Por favor se comentar deixe um email para contato.
Roubini, como todo economista tradicional, tem uma visão parcial do sistema. Isso até o século XXI era possível, agora não mais. Existem algumas condições que fizeram os Estados Unidos substituírem a Grã-Bretanha como potência e emissor de moeda universal. A primeira delas foi se transformar no maior produtor mundial, como fez China hoje. A condição seguinte foi criar uma classe consumidora emergente que fez o país sair da sua posição dependente mundial (modelo produtor-exportador) para influenciar o resto do mundo (modelo consumidor-importador). Daí a chegar no emissor universal para financiar seus gastos é um pequeno passo. Tem uma última condição sempre olvidada: ser capaz de implementar esse modelo com externalidades ambientais crescentes, sem causar colapso planetário e sem estar próximo do limite ao crescimento, além de não incorrer em internalizações dos custos socioambientais de forma imposta ou voluntária em nenhum momento durante o processo.
Vamos analisar a situação da China. A China não tem uma classe consumidora emergente para mudar o modelo produtor-exportador para um modelo consumidor-importador. Falta essa peça. Nos Estados Unidos, as pessoas detinham condições para consumir, só não tinham vontade, mas foi fácil converter os religiosos poupadores americanos do final do século XIX em consumidores individualistas inconscientes do século XX. Bastou buscar fundamentos psicológicos para as campanhas de marketing: o que mais agrada o ser humano é a desgraça alheia, o que mais frustra é o sucesso alheio. Para vender, basta colocar pessoas felizes ao lado dos produtos. Como a aquisição material não produz felicidade, esse vício de consumir nunca é exterminado, por mais saturadas as pessoas estejam. Se precisar, consumidores doentes se endividarão até os ossos para conseguirem aquilo que outros felizes possuem e elas não. Esse é o sistema criado. Os chineses até querem virar consumidores contumazes, mas não detêm ainda condições para consumir, com péssimo arcabouço trabalhista, com falta de saúde e previdência. Enquanto a China não mudar seu modelo de exportadora para consumidora, ela não sai da posição de financiadora do resto do mundo para ser financiada, via emissão de moeda universal. Mas claro que ela vai tentar fazer isso e pode até conseguir, se apertar os botões certos, mas falta um problema final a ser resolvido. As demandas econômicas e populacionais já excedem aquelas que podem ser atendidas pelo planeta. Portanto, muito antes da China emergir como potência e emissora universal de moeda, a crise vai ser outra e bem mais séria e o colapso no consumo mundial via exaustão de ecossistemas e serviços ecológicos de sustentação da vida será hediondo.
Enfim, acreditar que a mesma mecânica do passado irá explicará o futuro, sem descobrir que análises fragmentárias como essas falham em reconhecer riscos e causalidades muito mais prementes, não servirão de norte para ninguém que esteja ciente disso. No curto prazo, vale surfar na onda, afinal, que tal usufruir um pouco mais do saque que estamos fazendo contra nossa própria espécie animal? Porque para o planeta, não fazemos nem cócegas...
Segue texto do Roubini sobre a China (grifos meus):
O todo-poderoso yuan?
Nouriel Roubini*, THE NEW YORK TIMES
O século 19 foi dominado pelo Império Britânico, o século 20, pelos Estados Unidos. Podemos agora estar testemunhando o início do século asiático, dominado pela ascensão da China e sua moeda. Apesar de o status do dólar como principal moeda das reservas internacionais não correr o risco de desaparecer da noite para o dia, não podemos mais dar como certa a sua manutenção. Mais cedo do que pensamos, o dólar pode ser desafiado por outras moedas, principalmente pelo yuan chinês. Isso teria um custo alto para os Estados Unidos, implicando o fim da nossa capacidade de financiar os déficits orçamentário e comercial a um custo baixo.
Tradicionalmente, os impérios responsáveis por cunhar a moeda das reservas internacionais são também credores internacionais líquidos. O Império Britânico entrou em declínio - e a libra perdeu o status de principal moeda das reservas internacionais - quando a Grã-Bretanha se tornou uma devedora líquida, durante a 2ª Guerra Mundial. Hoje, os Estados Unidos estão numa posição semelhante. O país está incorrendo em déficits orçamentários e comerciais e depende da boa vontade dos inquietos credores internacionais, que começam a se sentir inseguros em relação ao acúmulo de um número ainda maior de ativos em dólar. Por isso, o declínio do dólar pode ser apenas uma questão de tempo.
Mas que moeda poderia substituir o dólar? A libra britânica, o iene japonês e o franco suíço continuam sendo moedas menores nas reservas internacionais - e esses países não são grandes potências. O ouro ainda é uma relíquia bárbara, cujo valor aumenta somente quando a inflação é alta. O euro está agrilhoado à preocupação em relação à viabilidade da União Monetária Europeia no longo prazo. Isso nos deixa o yuan (ou renminbi).
A China é um país credor com grandes superávits em conta corrente, um pequeno déficit orçamentário, uma dívida pública equivalente a uma proporção do Produto Interno Bruto (PIB) muito menor que a americana e um crescimento sólido. Além disso, o país já está adotando medidas no sentido de desafiar a supremacia do dólar. Pequim pediu a criação de uma nova moeda para as reservas internacionais de acordo com o modelo dos direitos especiais de saque do Fundo Monetário Internacional ( fundo composto por dólares, euros, libras e ienes). A China logo vai querer que a sua própria moeda seja incluída nesse fundo, além de ver o yuan sendo utilizado como forma de pagamento no comércio bilateral.
Entretanto, no momento, o yuan ainda tem um longo caminho a percorrer antes de estar pronto para o status de moeda das reservas internacionais. Primeiro, a China terá de relaxar as restrições à entrada e saída de dinheiro do país, tornar sua moeda totalmente cambiável para tais transações, dar prosseguimento às reformas financeiras domésticas e aumentar a liquidez dos seus mercados de títulos. Assim, levaria muito tempo para que o yuan se tornasse uma moeda das reservas internacionais, mas isso pode, de fato, acontecer. A China já fez uma demonstração de força ao estabelecer swaps cambiais com diversos países (entre eles Argentina, Bielo-Rússia e Indonésia) e ao permitir que as instituições de Hong Kong emitam títulos denominados em yuans, o primeiro passo no sentido da criação de um profundo mercado doméstico e internacional para a sua moeda.
Se a China e outros países tomassem a iniciativa de diversificar as reservas internacionais optando por moedas diferentes do dólar - e em algum momento isso deve acontecer -, os EUA sofreriam as consequências.
Obtivemos benefícios financeiros significativos por ser o dólar a moeda das reservas internacionais. Em especial, o forte mercado do dólar permite que os americanos paguem juros baixos pelos empréstimos que contraem. Fomos, assim, capazes de financiar déficits maiores durante mais tempo e pagando taxas de juros menores, conforme a demanda estrangeira manteve baixo o rendimento dos títulos do Tesouro. Pudemos emitir títulos de dívida na nossa própria moeda, sem ter que recorrer a uma moeda estrangeira, transmitindo para os nossos credores as perdas resultantes da queda do valor do dólar. O fato de o preço das commodities ser definido em dólar também significou que uma queda no valor do dólar não levaria a um aumento no preço das importações.
CONSEQUÊNCIAS
Imagine agora um mundo no qual a China pudesse tomar e fazer empréstimos internacionais na sua própria moeda. O yuan, em vez do dólar, poderia, afinal, se tornar uma forma de pagamento no comércio e uma unidade contábil empregada no estabelecimento do preço das importações e exportações, além de ser uma fonte de riqueza para os investidores internacionais. O preço seria pago pelos americanos.
Teríamos de gastar mais para obter os artigos que importamos e as taxas de juros aumentariam tanto na dívida pública quanto na privada. O custo privado mais alto dos empréstimos poderia levar a um enfraquecimento no consumo e no investimento e a um crescimento mais lento.
O declínio do dólar pode durar mais de uma década, mas pode ocorrer antes, se não pusermos ordem nas nossas finanças domésticas. Os EUA precisam controlar os gastos e empréstimos e buscar um crescimento que não se apoie em bolhas de crédito e ativos. Durante as duas últimas décadas, o país gastou mais que a sua renda, aumentando suas obrigações estrangeiras e incorrendo em dívidas que se tornaram insustentáveis. Um sistema no qual o dólar foi a principal moeda mundial permitiu que nós prolongássemos nossos empréstimos irresponsáveis.
Agora que a posição do dólar não se mostra mais tão sólida, precisamos alterar nossas prioridades. Isso envolve o investimento na nossa decadente infraestrutura, nas fontes energéticas alternativas e renováveis e no capital humano produtivo - em vez de moradias desnecessárias e da inovação financeira tóxica. Essa será a única maneira de desacelerar o declínio do dólar e manter a nossa capacidade de influenciar as questões globais.
*Nouriel Roubini é professor de economia na Escola de Administração Stern da Universidade de Nova York e presidente de uma empresa de consultoria econômica.
Roubini, como todo economista tradicional, tem uma visão parcial do sistema. Isso até o século XXI era possível, agora não mais. Existem algumas condições que fizeram os Estados Unidos substituírem a Grã-Bretanha como potência e emissor de moeda universal. A primeira delas foi se transformar no maior produtor mundial, como fez China hoje. A condição seguinte foi criar uma classe consumidora emergente que fez o país sair da sua posição dependente mundial (modelo produtor-exportador) para influenciar o resto do mundo (modelo consumidor-importador). Daí a chegar no emissor universal para financiar seus gastos é um pequeno passo. Tem uma última condição sempre olvidada: ser capaz de implementar esse modelo com externalidades ambientais crescentes, sem causar colapso planetário e sem estar próximo do limite ao crescimento, além de não incorrer em internalizações dos custos socioambientais de forma imposta ou voluntária em nenhum momento durante o processo.
Vamos analisar a situação da China. A China não tem uma classe consumidora emergente para mudar o modelo produtor-exportador para um modelo consumidor-importador. Falta essa peça. Nos Estados Unidos, as pessoas detinham condições para consumir, só não tinham vontade, mas foi fácil converter os religiosos poupadores americanos do final do século XIX em consumidores individualistas inconscientes do século XX. Bastou buscar fundamentos psicológicos para as campanhas de marketing: o que mais agrada o ser humano é a desgraça alheia, o que mais frustra é o sucesso alheio. Para vender, basta colocar pessoas felizes ao lado dos produtos. Como a aquisição material não produz felicidade, esse vício de consumir nunca é exterminado, por mais saturadas as pessoas estejam. Se precisar, consumidores doentes se endividarão até os ossos para conseguirem aquilo que outros felizes possuem e elas não. Esse é o sistema criado. Os chineses até querem virar consumidores contumazes, mas não detêm ainda condições para consumir, com péssimo arcabouço trabalhista, com falta de saúde e previdência. Enquanto a China não mudar seu modelo de exportadora para consumidora, ela não sai da posição de financiadora do resto do mundo para ser financiada, via emissão de moeda universal. Mas claro que ela vai tentar fazer isso e pode até conseguir, se apertar os botões certos, mas falta um problema final a ser resolvido. As demandas econômicas e populacionais já excedem aquelas que podem ser atendidas pelo planeta. Portanto, muito antes da China emergir como potência e emissora universal de moeda, a crise vai ser outra e bem mais séria e o colapso no consumo mundial via exaustão de ecossistemas e serviços ecológicos de sustentação da vida será hediondo.
Enfim, acreditar que a mesma mecânica do passado irá explicará o futuro, sem descobrir que análises fragmentárias como essas falham em reconhecer riscos e causalidades muito mais prementes, não servirão de norte para ninguém que esteja ciente disso. No curto prazo, vale surfar na onda, afinal, que tal usufruir um pouco mais do saque que estamos fazendo contra nossa própria espécie animal? Porque para o planeta, não fazemos nem cócegas...
Segue texto do Roubini sobre a China (grifos meus):
O todo-poderoso yuan?
Nouriel Roubini*, THE NEW YORK TIMES
O século 19 foi dominado pelo Império Britânico, o século 20, pelos Estados Unidos. Podemos agora estar testemunhando o início do século asiático, dominado pela ascensão da China e sua moeda. Apesar de o status do dólar como principal moeda das reservas internacionais não correr o risco de desaparecer da noite para o dia, não podemos mais dar como certa a sua manutenção. Mais cedo do que pensamos, o dólar pode ser desafiado por outras moedas, principalmente pelo yuan chinês. Isso teria um custo alto para os Estados Unidos, implicando o fim da nossa capacidade de financiar os déficits orçamentário e comercial a um custo baixo.
Tradicionalmente, os impérios responsáveis por cunhar a moeda das reservas internacionais são também credores internacionais líquidos. O Império Britânico entrou em declínio - e a libra perdeu o status de principal moeda das reservas internacionais - quando a Grã-Bretanha se tornou uma devedora líquida, durante a 2ª Guerra Mundial. Hoje, os Estados Unidos estão numa posição semelhante. O país está incorrendo em déficits orçamentários e comerciais e depende da boa vontade dos inquietos credores internacionais, que começam a se sentir inseguros em relação ao acúmulo de um número ainda maior de ativos em dólar. Por isso, o declínio do dólar pode ser apenas uma questão de tempo.
Mas que moeda poderia substituir o dólar? A libra britânica, o iene japonês e o franco suíço continuam sendo moedas menores nas reservas internacionais - e esses países não são grandes potências. O ouro ainda é uma relíquia bárbara, cujo valor aumenta somente quando a inflação é alta. O euro está agrilhoado à preocupação em relação à viabilidade da União Monetária Europeia no longo prazo. Isso nos deixa o yuan (ou renminbi).
A China é um país credor com grandes superávits em conta corrente, um pequeno déficit orçamentário, uma dívida pública equivalente a uma proporção do Produto Interno Bruto (PIB) muito menor que a americana e um crescimento sólido. Além disso, o país já está adotando medidas no sentido de desafiar a supremacia do dólar. Pequim pediu a criação de uma nova moeda para as reservas internacionais de acordo com o modelo dos direitos especiais de saque do Fundo Monetário Internacional ( fundo composto por dólares, euros, libras e ienes). A China logo vai querer que a sua própria moeda seja incluída nesse fundo, além de ver o yuan sendo utilizado como forma de pagamento no comércio bilateral.
Entretanto, no momento, o yuan ainda tem um longo caminho a percorrer antes de estar pronto para o status de moeda das reservas internacionais. Primeiro, a China terá de relaxar as restrições à entrada e saída de dinheiro do país, tornar sua moeda totalmente cambiável para tais transações, dar prosseguimento às reformas financeiras domésticas e aumentar a liquidez dos seus mercados de títulos. Assim, levaria muito tempo para que o yuan se tornasse uma moeda das reservas internacionais, mas isso pode, de fato, acontecer. A China já fez uma demonstração de força ao estabelecer swaps cambiais com diversos países (entre eles Argentina, Bielo-Rússia e Indonésia) e ao permitir que as instituições de Hong Kong emitam títulos denominados em yuans, o primeiro passo no sentido da criação de um profundo mercado doméstico e internacional para a sua moeda.
Se a China e outros países tomassem a iniciativa de diversificar as reservas internacionais optando por moedas diferentes do dólar - e em algum momento isso deve acontecer -, os EUA sofreriam as consequências.
Obtivemos benefícios financeiros significativos por ser o dólar a moeda das reservas internacionais. Em especial, o forte mercado do dólar permite que os americanos paguem juros baixos pelos empréstimos que contraem. Fomos, assim, capazes de financiar déficits maiores durante mais tempo e pagando taxas de juros menores, conforme a demanda estrangeira manteve baixo o rendimento dos títulos do Tesouro. Pudemos emitir títulos de dívida na nossa própria moeda, sem ter que recorrer a uma moeda estrangeira, transmitindo para os nossos credores as perdas resultantes da queda do valor do dólar. O fato de o preço das commodities ser definido em dólar também significou que uma queda no valor do dólar não levaria a um aumento no preço das importações.
CONSEQUÊNCIAS
Imagine agora um mundo no qual a China pudesse tomar e fazer empréstimos internacionais na sua própria moeda. O yuan, em vez do dólar, poderia, afinal, se tornar uma forma de pagamento no comércio e uma unidade contábil empregada no estabelecimento do preço das importações e exportações, além de ser uma fonte de riqueza para os investidores internacionais. O preço seria pago pelos americanos.
Teríamos de gastar mais para obter os artigos que importamos e as taxas de juros aumentariam tanto na dívida pública quanto na privada. O custo privado mais alto dos empréstimos poderia levar a um enfraquecimento no consumo e no investimento e a um crescimento mais lento.
O declínio do dólar pode durar mais de uma década, mas pode ocorrer antes, se não pusermos ordem nas nossas finanças domésticas. Os EUA precisam controlar os gastos e empréstimos e buscar um crescimento que não se apoie em bolhas de crédito e ativos. Durante as duas últimas décadas, o país gastou mais que a sua renda, aumentando suas obrigações estrangeiras e incorrendo em dívidas que se tornaram insustentáveis. Um sistema no qual o dólar foi a principal moeda mundial permitiu que nós prolongássemos nossos empréstimos irresponsáveis.
Agora que a posição do dólar não se mostra mais tão sólida, precisamos alterar nossas prioridades. Isso envolve o investimento na nossa decadente infraestrutura, nas fontes energéticas alternativas e renováveis e no capital humano produtivo - em vez de moradias desnecessárias e da inovação financeira tóxica. Essa será a única maneira de desacelerar o declínio do dólar e manter a nossa capacidade de influenciar as questões globais.
*Nouriel Roubini é professor de economia na Escola de Administração Stern da Universidade de Nova York e presidente de uma empresa de consultoria econômica.
Um comentário:
as análises econômicas convencionais parecem obviamente miopes e redutivas. O cara dizer que vai sobrar pros americanos é muita polarização. Que nada, ninguém é uma ilha!
emaildobrenoarrobagmail.com
Postar um comentário