VALOR 26/maio/2009
Editorial
NOVAS E MAIORES AGRESSÕES LEGAIS CONTRA O AMBIENTE
Medidas recentes tomadas pelo governo e pelo Congresso podem piorar o
verdadeira terra de ninguém, o governo editou a MP 458, que
transferirá aos atuais ocupantes a posse definitiva de glebas que
pertencem à União. A MP sofreu péssimas emendas na Câmara - elas
escancaram a possibilidade de concessão de terras a grileiros. A
bancada ruralista continua pressionando por alterações no Código
Florestal, em que o alvo é reduzir a dimensão de área de proteção de
rios, nascentes e a reserva legal na Amazônia. Por último, o governo
entrou no vácuo legal criado por uma decisão do Supremo Tribunal
Federal sobre a contribuição ambiental e tornou o que antes era um
piso, 0,5% do valor total do empreendimento (derrubado pelo STF), em
teto. As leis ambientais não são cumpridas e os infratores ignoram as
sanções, quando elas são aplicadas. Uma das funções da ofensiva legal
nesta área é a de reduzir até mesmo a fiscalização, ao jogar para
dentro da lei o que já era produto de transgressões e sinalizar para
novas concessões.
Os congressistas agem como se não percebessem que, com a discussão de
um novo acordo para conter o aquecimento global em curso, medidas
levianas e potencialmente destrutivas em relação à Amazônia podem
desmoralizar o governo nos fóruns internacionais. É com base no
interesse mais imediatista, para pressupor apenas intenções
confessáveis, que a Câmara derrubou um item que proibia pessoas que já
tinham outros imóveis no país de requerer a posse de pedaços de terra
na Amazônia ("O Estado de S. Paulo", 24 de maio). Pela emenda, poderão
fazê-lo para estabelecimentos de até 1.500 hectares. As mudanças são
coerentes com a intenção de facilitar a concentração de terra e venda
rápida de bens que pertencem à União.
Uma legislação já polêmica tornar-se-á desfigurada se as alterações
forem mantidas. Pelo que a Câmara aprovou, não será preciso morar ou
trabalhar na terra objeto de pedido de posse para que se possa
comprá-la. As terras obtidas podem ser vendidas após três anos.
Pode-se avaliar o alto interesse em seguir os preceitos ambientais de
proprietários que já tem outras propriedades, não moram no local e
ainda podem vender as terras em tão pouco tempo. E, em algo que beira
o escárnio, os deputados estabeleceram que quem buscar legalizar
posses de até 400 hectares não deverá sofrer fiscalização para se
constatar que a própria posse foi pacífica.
Não há dúvida de que a regularização fundiária tornaria a
responsabilidade pelo desmatamento identificável e permitiria aos que
vivem na Amazônia a obtenção de crédito para a exploração da terra.
Mas para isso seria necessário, antes ou simultaneamente, que uma
ampla política integrada de ocupação da floresta, alicerçada por
zoneamento ecológico, estivesse claramente delineada. Da forma como
está, a legislação abre a possibilidade de grileiros obterem crédito
legal para continuar devastando florestas. Parece irrefutável o
argumento da ex-ministra e senadora Marina Lima. Para ceder terras da
União a particulares, diz ela, "há dois requisitos constitucionais:
quando se trata de altíssima relevância social e quando cumpre com a
função social da terra". As brechas abertas passam por cima deles.
Da mesma forma, a ofensiva contra as áreas de preservação visa levar
mais longe o espírito predador que caracterizou boa parte da
agricultura brasileira. A intenção de reduzir a área de reserva legal
de 80% para 50%, sem que se exija igualmente um zoneamento, visa pura
e simplesmente aumentar o desmatamento. Por outro lado, a iniciativa
do governo de transformar 0,5% do valor das obras de piso em teto (com
exclusão de alguns itens de custo) carece de lógica. O mesmo argumento
com o qual o STF derrubou um piso serve como uma luva para invalidar a
fixação de um teto. A compensação ambiental deve ser feita caso a
caso, enquanto que o governo procurou acabar com seu próprio arbítrio
na fixação da compensação, mas parece ter ido longe demais. A ampla
aliança governista é necessária para que o presidente Lula sagre seu
sucessor. Nesta barganha política, muita coisa ruim para o ambiente
pode vir a acontecer.