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As pessoas ficam surpresas quando comento esse fato nas palestras de Ecoeconomia: 95% dos recursos hídricos da região sudeste vem através do regime de chuvas e rios aéreos da Amazônia, de acordo com muitos cientistas e com os trabalhos do Smithsonian Tropical Institute. Não é só São Paulo. Sem a Amazônia, a região sudeste inteira ficará sem água. Assim como sem o Cerrado o aqüífero fóssil Guarani morre e deveria ser a meta número um de todos os governos: estancar a destruição dos ecossistemas dos quais dependemos para viver e sobreviver. Nós e todos os seres vivos da Terra, que já estão na maior rota de extinção dos últimos 65 milhões de anos por nossa culpa.
Nisso tudo, é assustador acharmos que conseguimos superar o problema da falta de alimentos ao lado de uma população humana gigantesca. Mesmo desconsiderando as enormes disparidades de acesso às calorias, toda essa comida está sendo produzida através do esgotamento de aqüíferos fósseis, que não possuem taxa de reposição. Aprendi com Eduardo Passeto que nem toda água é renovável, como eu pensava e isso só me fez entender o alerta da queda do nível de água desses recursos da crosta terrestre, fenômeno preocupante nos Estados Unidos e na China.
Outro ponto importante é que o aquecimento global pode causar alterações na Amazônia e depois no regime de chuvas da região sul e sudeste e muitos atribuem a seca e enchente lado a lado na região sul recente a esse fenômeno. Estava vendo Planet Earth com a narração da Sigourney Weaver e fiquei impressionado como tudo está interligado: altas montanhas do Tibete com as Monções da Índia, com o deserto do Saara cuja tempestade de areia atravessa o Atlântico e faz parte do processo de fertilização da Amazônia. Cada lâmpada que se apaga no planeta, afeta outro lugar, muitas vezes distante, pois tudo está interligado. É assustador. E muitos, a grande maioria, seguem suas vidas alegremente inconscientes desse fato.
Por isso tudo é que acredito que o elemento humano precisa ser integrado e não negado no meio ambiente, visão retrógrada até o advento do livro Silent Spring, onde fica bem claro que a visão de separar áreas naturais para ficarem fora do alcance do ser humano de nada adianta, porque os processos que estamos criando e na escala atual, sempre crescente, irão destroçar qualquer santuário ecológico que exista na Terra, mesmo que não tenha nenhuma presença humana. O DDT provocou nas aves a produção de ovos sem cascas, por isso, nenhum filhote nascia e isso explica o título, primavera silenciosa. Os ambientalistas fundamentalistas precisam entender que sem o elemento humano nada irá ser conseguido na direção da preservação do meio ambiente. Nós somos parte do meio ambiente, somos nós que precisamos de preservação, somos nós que estamos ameaçados.
Estou lendo Noam Choamsky, um livro de 1969, um concerto de artigos dele, muitos sobre a guerra do Vietnã. Lá ele mostra como os intelectuais conseguem com argumentos equivocados e tendenciosos defender as piores causas, muitos sem perceberem. Isso, como nós sabemos, é uma crítica que se aplica a muitos ambientalistas.
O nosso maior problema é quando esquecemos que todos somos iguais. Não pode mais haver guerras, a destruição ecológica e humana delas é irreparável e para todo o sempre. Estamos num planeta de monstros, essa é a verdade e essa monstruosidade causa um sofrimento tremendo. Nada que povo algum tenha feito de ruim e nem em que quantidade de cadáveres justifica novas atrocidades. Corremos o risco de uma argumentação insana e de perda de humanidade quando tentamos nos defender acusando os outros. O que precisamos entender é que tudo que vive merece viver e isso se aplica a cada ser humano na Terra e a cada outro ser vivo, que teimamos em trucidar. Estou lendo um livro sobre a guerra do Vietnam desse autor e estou atônito como fica claro a participação dos intelectuais numa conspiração ideológica a favor da morte e que a oposição à guerra não ocorreu por causa das crianças mortas, mas por causa do custo. O mesmo aconteeu com a guerra do Iraque: a opinião pública dos Estados Unidos não condenou Bush por causa da guerra, mas por causa dele ter perdido a guerra (como ganhar aquela guerra insana do Iraque é algo difícil de responder).
Estamos vivendo uma tecnocracia em que os únicos valores que restaram são os monetários, como se o custo de alguma coisa pudesse falar mais alto que as vidas humanas perdidas para sempre. No caso da guerra do Hitler, era uma loucura ver que para derrubar a intelligentsia nazista os intelectuais perguntavam-se: “Seria tecnicamente viável dispor de milhões de cadáveres? Quais as provas que os eslavos são seres inferiores? Deverão ser moídos ou triturados ou mandados de volta para seu habitat natural no Leste para que essa grande cultura possa florescer em benefício da humanidade?” (do livro de Noam Chomsky, O Poder Americano e os Novos Mandarins). Quando li isso, descobri o quanto a ideologia da guerra se assemelha a ideologia dos mercados financeiros e dos economistas: ficamos insistindo em discutir pontos que jamais deveriam ser discutidos. Tentar provar que a vida humana não pode ser trucidada, como fizeram os intelectuais na época do massacre do Hitler, foi perda de humanidade, para dizer o mínimo. O mesmo vale para o planeta e nossa relação doente com ele: tentar provar aos economistas que a economia não pode ser maior que o planeta e que o lucro é a parte menos importante também é uma discussão insana. Não precisamos nem parar para provar que as pessoas e o planeta são as entidades maiores. Fazer isso seria perder também nossa humanidade - ou sanidade, principalmente agora que se avizinha pela primeira vez na história da humanidade nosso próprio risco de extinção.
Sem chuva da Amazônia, SP vira deserto
Daniela Chiaretti, de São José dos Campos (SP)
12/01/2009
São Paulo tem vocação natural para deserto. Só não é terra seca porque existem os Andes e a Amazônia. "Os Andes não vão sair de lá, a não ser que aconteça um cataclisma. Mas destruir a Amazônia para avançar a fronteira agrícola é dar um tiro no pé do agronegócio." O agrônomo Antonio Nobre, 50 anos, 22 deles vividos na Amazônia e autor da frase acima, tem se dedicado a estudar e dar visibilidade aos trabalhos de colegas sobre o regime de chuvas no país, uma área difícil, de poucos dados, e fundamental no horizonte do aquecimento global. "A Amazônia é uma bomba hidrológica gigantesca que traz a umidade do Oceano Atlântico para dentro do continente e garante que a região responsável por 70% do PIB da América do Sul seja irrigada", continua. Davilym Dourado/Valor
Antonio Nobre, pesquisador do Inpe: "Temos cinco ou seis anos para impedir que uma catástrofe maior se estabeleça"
Antonio Nobre vem de família rara. O pai era jogador de futebol, a mãe, pintora. Criaram seis filhos com DNA dominante de cientista. O irmão mais velho é Carlos Nobre, um dos maiores climatologistas do país. Paulo estuda como a destruição da Amazônia afeta os oceanos e é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), onde também trabalham Carlos e Antonio. Outro irmão é professor da Fundação Getúlio Vargas, o caçula faz doutorado em ecoturismo no Colorado (EUA). A única mulher do time é psicóloga e astróloga - "faz pesquisa no sutil", diz Antonio, casado com uma pesquisadora do Inpe.
Com mestrado em biologia tropical pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (o Inpa, de Manaus), e doutorado em biogeoquímica pela Universidade de New Hampshire, há cinco anos Antonio é o homem do Inpa dentro do Inpe. Em sua sala em São José dos Campos (SP), rodeado por quadros da mãe, busca conectar a experiência amazônica com o que os satélites enxergam do espaço. Como todos os cientistas que se dedicam à mudança climática, o que vê não é promissor. "Temos cinco ou seis anos para impedir que uma catástrofe maior se estabeleça."
Entre os mais novos estudos que vem recolhendo sobre o regime das chuvas, há dados impressionantes. A Amazônia evapora, em um único dia, 20 bilhões de toneladas de água. "Este rio voador, que sai para a atmosfera na forma de vapor, é maior que o maior rio da Terra", diz Antonio, comparando o potencial de chuvas da Amazônia às 17 bilhões de toneladas de água que o Amazonas lança todos os dias no Atlântico. "Está se descobrindo que a floresta é dez vezes mais importante do que se imaginava", diz ele. "Estudos mostram que, nas regiões com floresta, a chuva continua igual por 500 km, 2 mil km; nas regiões do mundo onde ela foi tirada, dentro do continente é deserto", explica.
O cientista lembra que as primeiras conseqüências do desmatamento já são sensíveis. Em Tocantins, Pará e Mato Grosso já se detectam temperaturas muito altas. O Rio Grande do Sul está perdendo safras. "Não é para parar com o desmatamento da Amazônia em 2015. Era para parar ontem. Tem que ser zero, nenhuma árvore mais derrubada. Precisamos replantar a floresta." Aqui, Nobre explica como chuvas, ventos, oceanos e florestas estão interligados e por que alterar este equilíbrio pode trazer danos irreversíveis à vida:
Valor: Como o senhor interpreta as chuvas que castigam Santa Catarina, Minas, Espírito Santo?
Antonio Nobre: O único comentário que tenho é que lamentavelmente isso pode ser fichinha diante do que está vindo. Eventos extremos sempre aconteceram, mas a Terra tem mecanismos de atenuação. Agora, como a humanidade tem perturbado esses mecanismos, estamos tendo um aumento de freqüência desses eventos. Professores da Universidade Federal de Santa Catarina disseram que o sofrimento que esta chuva produziu é quase 100% responsabilidade da forma como foi feita a ocupação naquela região. É o mesmo que acontece em Minas, no Rio e está sendo imposto na Amazônia. Um sofrimento decorrente de construir em encostas íngremes, de cortar floresta e deixar a região fragilizada. O problema não é da natureza, é humano. Santa Catarina é uma região propensa a esse tipo de evento, infelizmente. Mas também é uma prova da falência do sistema político brasileiro, que só atende ao imediatismo. O Código Florestal, desrespeitado, é de 1965 e nem leva em consideração as mudanças climáticas. Se levasse, seria muito mais restritivo, porque só temos cinco ou seis anos para impedir que a catástrofe maior se estabeleça sem chance de retorno.
Valor: O Brasil está enxergando a Amazônia com outros olhos?
Nobre: O imaginário coletivo coloca nas florestas tropicais de modo geral, e na Amazônia, de modo particular, a sensação de algo de muito valor, de coisa grandiosa, mística. A Amazon.com não escolheu seu nome à toa. As pessoas atribuem esse valor ao sentido de paraíso perdido, de riqueza, de vida. Isso é senso comum. Exceto por um povo no mundo: o brasileiro.
Valor: Por quê?
Nobre: Porque o brasileiro médio acha que está deitado eternamente em berço esplêndido. E ele entende por isso vastas áreas propícias para agricultura, chuvas plenas, clima ameno, rios caudalosos que permitem geração de energia, um eldorado de minerais e agora o petróleo. É um país abençoado. Isso define a visão ufanista de que temos valores extraordinários no Brasil.
Valor: E não é assim?
Nobre: Analise o que falei: área para agricultura, água nos rios para energia, biocombustíveis, minerais, não tem nada vivo! Bem, a agricultura é viva, mas não é natural. O berço esplêndido do brasileiro é a terra aberta, não há registro da nossa herança viva. É a nossa visão cultural. O verde está lá, tremulando na bandeira, mas não o valorizamos.
Valor: Por que não?
Nobre: Várias razões. Uma é a que chamo herança maldita dos invasores. O europeu que chegava aqui, na colonização, era o que tinha de pior naquela sociedade. Mercenários que encontravam uma terra sem lei nem rei, onde havia uma floresta de vigor incrível, ouro, povos sem exército nem pólvora. Toda essa abundância ofertada obscenamente para pilhagem. E com o agravante da Igreja, que dizia que os povos da terra não tinham alma enquanto não fossem batizados. Portanto, o conhecimento da natureza que esses povos tinham valia zero. Assim se removeu o saber indígena do "pool" cultural do brasileiro e o pouco caso com o ambiente passou a fazer parte do nosso caráter.
Valor: Como se muda isso?
Nobre: Primeiro reconhecendo que tem carrapato em cima da vaca. Por que o brasileiro chama floresta de mata? Mata é coisa sem valor. Porque era assim para o invasor e nós perpetuamos a rapina. Continua ativa a mesma mentalidade, hoje disfarçada de direito, que faz parte do nosso sistema de valores, foi incorporada no governo e se disfarçou. Agora se chama desenvolvimento. Temos que reconhecer esse fardo ignaro e pensar positivamente para frente. Parar de brigar ambientalista com desenvolvimentista e redescobrir nossa identidade. O brasileiro tem uma reação forte contra pirataria: "Estão roubando os nossos bens", diz, indignado. Mas um ataque sem precedentes aos biomas, com tratores e correntões, motosserra e fogo não desperta revolta. É claro que temos que desenvolver, precisamos de agricultura. O Blairo Maggi [governador do Mato Grosso e um dos maiores produtores de soja do mundo] perguntou outro dia se queremos árvores ou se queremos comida. É um dilema totalmente falso.
Valor: Por quê?
Nobre: Porque sem árvores não tem água e sem água não tem comida. Uma tonelada de soja consome várias toneladas de água para ser produzida. Quando exportamos soja, estamos exportando água doce para países que não têm esta chuva e não podem produzir. É o mesmo com o algodão, com o álcool. Água é o principal insumo agrícola. Se não fosse assim, o Saara seria verde, porque tem solos fertilíssimos.
Valor: As pessoas acreditam que chuva é um fenômeno eterno...
Nobre: Pois é. Mas pense numa caixa d´água. Se tem só um cano saindo e nenhum entrando, vai esvaziar. Os rios saem dos continentes e vão para o oceano. Precisa ter alguma volta de água ou seca o continente.
Valor: De onde vem essa água?
Nobre: Essa é uma pergunta que ninguém se faz. Aprendemos assim na escola: a água salgada do mar evapora pela ação do sol, o sal fica no mar e a água doce forma as nuvens. O vento sopra a umidade, chove no continente e a água volta para os rios.
Valor: Está errado?
Nobre: Então devia ter água em todos os continentes da Terra, mas existem desertos, não é? É só olhar o globo e ver que em toda a zona equatorial tem florestas. Ou tinha, as estamos destruindo. Mas nas áreas contíguas, a 30 graus de latitude norte e sul, existem desertos. O Kalahari, deserto da Namíbia, o Atacama, o Saara. Isso tem uma explicação, chama-se circulação de Hadley: a parte central do planeta recebe maior radiação solar, ilumina muito, é uma área muito quente, evapora muita água, a evaporação produz chuvas na região. A produção de chuva faz com que o ar circule assim: sobe no Equador e desce a uns 30 graus norte e sul. O ar que sobe, perde umidade, chove; quando desce rouba umidade da superfície e formam-se os desertos. Só há duas exceções, no Sul da China, um lugar atrás do Himalaia, e na região que produz 70% do PIB da América do Sul, o quadrilátero que vai de Cuiabá a Buenos Aires e de São Paulo aos Andes. Toda essa atividade econômica depende de chuva. Se prevalecesse a circulação de Hadley, seria deserto também. Teria floresta na Amazônia e aqui não teria nada.
Valor: E por que não é deserto?
Nobre: Por duas razões. Uma, publicada pelo José Marengo [outro especialista em clima, do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Inpe]. Se esta região deveria ser deserto e não é, tem algo na América do Sul que é diferente. O quê? Os Andes, uma parede de 6 mil metros de altura, que corta o continente até a Patagônia. Funciona assim: a massa de ar gira sempre de leste para oeste em cima do Equador e o vento sopra ao contrário na faixa entre a zona equatorial e a polar. A umidade do Atlântico entra sobre a Amazônia, a floresta a mantém, e se não existissem os Andes passaria direto ao Pacífico. Mas o ar bate na cordilheira e no verão consegue chegar ao sul e irrigar o nosso quadrilátero produtivo.
Valor: É uma chuva importante?
Nobre: Significa mais de 90% da chuva que cai na região. A transmissão de umidade da Amazônia para o centro agrícola da América do Sul é o que faz produzir e não deixa a área virar deserto. A condição dos Andes é importante, é por isso que o pessoal diz que o Acre é onde o vento faz a curva. Mas é o segundo fator que considero o mais importante: temos uma esponja verde como cabeceira de água na América do Sul, a floresta amazônica. As árvores conseguem evaporar mais água do que os oceanos por unidade de área.
Valor: Como é esta comparação?
Nobre: Uma árvore grande, com copa de 20 metros, chega a evaporar 300 litros de água por dia. No oceano, 1 m2 é 1 m2 de superfície evaporadora. Mas 1m2 de floresta chega a ter 8, 10 m2 de folha. Evapora oito, dez vezes mais que o oceano. A floresta é como um radiador de automóvel, é um evaporador otimizado. As folhas são distribuídas em vários níveis por 40 m de altura. O vento vem, encontra a superfície cheia de galhos, faz turbulência, gira, entra pelo meio. Isso ajuda a remover umidade da superfície. Medimos o quanto a Amazônia evapora, é um número astronômico: 20 bilhões de toneladas de água em um dia. Para ter idéia do que é este volume, o rio Amazonas lança 17 bilhões de toneladas de água por dia no Atlântico. Este rio voador, que sai para a atmosfera na forma de vapor, é maior que o maior rio da Terra.
Valor: É por isso que o senhor diz que avançar a fronteira agrícola para a Amazônia é dar um tiro no pé?
Nobre: Claro. A Amazônia é uma gigantesca bomba de água. A evaporação precisa do sol para acontecer. Calculamos quanta energia seria necessária para evaporar toda aquela água. Quantas Itaipus precisaríamos para evaporar um dia de água da Amazônia? Precisaríamos de 50 mil Itaipus a plena carga.
Valor: Como atua essa bomba?
Nobre: Cerca de 50% da chuva cai de novo na floresta. O fato de ela absorver essa energia toda na superfície e liberar em altitude, onde condensam as nuvens, produz circulação atmosférica. A floresta gera uma bomba que puxa o vento do oceano para dentro da terra. Chega este ar cheio de umidade, chove, a floresta evapora, o ar úmido continua seu caminho para dentro do continente, chove de novo. São 4 mil km até os Andes. Quando alcança os Andes, ainda está carregado de umidade, bate na cordilheira, desce e vai irrigar as plantações de soja do Centro-Oeste, Sudeste, Sul e segue. Estudos mostram que nas regiões com floresta, a chuva continua igual por 2 mil km. Nas regiões onde foi tirada, lá para dentro do continente é deserto. As primeiras conseqüências do desmatamento já estão disponíveis. O Rio Grande do Sul já está perdendo safras. Se desmatarmos e enfraquecermos a bomba, a região toda vai secar, porque é seu destino natural.
Valor: A Amazônia, então, é fundamental para a agricultura?
Nobre: Está se descobrindo que a floresta é dez vezes mais importante do que se imaginava. Tem outros fatores, também: a floresta faz chover. Essa foi uma descoberta fantástica do projeto LBA (Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia). Gotas precisam de alguma coisa sólida para se formarem, é fácil perceber quando se tira uma garrafa de refrigerante da geladeira e formam-se gotinhas em volta. A floresta emite vapores orgânicos para a atmosfera, que funcionam como sementes de nuvens. Mas precisa ser a quantidade certa para chover, se tiver demais não chove. A fumaça das queimadas introduz partículas demais na atmosfera, seca as nuvens e elas não chovem. Durante o período seco, das queimadas, a floresta sempre mantinha uma chuvinha que a deixava úmida e não-inflamável. Agora passam dois meses sem chover. A floresta começa a ficar muito seca e o fogo entra por ela. As árvores da Amazônia, diferente do Cerrado, não têm resistência ao fogo. Um fogo bobo mata todas as árvores que têm raízes rasas, e aquela floresta está condenada. Existem árvores imensas sendo destruídas assim.
Valor: Então é um mito que a Amazônia é muito forte?
Nobre: É forte quando o regime de chuvas está perfeito, mas com fogo, correntão e motosserra fica difícil. Em Tocantins, está dando 40 graus. No Pará e no Norte do Mato Grosso, registramos temperaturas muito altas. Cuiabá é quentíssima. Já está em curso um processo que a gente não sabe se é sem volta e temos que acabar com a hipocrisia que acende esse debate. Não é para parar com o desmate em 2015. Era para parar ontem, zero, nenhuma árvore mais derrubada. Temos que replantar a floresta.
Valor: O sr. faz uma espécie de militância científica?
Nobre: Foi o efeito da floresta no meu espírito. Eu me senti muito frustrado com tudo o que vivenciei na Amazônia. Tive uma fase de militância ambientalista, depois vi que temos que ter pé no chão e não falar só "não pode". Mas, se destruirmos as florestas, vamos estourar o nosso sistema climático. A condição do sistema terrestre hoje é a de já estarmos na UTI com falência múltipla de órgãos. Isso é o aquecimento global. A queima de combustíveis fósseis tem papel importante, mas a destruição dos órgãos de manutenção do clima, florestas e oceanos é o principal fator para o descontrole global. Não adianta todos os carros virarem elétricos se continuarmos a desmatar.
Valor: Quem conhece as coisas da Amazônia?
Nobre: Os povos nativos, intuitivamente. Mas são desrespeitados, não são valorizados. Temos que considerá-los um dia, se quisermos ser uma grande nação. E existe o conhecimento científico disperso em uma enorme variedade de disciplinas. Eu sou um garimpeiro de pérolas, em diferentes áreas. É isso que faço, ligo uma coisa à outra.
Valor: O senhor é otimista sobre a nossa mudança de consciência?
Nobre: Não consigo ver a mudança sem passarmos, infelizmente, por uma catástrofe. Aqui, o crescimento sem controle do agronegócio está danificando o funcionamento hidrológico da América do Sul. Enquanto lá fora se fala em serviços ambientais, aqui é só agronegócio, aço, minério, assuntos do século XX. A gente só chega depois, temos mentalidade de colônia até hoje. Mas o mundo vai depender cada vez mais dos nossos serviços ambientais. O Brasil não é só grãos.