A leitura (ou releitura) de Nicholas Georgescu-Roegen é indispensável para entender o conflito do sistema econômico linear (extrai-produz-descarta), degenerativo (retira materiais da crosta que a natureza não vê há milhões ou bilhões de anos e ainda cria compostos químicos sem defesa da natureza) e infinito (submetido a um crescimento exponencial de coisas e pessoas). Esse sistema é totalmente dependente da natureza ou o planeta que tem características opostas: circular (não joga nada no lixo), regenerativo (reaproveita tudo) e finito (extremamente óbvio em território, menos óbvio em matéria e energia e mais finito ainda em termos de equilíbrios ecológicos). A humanidade acredita piamente no mito do jogar fora, na infinitude planetária e no seu papel dominante. Não tem como criar um conflito maior que esse. E detalhe: não fazemos nem cócegas para a vida astronômica do planeta de bilhões de anos, somos nós nesse singular instante do tempo, que não representa nada, que estamos ameaçados, e não o planeta.
A questão da finitude planetária é difícil de ser reconhecida, nas minhas palestras tenho ouvido os seguintes ditames: a energia solar que abunda a terra é milhões de vezes maior que a que precisamos. Certo: mas ela é tão pulverizada que ainda não conseguimos resolver o problema de usar toda essa energia. Mesmo que conseguíssemos, não temos problema só de energia, mas de matéria, solo e água não deixarão de ser finitos, caso consigamos uma fonte inesgotável de energia. Mas o mais surpreendente é focar na produção de energia e não na eficiência e isso, no caso brasileiro (e mundial) é emblemático: se há falta de energia, é porque falta produção de energia e não porque há desperdício (nos EUA 10% da energia consumida é para manter as luzes vermelhas dos aparelhos em "standby"), não é porque há excesso de demanda. No Brasil, de acordo com vários institutos, a adoção de consumo eficiente de energia e a atualização tecnológica das linhas de transmissão e das turbinas aumentaria a oferta em 90% ou 14 anos de crescimento de 4,5% da economia (embora devemos questionar a necessidade da economia crescer eternamente, a quem realmente interessa esse crescimento e qual é o contrato social desse projeto, uma vez que os dados recentes mostram nos países ricos uma degeneração social passo a passo com impostos mais regressivos e com concentração de riqueza e perda de bem estar geral). O caso da fome também é sui generis: se há fome no mundo, não é porque há desperdício (jogamos um quarto da comida no lixo), ineficiência (mais alimentos para quem menos precisa, até os transgênicos vão nessa direção, inacessíveis para os povos que menos têm comida) ou excesso de gente, mas é porque falta produção de alimentos. A Terra é vista como um jardim do Éden no qual ganhos de produtividade e tecnologia serão sempre a salvação a ponto de conseguirmos produzir do nada!
Os ecossistemas não estão aí para serem transformados em terras agrícolas, eles têm uma função de estabilização climática e de equilíbrio químico do solo e da atmosfera. Essa visão dominadora da natureza em voga mostra desconhecimento das descobertas científicas dos últimos 100 anos e requer dos economistas uma visão multidisplinar urgente. Toda vez que qualquer civilização avançou demais sobre os ecossistemas terminou em colapso. O mais assustador é saber que a cada dia amanhecemos com menos natureza, florestas, biodiversidade, áreas úmidas, corais, etc. A cada 4 ou 15 segundos se destrói um campo de futebol da Amazônia, dependendo do crescimento econômico; os EUA e a EUROPA destruíram quase 100% das suas florestas naturais de acordo com World Resources Institute, a cada minuto se destrói 42 campos de futebol em florestas: é uma destruição incansável, contínua e não vai terminar nunca enquanto não mudarmos o paradigma econômico que prevê custo zero para o dano ambiental e que permite a maximização do valor econômico através da depredação da capacidade ecológica do planeta e das gerações futuras. Em 1995 os EUA tentou aprovar uma lei para preservar os 5% de florestas nativas remanescentes e não só não conseguiu como o governo Bush aprovou nos anos seguintes atividades madeireiras nessa região. Para ele - como para todos os economistas - uma árvore só tem valor quando derrubada ao chão. Agora planejamos avançar sobre o pré-Sal, Ártico, Alaska, etc. Quando vamos entender que queima de combustível fóssil é um dos problemas e não a solução para prosperidade?
Em relação ao valor da natureza e a tentativa de precificação sou bastante cético e acho que merece muito mais aprofundamento. A natureza tem um valor intrínseco, que nunca vai entrar no mercado. Podemos dizer: Amazônia vale dois trilhões de dólares e daí, quem vai dar esse dinheiro aos brasileiros? O buraco é mais embaixo. Enquanto os economistas mantiverem os axiomas e princípios de conservação da mecânica clássica nos processos econômicos eles vão continuar trabalhando com o absurdo de ter um sistema econômico que é um bicho sem boca nem estômago (de onde vem os recursos tangíveis e intangíveis pouco importa), sem intestino e reto (para onde vão os resíduos pouco importa) e só tem sistema circulatório. Esse bicho não tem contato nenhum com o meio ambiente, poderia estar em qualquer planeta, flutuando no limbo talvez. Esse absurdo faz os economistas afirmarem aos quatro ventos a reversibilidade do processo econômico juntamente com a sua neutralidade, é como se dissessem aos governos todos: podem passar um trator na Amazônia, basta dar marcha-ré que nada aconteceu. Será? 95% dos recursos hídricos da região sudeste dependem da Amazônia, sem falar em outras vinculações planetárias. Tirem a água da Amazônia que está lá à toa, como disse Mangabeira Unger, e aí vamos correr atrás desse prejuízo talvez no Valhala, todos nós, discutindo imaterialmente aquilo que deixamos de fazer corretamente.
Enquanto não abandonarmos a necessidade de crescer sempre e os falsos objetivos da nossa mania de crescimento, com péssimas mensurações, como PIB e taxa de desemprego, estaremos caminhando na direção do colapso via conflito do nosso sistema dependente do planeta. Esse colapso já está em curso e é irreversível por conta de vários atrasos ecológicos e agora nossa única opção é o que fazer para mitigá-lo e como se adaptar. Qualquer discussão que não reconheça o tamanho desse erro faz lembrar a frase de Einstein: aquilo que fez parte do problema, não pode fazer parte da solução. Ou outra: o maior sintoma de loucura dos tempos atuais é querer fazer sempre as mesmas coisas, esperando resultados diferentes. Para reconhecer isso precisamos interferir com a nossa ganância infinita e isso faz lembrar também Aristóteles: quando nossos interesses estão em foco, somos os piores juízes das nossas ações. E faz lembrar Sócrates: o poder foi feito para servir e não para se servir dele. É uma questão de valores e é desses valores que brota todo o resto: os preços, os mercados e as propostas.
Roegen ajuda muito na questão de valores e dos erros da teoria econômica falsa atual. Essa discussão é muito antiga e foi teimosamente ignorada, embora tenha antecipado claramente o que iria acontecer com o planeta, constatação trazida à tona depois pelos cientistas planetários. Causamos não só o aquecimento global, mas também e mais assustador, a maior extinção da vida na Terra dos últimos 65 milhões de anos e é muita ingenuidade, dizem os paleontólogos, achar que essa extinção jamais irá se voltar contra os causadores. Em relação a isso, o planeta é muito generoso conosco, porque antes da sua resiliência ele mantém tudo aparentemente normal, até a ruptura que, por sinal, por estarmos em "feedback" positivo planetário, é algo que pode acontecer descontroladamente e a qualquer momento a partir de hoje. Não sabemos, dizem os cientistas, posto que na nossa estrada a única certeza é que há um precipício, mas não temos visibilidade e não sabemos onde o precipício está e qual a sua altura. Não há dúvida que o carro está sem freios e na direção do precipício por isso, a discussão sobre as consequências do que a humanidade fez na Terra é desonestidade científica, uma vez que sobre as causas não pode haver dúvida alguma.
A questão da finitude planetária é difícil de ser reconhecida, nas minhas palestras tenho ouvido os seguintes ditames: a energia solar que abunda a terra é milhões de vezes maior que a que precisamos. Certo: mas ela é tão pulverizada que ainda não conseguimos resolver o problema de usar toda essa energia. Mesmo que conseguíssemos, não temos problema só de energia, mas de matéria, solo e água não deixarão de ser finitos, caso consigamos uma fonte inesgotável de energia. Mas o mais surpreendente é focar na produção de energia e não na eficiência e isso, no caso brasileiro (e mundial) é emblemático: se há falta de energia, é porque falta produção de energia e não porque há desperdício (nos EUA 10% da energia consumida é para manter as luzes vermelhas dos aparelhos em "standby"), não é porque há excesso de demanda. No Brasil, de acordo com vários institutos, a adoção de consumo eficiente de energia e a atualização tecnológica das linhas de transmissão e das turbinas aumentaria a oferta em 90% ou 14 anos de crescimento de 4,5% da economia (embora devemos questionar a necessidade da economia crescer eternamente, a quem realmente interessa esse crescimento e qual é o contrato social desse projeto, uma vez que os dados recentes mostram nos países ricos uma degeneração social passo a passo com impostos mais regressivos e com concentração de riqueza e perda de bem estar geral). O caso da fome também é sui generis: se há fome no mundo, não é porque há desperdício (jogamos um quarto da comida no lixo), ineficiência (mais alimentos para quem menos precisa, até os transgênicos vão nessa direção, inacessíveis para os povos que menos têm comida) ou excesso de gente, mas é porque falta produção de alimentos. A Terra é vista como um jardim do Éden no qual ganhos de produtividade e tecnologia serão sempre a salvação a ponto de conseguirmos produzir do nada!
Os ecossistemas não estão aí para serem transformados em terras agrícolas, eles têm uma função de estabilização climática e de equilíbrio químico do solo e da atmosfera. Essa visão dominadora da natureza em voga mostra desconhecimento das descobertas científicas dos últimos 100 anos e requer dos economistas uma visão multidisplinar urgente. Toda vez que qualquer civilização avançou demais sobre os ecossistemas terminou em colapso. O mais assustador é saber que a cada dia amanhecemos com menos natureza, florestas, biodiversidade, áreas úmidas, corais, etc. A cada 4 ou 15 segundos se destrói um campo de futebol da Amazônia, dependendo do crescimento econômico; os EUA e a EUROPA destruíram quase 100% das suas florestas naturais de acordo com World Resources Institute, a cada minuto se destrói 42 campos de futebol em florestas: é uma destruição incansável, contínua e não vai terminar nunca enquanto não mudarmos o paradigma econômico que prevê custo zero para o dano ambiental e que permite a maximização do valor econômico através da depredação da capacidade ecológica do planeta e das gerações futuras. Em 1995 os EUA tentou aprovar uma lei para preservar os 5% de florestas nativas remanescentes e não só não conseguiu como o governo Bush aprovou nos anos seguintes atividades madeireiras nessa região. Para ele - como para todos os economistas - uma árvore só tem valor quando derrubada ao chão. Agora planejamos avançar sobre o pré-Sal, Ártico, Alaska, etc. Quando vamos entender que queima de combustível fóssil é um dos problemas e não a solução para prosperidade?
Em relação ao valor da natureza e a tentativa de precificação sou bastante cético e acho que merece muito mais aprofundamento. A natureza tem um valor intrínseco, que nunca vai entrar no mercado. Podemos dizer: Amazônia vale dois trilhões de dólares e daí, quem vai dar esse dinheiro aos brasileiros? O buraco é mais embaixo. Enquanto os economistas mantiverem os axiomas e princípios de conservação da mecânica clássica nos processos econômicos eles vão continuar trabalhando com o absurdo de ter um sistema econômico que é um bicho sem boca nem estômago (de onde vem os recursos tangíveis e intangíveis pouco importa), sem intestino e reto (para onde vão os resíduos pouco importa) e só tem sistema circulatório. Esse bicho não tem contato nenhum com o meio ambiente, poderia estar em qualquer planeta, flutuando no limbo talvez. Esse absurdo faz os economistas afirmarem aos quatro ventos a reversibilidade do processo econômico juntamente com a sua neutralidade, é como se dissessem aos governos todos: podem passar um trator na Amazônia, basta dar marcha-ré que nada aconteceu. Será? 95% dos recursos hídricos da região sudeste dependem da Amazônia, sem falar em outras vinculações planetárias. Tirem a água da Amazônia que está lá à toa, como disse Mangabeira Unger, e aí vamos correr atrás desse prejuízo talvez no Valhala, todos nós, discutindo imaterialmente aquilo que deixamos de fazer corretamente.
Enquanto não abandonarmos a necessidade de crescer sempre e os falsos objetivos da nossa mania de crescimento, com péssimas mensurações, como PIB e taxa de desemprego, estaremos caminhando na direção do colapso via conflito do nosso sistema dependente do planeta. Esse colapso já está em curso e é irreversível por conta de vários atrasos ecológicos e agora nossa única opção é o que fazer para mitigá-lo e como se adaptar. Qualquer discussão que não reconheça o tamanho desse erro faz lembrar a frase de Einstein: aquilo que fez parte do problema, não pode fazer parte da solução. Ou outra: o maior sintoma de loucura dos tempos atuais é querer fazer sempre as mesmas coisas, esperando resultados diferentes. Para reconhecer isso precisamos interferir com a nossa ganância infinita e isso faz lembrar também Aristóteles: quando nossos interesses estão em foco, somos os piores juízes das nossas ações. E faz lembrar Sócrates: o poder foi feito para servir e não para se servir dele. É uma questão de valores e é desses valores que brota todo o resto: os preços, os mercados e as propostas.
Roegen ajuda muito na questão de valores e dos erros da teoria econômica falsa atual. Essa discussão é muito antiga e foi teimosamente ignorada, embora tenha antecipado claramente o que iria acontecer com o planeta, constatação trazida à tona depois pelos cientistas planetários. Causamos não só o aquecimento global, mas também e mais assustador, a maior extinção da vida na Terra dos últimos 65 milhões de anos e é muita ingenuidade, dizem os paleontólogos, achar que essa extinção jamais irá se voltar contra os causadores. Em relação a isso, o planeta é muito generoso conosco, porque antes da sua resiliência ele mantém tudo aparentemente normal, até a ruptura que, por sinal, por estarmos em "feedback" positivo planetário, é algo que pode acontecer descontroladamente e a qualquer momento a partir de hoje. Não sabemos, dizem os cientistas, posto que na nossa estrada a única certeza é que há um precipício, mas não temos visibilidade e não sabemos onde o precipício está e qual a sua altura. Não há dúvida que o carro está sem freios e na direção do precipício por isso, a discussão sobre as consequências do que a humanidade fez na Terra é desonestidade científica, uma vez que sobre as causas não pode haver dúvida alguma.
Para quem detém um mínimo de bom senso e de conhecimento de como essa planeta surgiu e o que ele significa para todas as formas de vida na Terra é hora de atacar as causas e estancar fontes crescentes de demanda, mudar o sistema de consumo e produção, focar na eficiência e finalmente, abandonar a idéia que mais riqueza produz bem estar para seres humanos com necessidades ilimitadas, ao invés de concentração de riqueza e de poder na mão de pessoas cada vez mais mal intencionadas em relação ao futuro da humanidade na Terra.
Não tenho esperança nenhuma que iremos conseguir sair dessa confusão ou tragédia econômica, ambiental, planetária, social sem um grande sofrimento. As economias não têm sustentação alguma, nem econômica, pois os ganhos do passado não são garantia nenhuma do futuro e até os empregos são tautológicos e o crescimento é um fim em si mesmo e beneficia só alguns poucos. A pior falta de sustentação das economias é a relacionada com o sistema principal - a natureza - da qual depende e essa será mais letal que qualquer nova guerra ou crise econômica.
Hugo Penteado
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Não tenho esperança nenhuma que iremos conseguir sair dessa confusão ou tragédia econômica, ambiental, planetária, social sem um grande sofrimento. As economias não têm sustentação alguma, nem econômica, pois os ganhos do passado não são garantia nenhuma do futuro e até os empregos são tautológicos e o crescimento é um fim em si mesmo e beneficia só alguns poucos. A pior falta de sustentação das economias é a relacionada com o sistema principal - a natureza - da qual depende e essa será mais letal que qualquer nova guerra ou crise econômica.
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