terça-feira, 5 de maio de 2009

Ambientalismo banqueiro

Por favor se comentar deixe um email para contato.

Troca de cartas eletrônicas: Ambientalismo banqueiro
(alguns nomes foram omitidos)

Carta 1


Professor,

Estive agora com o grupo do IFC para discutir investimento sustentável (sustanaible investing) e eles falaram que na crise a maior parte dos bancos dos EUA fecharam as divisões de sustentabilidade.

Ou seja: era só uma boutique, nunca esteve ligado ao centro dos negócios nem a um profundo reconhecimento do tema e da sua necessidade. Segundo eles, isso se deve à visão imediatista que ainda vigora.

Um mito: estive com uns investidores milionários de Londres aqui no Brasil e perguntei: "Quem dentre vocês acredita no aquecimento global?" A maioria levantou a mão. Aí fiz a segunda pergunta: "Quem dentre vocês mudou a forma de investir por causa do aquecimento global?" Quase ninguém levantou a mão, na verdade pude contar: foram três num grupo de 80 pessoas.

Abraço

Hugo

Carta 2

Esta notícia, de terceira mão, me parece não comprovável dai. Seria melhor indagar alguém trabalhando com o setor aqui mesmo. É óbvio que tentam reduzir custos, pessoal e overhead, mas eliminar totalmente uma linha que foi adotado como política me parece leviano demais.


Carta 3

Prezados professores,

A informação é essa, vários bancos dos EUA durante a crise fecharam as divisões de sustentabilidade, levianos ou não, foram o que aparentemente fizeram.

Falei que parece ser uma boutique, pois um dos mitos fortes da aplicação dessas políticas, é vê-las em áreas separadas, destacadas. E eu constato isso empiricamente, pois participo de vários grupos que atuam nas empresas e vejo a aplicação dessas idéias. Já fiz mais de 200 palestras de economia ecológica e sustentabilidade em empresas, bancos, universidades e aos clientes dos bancos desde 2003. Desde o ano de 2007, as críticas vem se amontoando em relação aos resultados e as conquistas nessa área. Não tenho tempo de fazer um acompanhamento, mas recebi muitos textos bem interessantes sobre isso.

Também não disse que toda a sustentabilidade é boutique, isso vale apenas para os bancos que resolveram fechar suas divisões de sustentabilidade, dando uma nítida sensação que tratavam o assunto como boutique e não como inserção ou estratégia. Achei que estava claro no meu texto que me referia a esse fato isolado. Também não foi uma reunião secreta, do contrário, não teria sido transmitida. A resposta do *******, bem lúcida, diz que se isso de fato aconteceu, é uma falta de noção de estratégia. É esse o ponto, não faz sentido por causa da crise não abraçar a sustentabilidade, deveria ser o oposto.

Se vocês conseguirem mais informações sobre esse assunto, ficaria grato se partilhassem comigo, mas é hora de buscar a verdade sobre o que realmente aconteceu nos Estados Unidos com as divisões de sustentabilidade dos bancos durante a crise. Será que elas eram vistas como custo ou como estratégia de negócios e de futuro? Se elas eram vistas como custo, faz sentido terem sido eliminadas.

Abraço

Hugo

Carta 4

Empresas de todos os setores, nos EUA, no Brasil e outros países mudaram seu enfoque quanto a "sustentabilidade", porque chegou o momento da população provocar o judiciário com ações coletivas para pressionar setor privado e o setor público a cumprir preceitos legais que estão sendo desrespeitados. Passou o período de permitir uma postura voluntária diante do meio ambiente. Para tanto o judiciário e o ministério público brasileiro, por exemplo que não possuem especialização nas áreas que atuam precisam modificar a estrutura de seus quadros para que seus quadros funcionais não padeçam do mesmo grau de superficialidade, oportunismo e falta de consistência que o tema ambiental têm sido tratado pelo setor público e privado.

A segunda resposta dada ao Hugo, um dos poucos profissionais desta que sobreviveram no Brasil com um cargo relacionado a sustentabilidade, só traduz que aqueles que os milionários de Londres assim o fazem, talvez porque não tenham a alternativa fácil de investimentos em agropecuária extensiva, petróleo e construção de hidrelétricas e estradas. Afinal, talvez lhe sobrem como oportunidades "negócios ambientais".

Contudo, se a mesma pergunta fosse direcionada a milionários brasileiros? Certamente há um inegável retrocesso quanto a investimentos e modus operandi das corporações privadas no Brasil que de forma infantil pode justificar tal atitude pelo exemplo de um setor público que comemora o Dia do Trabalho iniciando a exploração do Pré-Sal, se tornou fã de carteirinha da atividade agropecuária extensiva, elegeu o licenciamento ambiental como o vilão dos "empreendimentos e do progresso" e que dá aulas ao setor financeiro como se
financiar com a dívida alheia.

Desde 1981, com a legislação de política ambiental, o Brasil tornou-se ícone na área ambiental e não somente por sua vocação natural. Até o início da década de 90 do último século houve avanços, mas em meados da década o ritmo desacelerou e parou em 2001, de lá para cá perdeu-se totalmente o ritmo legislativo e de fiscalização. Demonstrando que somente políticas de Estado com continuidade, educação e o exercício de cidadania não colocam uma sociedade às trevas, a mercê de políticas de governo e de um setor privado que elege a imagem, em detrimento da reputação.

Talvez seja uma boa idéia que Zygmunt Bauman escreva sobre a "política ambiental líquida" para os políticos e "sustentabilidade líquida" para empresários, espero que a capacidade de "oposição e crítica" da academia e das ONGs também não seja "líquida".

Carta 5

Se isso de fato aconteceu (fechamento das divisões de sustentabilidade), sem dúvida demonstra falta de estratégia de longo prazo. Aqui no Brasil, o Citi e 6 outros bancos privados endossaram o Protoco Verde da Febraban, que vai na direção de incluir e padronizar diretrizes socioambientais mínimas para todos os bancos privados. Escrevemos sobre isso no seguinte post do nosso blog:
http://negociossustentaveis.blogspot.com/2009/04/bancos-privados-adotam-o-protocolo.html

Ainda aqui no Brasil, nesta semana, o Itaú Unibanco lançou sua nova política de governança de sustentabilidade, sobre a qual também escrevemos:
http://negociossustentaveis.blogspot.com/2009/04/itau-unibanco-reforca-estrategia-de.html

E na Europa, em meio à crise, o banco Sttandard Chartered reforçou sua estratégia de sustentabilidade, ao implantar diretrizes para lidar com as
questões socioambientais no financiamento de setores com mais alto impacto.:
http://negociossustentaveis.blogspot.com/2009/04/em-meio-crise-banco-standerd-chartered.html

Carta 6

A quem possa interessar: posso dar os nomes das pessoas do IFC para detalharem mais a informação sobre o fechamento dos departamentos de sustentabilidade nos bancos dos EUA durante a crise. Eu apenas reproduzi o que me disseram. Nosso objetivo aqui é saber o que está acontecendo do ponto de vista institucional e não pessoal. Eu não sou responsável pelos fatos que tomei conhecimento.

Em relação à criação de áreas de sustentabilidade, enquanto for anexa a recursos humanos ou marketing e totalmente separada do centro de negócios, algo está muito errado, pois a sustentabilidade abrange tudo e deveria ser base de todos os negócios da empresa. O conceito investimento sustentável (SRI, sustainable investing) supõe que se parte dos investimentos financeiros são sustentáveis, podemos imediatamente inferir que o resto é insustentável (e aceitável). Portanto, ainda buscamos agregar valor ao investidor através de investimentos não sustentáveis e para aliviar, criamos uma pequena modalidade chamada de sustentável. O conceito tem que abranger toda a linha de produtos e o evento com os milionários de Londres foi revelador quando fiz aquelas duas perguntas e ninguém pareceu preocupado em mudar a forma de investir, apesar do conhecimento disponível hoje. Cristina D´Arce estava junto nesse dia é outra testemunha ocular do ocorrido, assim como me convidou para discutir sustentabilidade em um banco onde a apresentação de sustentabilidade mostrou o centro de negócios totalmente separado da divisão da sustentabilidade. Além do fechamento das divisões de sustentabilidade, temos também problemas de conceitos nas que foram criadas que as tornam também inoperantes ou pouco eficazes.

Sei que tudo isso é uma amostra que não necessariamente representa o universo, mas vale pesquisar, pois trabalho com mercados financeiros e posso dizer com segurança que a penetração da sustentabilidade ainda é muito exígua, para não dizer nula. Os preços não refletem o desastre ambiental que vem pela frente e a decisão de investir de forma realmente sustentável é mais ética do que quantitativa. Temos um problema monumental de precificação e métrica na hora de investir, que ainda não foi resolvido e os caminhos encontrados viram espuma. Isso não é questão trivial.

A sustentabilidade também carece de uma visão macro, sistêmica, a abordagem que quase todos apóiam é estritamente micro e incompleta. Por isso, se cada empresa perseguir individualmente a sustentabilidade, não podemos esquecer que a agregação das ações de cada uma dessas empresas não necessariamente será sustentável do ponto de vista planetário, macro. Como Roegen escreveu em seus livros: muitas coisas que individualmente fazemos podem ser racionais, mas coletivamente são completamente irracionais. O resultado do todo é diferente do resultado das partes e infelizmente, ainda temos uma visão imediatista do tipo: "não abro mão do lucro, mas abro mão do planeta". A questão é como pretendemos ser sustentáveis mantendo um sistema crescendo exponencialmente, que é a economia, dentro de um sistema não crescente do qual depende, que é o planeta. Esse é um ponto surrado de análise, muitas vezes teimosamente esquecido ou escamoteado pela cornucópia tecnológica que não ataca as causas, apenas as consequências.

Voltamos ao ponto de origem: existe ainda hoje um problema mundial sério de definição de sustentabilidade. O primeiro conceito, antigo, da Comissão Bruntland, é bastante vago e abrange qualquer idéia, mas é consenso ser mais do que urgente um conceito mais preciso. Eu fiz na minha lista de grupo de emails um pedido para me mandarem o conceito de sustentabilidade que acreditam, definiram ou conheceram e recebi uma variedade enorme de idéias, absolutamente nada claras e muito vagas. Ali cabe tudo o que quisermos e mais alguma coisa. Se não soubermos exatamente qual conceito estamos seguindo não iremos avançar. Esse tipo de conhecimento econômico sistêmico precisa ter aplicação prática, não pode ser apenas um devaneio mental enquanto cada um faz o que bem entender e nossa capacidade de sobreviver junto com o resto dos seres vivos decai.

A idéia ao falar isso ao professor José Eli da Veiga foi tratar esse assunto com coragem e de forma investigativa e, acima de tudo, de forma institucional e científica, como deve ser. Afinal, qual é a real aplicação prática do conceito de sustentabilidade no mundo dos negócios, qual o conceito ou definição utilizados e qual a eficácia para reverter a total insustentabilidade que nosso sistema econômico atingiu?

Hugo Penteado

2 comentários:

ziulsorrab disse...

Hugo veja isso do professor Ladislau Dowbor em
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15977.
A luta é no inicio desigual.´E bom recapitular em 2009 o que E.F.Schumacher, em 1973.
Eu não troquei de carro! Por um mais novo, mesmo podendo pois me ajudariam jovens parentes ganham para tal.

INTELECTOEX disse...

Boa tarde Sr Hugo Penteado,

Acho muito pertinente os questionamentos deste post. Mas após a crise de 2008 ainda não vi nenhum estudo que relate qual foi o verdadeiro impacto dela nas politicas de sustentabilidade dos bancos. Você conheceria algum estudo sobre isso? Me interessa bastante o tema, pois trabalho com ele na pós-graduação.

Obrigada pelo espaço para comentar.

Melca Rabelo
msilvarabelo@yahoo.com.br

Colaboradores