para chegar até lá. Mudei para 5 e 30. Há dias que eu acordo 6 e 20 e entro às 7 horas. Sou honesto comigo mesmo, antes de com a empresa, qualquer coisa que fazemos de errado ou qualquer intenção escondida, para mim é karmático. Eu sempre vejo a hora que cheguei e coloco mais 10 horas e já sei: hoje vou sair tal hora. Isso decorre da minha incrível dificuldade de chegar cedo que aumentou no horário do verão: de um dia para outro estava tentando me levantar às 4 da matina. Realmente estou conseguindo, mas nem tudo é perfeito. Quem disse que consigo sair do banco às 16 horas todos os dias?

Foi aí que eu redescobri a cidade que sempre achei um erro, um atropelo, como um amigo meu me disse: cidades com mais de 1.000.000 de habitantes são aberrações em todos os sentidos e completamente insustentáveis. Eu tento respirar em São Paulo e não consigo, entendi muito bem o que ele quis dizer e lamento as autoridades não reconhecerem isso e não terem decretado imediatamente para São Paulo moratória: moratório de carros, de construções e de incrementos populacionais. Os economistas e os governos que os seguem só vão entender que isso é impossível num espaço urbano finito quando o perecimento for grande o suficiente para corrigir o desequilíbrio.

Eu achava uma aberração que andar a pé de casa para o trabalho mal conseguia respirar. Quando morava perto do trabalho, e lutava contra isso usando máscara, achando que isso era o pior dos mundos, não percebi que isso era o paraíso. Quando saio tarde do trabalho me deparo com uma marginal, uma Berrini e todos seus eixos completamente parados. Uma hora é o prazo mínimo para chegar em casa, mas rezando, claro, para que não chova. E foi isso que aconteceu quando choveu em São Paulo e os políticos e executivos se esquivando, enquanto os pontos de ônibus alagados ficavam repletos de pessoas esperando ônibus parados por mais de uma hora, cheio de gente. Esses são os heróis. Eu não sei como não entrei em depressão depois disso. Acho que entrei um pouco, disse para mim mesmo: eu vivia numa bolha. Não sirvo para nada mesmo.

As cenas da cidade que eu vejo de trânsito me parecem um cenário lúgubre de guerra. Quando chove, fico com a sensação de apocalipse. Teve um dia que choveu tanto que ficamos presos no prédio sem coragem para sair, olhando lá do alto da torre os carros enfileirados, amontoados e parados. Parados dentro das garagens dos prédios. Esse é o maior exemplo da estupidez do crescimento econômico que tantos economistas famosos – a lista é infinda – defendem. Defendem, mas não vivem, estão nas suas bolhas. Ainda escutamos políticos supostamente inteligentes falando em solução do trânsito sem falar na moratória que eu mencionei antes, como se o território das cidades e dos países e os serviços ecológicos que nossa espécie animal não pode prescindir crescessem e se tornassem infinitos. Essa discussão com pessoas que não acreditam nisso nem travo mais: é como se a gente discutisse se é ou não é correto explodir crianças em guerras estúpidas como assistimos toda hora.

Está crescendo em mim um protesto maior. Eu já protestei ao decidir que não compro mais automóvel, mantendo o meu velho e ineficiente Ford Ecosport 2003 até o fim da minha vida. Agora cogito mandar ele para o desmanche e ficar sem nada. Falta-me coragem, sou covarde e ainda tenho diante de mim os mesmos políticos de sempre e os de outrora com a mesma visão de mundo que nada nos foi útil e continuará sendo. Não se enganem meus leitores, quando vi na campanha política os clamores para mais crescimento da nossa cidade de São Paulo, senti um calafrio na espinha como se um asteróide estivesse na nossa direção. Não tem nesse modelo e nessa visão de mundo como as coisas melhorarem e eu lamento muito, muito e profundamente pelas pessoas nas janelas dos ônibus, nos carros, nos pontos de ônibus, totalmente encarceradas, tristes e miseravelmente esquecidas. Lamento pelo seu destino estar nas mãos de muitos homens que muito pensam valer, mas que mais valeriam se estivessem mortos e enterrados.

Outra fatalidade que enfrentei além das dificuldades do trânsito foi a saúde. Dores, sono e rigidez no corpo foram conseqüências dessa mudança. Mas a pior delas foi me submeter a comer comida fora de casa. Dois fatos me atropelaram e me colocaram nas mãos da comida industrializada que envenena a humanidade: minha empregada não pôde mais trabalhar comigo e eu não tinha mais jantar à noite; e o almoço, por estar longe de casa, era feito em restaurantes. Em pouco tempo, verifiquei que minha saúde fraquejou. Fiquei gripado pela primeira vez na minha vida, tive mais dores de cabeça do que o costume, aftas, herpes e mais indigestão ou alterações no intestino. Tudo isso porque minha comida era quase 100% orgânica, natural, eu não compro praticamente nada industrializado ou já pronto e de repente caí em comida industrializada. Costumava dizer para a Andréia que trabalhava comigo quando íamos no supermercado: “Embalou, coloriu, veneno.” “Andréia, não compra nem alho em pote para mim, você já viu como fica o alho depois de picado na geladeira?” Mudança de alimentação para pior teve resultado palpável: todos os meus exames de sangue da minha avaliação médica anual pioraram. Estão dentro do intervalo normal, mas caminharam para os limites inferiores. Pior que ainda há médicos que defendem que a alimentação moderna industrializada não é problema. Tem razão, trânsito e alimentação não são problemas mesmo, são atrocidades contra nós. Carros que tem velocidade média hoje igual às carroças do século XIX e corpos cuja alimentação traz como benefícios menos metabolismo, muita obesidade e muita doença e envelhecimento precoce, realmente não são problemas nem aberrações.

Em tempo: achei um restaurante vegetariano orgânico perto da Berrini e não sei o nome, embora vá lá quase todo dia e o dono vai ficar chateado comigo por conta disso...

3 comentários:

Unknown disse...

Hugo, realmente não é fácil fazer essa mudança. Já estou sofrendo por antecipação...
São Paulo tem solução?

Hugo Penteado disse...

Comentário que recebi por email:

Oi Hugo

Lí seu depoimento DIAS DE CHUVA EM SÃO PAULO, notei um pesar íntimo e profundo de impotência diante de um quadro tão visívelmente acomodado por parte de todos. Você fêz citações importantíssimas como estar dentro de uma "bolha". Essa bolha de certa forma podemos traduzir como uma zona de conforto que todos nós nos colocamos a salvo de certas situações que nos agridem.

Pois é meu amigo, você está experienciando uma agressão física (constatado nos resultados laboratoriais), emocional, auditiva, visual sentido, ouvindo e vendo o sofrimento das pessoas que mais sobrevivem do que vivem, pois que a vida passa desapercebidamente pelas horas, dias, semanas, meses e anos num automatismo cruel, onde os coletivos mais parecem comboios apressados cumprindo apenas intinerário.

Mas não é só isso; há todo um envolvimento espiritual que se mistura ao ar que se respira. As pessoas emitem ondas de energia conforme seu ambiente íntimo, de dor, angústia, medo, solidão, tristeza, violência, raiva, alegria, contentamento, amor, entusiasmo, motivação, gratidão e a soma é relativa ao que mais predomina nesse campo psíquico invisível mas real como real são os vírus, as bactérias que não se enxerga a olho nú, mas sabemos estão por toda parte.

Somos criaturas potencialmente antenadas com as energias e captamos conforme nossa predisposição emocional, daí razão para o esforço sempre necessário a haurir na meditação condições físicas, emocionais e espirituais para viver o quanto possível numa harmonia e equilíbrio dentro desse espaço chamado "convivência diária". É difícil? Muito; mas o exercício é uma constante e tenho certeza que muitos daqueles que você vê às vezes com o olhar "perdido" ou fixo em algum lugar está de alguma forma equipado com ferramentas que a vida lhes conferiu para viver tal realidade e cada qual dentro da sua realidade está cumprindo um papel muito importante social, profissional e familiar.

Quantos como você parou para pensar? Analisar? Quantos como você consegue sair da sua zona de conforto? Quanto conseguiriam sair da "bolha" e enfrentar os coletivos, horários de pico?

Hugo, você está apenas constatando uma realidade, seu relato é digno de fazer parte dos livros da história contemporânea a ser estudado nas escolas.

Depois de toda essa constatação você pode se preparar melhor para o enfrentamento dessas situações todas, não se torne mais um na multidão a sofrer a pressão e não seja mais um a emitir ondas mentais desconcertantes. Realmente tem políticos que não temos condições de classificar, mas eles não merecem sequer ocupar lugar de destaque em nossos pensamentos, o tempo e o momento irão se encarregar deles. Que você continue fazendo parte daqueles são heróis, que fazem a diferença nesse imenso mar de pessoas.

Eu só não posso concordar com você quando afirma ser um covarde. Por favor se retrate com você mesmo, você não é esse covarde que afirmou no texto. Delete essa palavra do seu vocabulário íntimo.

Sua torcida é grande!
Beijos e fique com Deus sempre.

Sonia

Marcus Colacino disse...

Hugo

trabalhei proximo a Berrini e morei na Florida..fazia tudo a pe tb...bons tempos

recomendo voce a ir almocar no Recanto Vegetariano http://www.recantovegetariano.com.br

que fica na Florida

abracos

Marcus

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