Texto excelente, só faltou dizer que o planeta é finito e que para qualquer meta, por mais honrosa que seja, como a erradicação da pobreza, se anula inevitavelmente se não reconhecermos isso. Mesmo assim, Oded Grajel faz um ponto certeiro no seu texto abaixo, pois a questão social está ainda muito antes disso na mente das pessoas, como ele brilhantemente mostrou pelas prioridades dos políticos e pelas manobras de campanha.
Aqui no Brasil os exemplos são abundantes. No que diz respeito a financiamento privado das campanhas, temos a situação aterradora de empresas estatais de saneamento básico promovendo serviços que não são feitos para outras empresas públicas, como presídios, a um custo altíssimo claro com uma poluição incansável de esgoto lançado por minuto em rios e riachos que abastecem cidadãos brasileiros, apenas para fazer caixa de campanha (ou outras coisitas tais que nossos políticos inconscientes praticam sem medo...). Ah, detalhe: isso não está acontecendo em Moruns, onde não há presença do Estado nos conchinchins da Amazônia, mas na Grande São Paulo, cidade mais rica do Brasil!!!!!
Hugo
Folha de São Paulo – 12/10/2008
US$ 700 bilhões contra a pobreza
ODED GRAJEW
Que "caia a ficha": não há ausência de idéias ou de recursos para acabar com as mazelas sociais. O que falta é vontade política
O GOVERNO norte-americano solicitou e obteve, em regime de urgência, autorização do Congresso para usar US$ 700 bilhões a fim de salvar o sistema financeiro.
Essa montanha de dinheiro estava disponível, da mesma forma como está disponível o montante de dólares -aproximadamente US$ 1 trilhão- investido anualmente pelos países em armas e operações militares.
Ao mesmo tempo, dois bilhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza no mundo. A ONU estima que aproximadamente US$ 150 bilhões anuais seriam necessários para atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Estabelecidos em 2000, prevêem para 2015 acabar com a fome e reduzir drasticamente a pobreza, as mazelas sociais e a degradação ambiental. Nem a metade dos recursos necessários foi até agora arrecadada. Conseqüentemente, prevê-se que as metas não serão atingidas.
Para todos os que se preocupam com as questões sociais e ambientais, é fundamental que "caia a ficha". Não há carência de idéias nem ausência de recursos para acabar com as mazelas sociais e proporcionar uma vida digna a todos os habitantes do planeta e assegurar o desenvolvimento sustentável às futuras gerações. O problema é a falta de vontade política da maioria dos governantes.
Tenho confirmado em inúmeras ocasiões essa constatação. A título de ilustração, posso citar dois acontecimentos que presenciei.
O primeiro deles ocorreu em 2005 por ocasião da Assembléia Geral da ONU. Cento e vinte chefes de Estado e representantes governamentais se reuniram para avaliar o andamento dos ODM, bem abaixo da expectativa.
Todos os governantes que falaram foram surpreendentemente francos, fizeram uma autocrítica e reconheceram unanimemente que o problema não é falta de recursos nem de idéias, mas apenas falta de vontade política.
A segunda ocasião também foi na ONU, num encontro de representantes da sociedade civil com Michel Camdessus, diretor-geral do FMI na época. De forma assustadoramente sincera, ele nos confessou que fora surpreendido alguns dias antes pelo presidente da Indonésia com uma pergunta sobre a melhor forma de combater a pobreza no seu país. Como não soube responder, porque nunca se debruçara sobre essa questão, queria os nossos conselhos.
A vontade política da maioria dos governantes (com poucas e honrosas exceções) não é exercida nos assuntos que não afetam diretamente a eles ou aos financiadores de suas campanhas.
Eles não vivem na pobreza, não passam fome nem participam pessoalmente das guerras que declaram.
No entanto, agem rapidamente para combater a crise financeira que atinge diretamente suas vidas. No Brasil -onde há uma das maiores cargas tributárias do mundo-, os serviços públicos são de tão baixa qualidade que a maioria dos governantes e financiadores de campanha não os utilizam.
Aposto que a vontade política de melhorar educação, saúde e transporte público aumentaria consideravelmente se fossem utilizados por eles e suas famílias. Por isso é tão importante uma reforma política que elimine o financiamento privado das campanhas eleitorais e estimule a participação ativa da sociedade no acompanhamento do debate e da execução dos orçamentos públicos.
Será que estamos condenados a agir apenas após as grandes catástrofes, que, pela sua dimensão, acabam atingindo a todos? Nunca, em toda a história da humanidade, foi tão necessário agir preventivamente.
Aumenta a cada dia a distância entre ricos e pobres. Estamos esgotando rapidamente os recursos naturais. A humanidade está consumindo 50% a mais do que o planeta é capaz de repor. Estamos acabando com as florestas, envenenando rios, mares e o ar que respiramos. O aquecimento global já provoca grandes mudanças climáticas, derrete as calotas polares e eleva o nível dos oceanos.
Temos recursos e tecnologia para acabar com a fome e a pobreza, mudar a matriz energética e produzir produtos e serviços de baixo impacto ambiental. Os meios de comunicação, de informação e a indústria cultural têm poder para mudar, para melhor, comportamentos, prioridades e valores.
Será que devemos esperar novamente uma grande e, talvez, definitiva catástrofe para mobilizar todos esses recursos e só então trocar nosso insano modelo de crescimento por um outro que vise o desenvolvimento econômico, social e ambientalmente sustentável? Tomara que não. Depende de todos e de cada um de nós.
ODED GRAJEW, 64, empresário, é um dos integrantes do Movimento Nossa São Paulo e presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. É idealizador do Fórum Social Mundial e idealizador e ex-presidente da Fundação Abrinq. Foi assessor especial do presidente da República (2003).
Ao comentar por favor deixe seu a-mail.
Aqui no Brasil os exemplos são abundantes. No que diz respeito a financiamento privado das campanhas, temos a situação aterradora de empresas estatais de saneamento básico promovendo serviços que não são feitos para outras empresas públicas, como presídios, a um custo altíssimo claro com uma poluição incansável de esgoto lançado por minuto em rios e riachos que abastecem cidadãos brasileiros, apenas para fazer caixa de campanha (ou outras coisitas tais que nossos políticos inconscientes praticam sem medo...). Ah, detalhe: isso não está acontecendo em Moruns, onde não há presença do Estado nos conchinchins da Amazônia, mas na Grande São Paulo, cidade mais rica do Brasil!!!!!
Hugo
Folha de São Paulo – 12/10/2008
US$ 700 bilhões contra a pobreza
ODED GRAJEW
Que "caia a ficha": não há ausência de idéias ou de recursos para acabar com as mazelas sociais. O que falta é vontade política
O GOVERNO norte-americano solicitou e obteve, em regime de urgência, autorização do Congresso para usar US$ 700 bilhões a fim de salvar o sistema financeiro.
Essa montanha de dinheiro estava disponível, da mesma forma como está disponível o montante de dólares -aproximadamente US$ 1 trilhão- investido anualmente pelos países em armas e operações militares.
Ao mesmo tempo, dois bilhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza no mundo. A ONU estima que aproximadamente US$ 150 bilhões anuais seriam necessários para atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Estabelecidos em 2000, prevêem para 2015 acabar com a fome e reduzir drasticamente a pobreza, as mazelas sociais e a degradação ambiental. Nem a metade dos recursos necessários foi até agora arrecadada. Conseqüentemente, prevê-se que as metas não serão atingidas.
Para todos os que se preocupam com as questões sociais e ambientais, é fundamental que "caia a ficha". Não há carência de idéias nem ausência de recursos para acabar com as mazelas sociais e proporcionar uma vida digna a todos os habitantes do planeta e assegurar o desenvolvimento sustentável às futuras gerações. O problema é a falta de vontade política da maioria dos governantes.
Tenho confirmado em inúmeras ocasiões essa constatação. A título de ilustração, posso citar dois acontecimentos que presenciei.
O primeiro deles ocorreu em 2005 por ocasião da Assembléia Geral da ONU. Cento e vinte chefes de Estado e representantes governamentais se reuniram para avaliar o andamento dos ODM, bem abaixo da expectativa.
Todos os governantes que falaram foram surpreendentemente francos, fizeram uma autocrítica e reconheceram unanimemente que o problema não é falta de recursos nem de idéias, mas apenas falta de vontade política.
A segunda ocasião também foi na ONU, num encontro de representantes da sociedade civil com Michel Camdessus, diretor-geral do FMI na época. De forma assustadoramente sincera, ele nos confessou que fora surpreendido alguns dias antes pelo presidente da Indonésia com uma pergunta sobre a melhor forma de combater a pobreza no seu país. Como não soube responder, porque nunca se debruçara sobre essa questão, queria os nossos conselhos.
A vontade política da maioria dos governantes (com poucas e honrosas exceções) não é exercida nos assuntos que não afetam diretamente a eles ou aos financiadores de suas campanhas.
Eles não vivem na pobreza, não passam fome nem participam pessoalmente das guerras que declaram.
No entanto, agem rapidamente para combater a crise financeira que atinge diretamente suas vidas. No Brasil -onde há uma das maiores cargas tributárias do mundo-, os serviços públicos são de tão baixa qualidade que a maioria dos governantes e financiadores de campanha não os utilizam.
Aposto que a vontade política de melhorar educação, saúde e transporte público aumentaria consideravelmente se fossem utilizados por eles e suas famílias. Por isso é tão importante uma reforma política que elimine o financiamento privado das campanhas eleitorais e estimule a participação ativa da sociedade no acompanhamento do debate e da execução dos orçamentos públicos.
Será que estamos condenados a agir apenas após as grandes catástrofes, que, pela sua dimensão, acabam atingindo a todos? Nunca, em toda a história da humanidade, foi tão necessário agir preventivamente.
Aumenta a cada dia a distância entre ricos e pobres. Estamos esgotando rapidamente os recursos naturais. A humanidade está consumindo 50% a mais do que o planeta é capaz de repor. Estamos acabando com as florestas, envenenando rios, mares e o ar que respiramos. O aquecimento global já provoca grandes mudanças climáticas, derrete as calotas polares e eleva o nível dos oceanos.
Temos recursos e tecnologia para acabar com a fome e a pobreza, mudar a matriz energética e produzir produtos e serviços de baixo impacto ambiental. Os meios de comunicação, de informação e a indústria cultural têm poder para mudar, para melhor, comportamentos, prioridades e valores.
Será que devemos esperar novamente uma grande e, talvez, definitiva catástrofe para mobilizar todos esses recursos e só então trocar nosso insano modelo de crescimento por um outro que vise o desenvolvimento econômico, social e ambientalmente sustentável? Tomara que não. Depende de todos e de cada um de nós.
ODED GRAJEW, 64, empresário, é um dos integrantes do Movimento Nossa São Paulo e presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. É idealizador do Fórum Social Mundial e idealizador e ex-presidente da Fundação Abrinq. Foi assessor especial do presidente da República (2003).
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