quarta-feira, 21 de maio de 2008

Economia ecológica e a vida bacteriana

Chame um economista para conversar sobre meio ambiente e eles imediatamente dirão que isso nada tem a ver com eles. A convicção sobre isso é tão difundida, que até hoje nos livros de Macroeconomia, a importância dos recursos naturais para o crescimento é considerada irrelevante (ler a esse respeito na seção 1.8 do capítulo 1 do livro Macroeconomia de David Romer, um importante conselheiro do Ben Bernanke do FED nos Estados Unidos).

Uma das freqüentes alegações para explicar a insignificância dos recursos naturais é a sua exígua participação no custo da produção. Por representar tão pouco do custo, os recursos naturais são considerados desimportantes para o processo produtivo. A importância do recurso não está diretamente relacionada com o seu custo. Se fossem tão irrelevantes assim, precisaríamos pôr isso em prática, por exemplo, interrompendo de uma vez por todas a produção de gases do efeito estufa que causa aquecimento global, fenômeno nada irrelevante e também pôr um fim na pressão da China e dos países ricos sobre as florestas tropicais para obter recursos do solo e da água, cada vez mais escassos por uma razão óbvia: são finitos. Melhor ainda, já que recursos naturais são irrelevantes, vamos fechar os portos dos países ricos e da China para todos os recursos naturais importados, seja em que forma for, bem final ou matéria-prima bruta, pois essa seria a forma mais eficiente de provar na prática o que os economistas dizem na teoria.

Infelizmente, esse é o teor da discussão pobre que temos hoje em relação à vinculação do sistema econômico-humano com os recursos da natureza indispensáveis para a sua concretização e sustentabilidade. A resposta é sempre a mesma: “isso não tem nada a ver comigo.” A boa notícia é que já há tantos institutos e cientistas renomadíssimos dizendo o contrário. Está cada vez mais difícil sustentar essa resposta, podemos dizer que ela se tornou ridícula.

O erro dessa análise é maior, pois a discussão de recursos naturais até agora sempre esteve em cima apenas da sua tangibilidade ou do seu papel como matéria-prima bruta, quando na verdade o problema nunca esteve na Terra como fornecedor de recursos, mas sim como absorvedor do impacto das nossas atividades (não exploramos ainda nem 1% da crosta terrestre). Isso nos coloca frente a frente com o aspecto sistêmico ou a forma como a extração dessas matérias-primas dilacera os ecossistemas e seus serviços ecológicos irreproduzíveis. Isso não seria problema algum se nossa economia tivesse a escala de 100 anos atrás e nossa população fosse de apenas 1 bilhão de pessoas. Mas quando produzimos em um ano mais que em 100 anos, para atender demandas materias de sete bilhões de pessoas das quais mais da metade vive em condições materiais precaríssimas, isso não é só um problema, é um enorme desafio. Sem uma mudança de visão de mundo, esse desafio pode se transformar em colapso civilizatório.

Se o menosprezo sobre a tangibilidade dos recursos naturais já é monumental, o que dizer de outros serviços que a natureza nos presta gratuitamente? Isso sequer é considerado nem precificado ou preservado. Os serviços ecológicos foram assumidos como inesgotáveis e incapazes de sofrer alteração, são processos considerados previsíveis, reversíveis através de axiomas e princípios de conservação que abrangem todas as vertentes teóricas da economia. Essa construção teórica simplesmente não condiz com a realidade. Hoje algumas estimativas colocam o valor dos serviços ecológicos considerados gratuitos pela teoria e prática num montante igual ao do PIB mundial. São eles: o clima, a fertilização do solo, a regeneração da água, a polinização natural, a biodegradação de materiais lançados no ambiente, a biodiversidade, a produção de matéria orgânica animal e vegetal, etc. Podemos calcular quanto eles valem, mas não são necessariamente reproduzíveis por alguma atividade ou tecnologia fabricadas.

Esse descaso começa já na classificação dos bens econômicos – considerados escassos e passíveis de apropriação - e bens naturais - abundantes, mas não passíveis de apropriação. Como a teoria só se interessa pela escassez para atender as necessidades humanas ilimitadas (outro erro), os bens naturais nem sequer fazem parte do seu corpo teórico. É uma tarefa impossível tentar conciliar economia com o meio ambiente, quando as teorias dominantes partem da hipótese que o sistema econômico é independente da natureza e que a natureza é inesgotável. Sem a revisão desse erro epistemológico, conforme foi proposto pelo Nicholas Georgescu Roegen mais de 40 anos atrás, não tem como alinhar a economia com os maiores desafios que agora se impõem para a humanidade.

A crítica de Roegen (1906-1994) nunca foi refutada, simplesmente porque é irrefutável. Os bastiões da economia desde aquela época não conseguiram desmontar essa crítica, por isso resolveram ignorá-la, o que é muito incomum entre os nossos pares, pois esta é uma ciência onde se observa os maiores embates científicos ou ideológicos. Está mais do que na hora de conhecer os trabalhos de Roegen e aprofundá-los. Esse atraso de 40 anos foi uma perda irreparável para a humanidade, pois muito antes das primeiras conclusões das ciências da Terra sobre os riscos agora evidentes, Roegen antecipou que a rota de colisão do nosso sistema econômico com a natureza iria preservar uma vida humana perdulária apenas por um tempo, para depois entregarmos o planeta apenas para a vida bacteriana. Algo que a paleontologia e os climatologistas já sabem.

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