Por favor se comentar deixe um email para contato.
Miriam Leitão
Um Congresso que não consegue ter um relator para o Orçamento aprova um aumento salarial de 62% para os parlamentares e de 130% para ministros e presidente da República. Este é o resumo desse final de legislatura. O Orçamento está no terceiro relator e os três enfrentam o mesmo tipo de dúvidas: emendas que beneficiam entidades às quais estão ligados seus parentes ou assessores.
Qualquer aumento de salário de parlamentar vai sempre provocar reações na opinião pública, mesmo quando forem justificáveis. Mas, no caso, o Brasil desconhece reajustes de preços em percentuais tão altos desde que derrubou a hiperinflação. Nenhum trabalhador conseguiria seu objetivo se pedisse reajuste de 60% a 130%.
Continue lendo: http://oglobo.globo.com/economia/miriam/posts/2010/12/16/em-causa-propria-349920.asp
Os deputados e senadores brasileiros têm vários outros benefícios dos quais a imprensa tem falado com frequência. Auxílios para transporte, para correspondência, verba de representação, benefícios frequentemente usufruídos de forma ilegítima. Tantas notícias sobre os desvios no uso dessas verbas, e os escândalos, foramesgarçando a confiança dos eleitores nos deputados e senadores. Aí, no final de uma legislatura tumultuada, quando não se sabe se haverá relatoria para o Orçamento, os deputados aprovam um decreto legislativo legislando em causa própria, dos ministros, da próxima presidente e, indiretamente, para deputados estaduais do país todo. No mesmo dia, numa agilidade desconhecida em outras matérias, o Senado também aprova o projeto. Fazem neste 15 de dezembro por truque, e não por falta de tempo. Logo virá o recesso e, no ano que vem, assumirá novo Congresso.
Esse, que está velho, ficará com o desgaste. A aposta geral é que a reclamação não virá porque será esquecida nas festas de fim de ano.
Melhor é que o Congresso tivesse argumentos para defender o reajuste dos seus salários no início da Legislatura. Pior é a maneira como se faz: a 15 dias do fim do ano, vota-se que o tema é ´urgente` e, em seguida, aprova-se o mérito em votações simbólicas, porque assim não se sabe quem votou ou deixou de votar. A tese para justificar o aumento também não faz sentido algum: a de que é para que todos tenham ´isonomia` em relação aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Eles, por sua vez, estão com novos pedidos de aumentos para o Judiciário também na casa dos 50%, num país em que 5% é inflação alta. O risco de um reajuste com esse motivo é de novo consagrar aquela corrida do passado. Na hiperinflação, os funcionários do Banco do Brasil pediam aumento alegando que era para ter isonomia com os funcionários do Banco Central. Aí os funcionários do Banco Central conseguiam outro aumento e começava de novo a rodada.
O Orçamento chegou ao Congresso inchado e com receitas superestimadas, o Congresso está elevando ainda mais os gastos, criando novas receitas fictícias para cobrir emendas de parlamentares. O presidente Lula avisou que o governo terá que cortar despesas. Em parte por culpa do presidente que deixa o cargo em duas semanas, que permitiu uma gastança espantosa neste último ano em que pagou qualquer preço - com o dinheiro dos contribuintes - para garantir a eleição da sua candidata. O novo governo tomará posse com um orçamento de faz de conta, isso se houver tempo de aprovação da peça orçamentária.
O Congresso passou o ano inteiro com mais sessões suspensas do que realizadas, por causa da campanha, e ontem aprovou com uma rapidez impressionante um aumento salarial para si mesmo. Fatos assim estão minando a relação com os representados. Ao contrário do que os políticos gostam de dizer, esse desgaste não é causado pela ausência de uma reforma política e sim pelo mau comportamento dos parlamentares. Que tivessem a coragem de explicar e justificar o reajuste, que votassem no tempo regulamentar, que convencessem a sociedade da necessidade do aumento e que cada congressista votasse com seu rosto e nome. O inaceitável é que os políticos tomem uma decisão polêmica em votação simbólica, em regime de urgência, na penúltima semana da Legislatura. Votam como se estivessem prontos para, em seguida, fugir do flagrante.
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
A estratégia de não crescimento ainda não consegue vencer a ideia de crescimento
Por favor se comentar deixe um email para contato.
A estratégia de não crescimento ventilada por várias teorias, como a de Peter Victor, ainda está incompleta e difícil de vencer a hegemonia da idéia de crescimento
Seus principais articuladores não se dão conta disso...
Comentários sobre o texto do Peter Victor:
1)Defender a extinção do crescimento “apenas” para os países desenvolvidos não vai funcionar se o tal crescimento às custas do meio ambiente continuar nos países em desenvolvimento, onde estão as maiores fileiras populacionais. Risco de colapso civilizatório seguirá inalterado se o modelo de crescimento não for revisto universalmente.
2) A estabilização populacional na Europa é falsa, porque o suprimento está vindo do fluxo migratório da África e do Oriente Médio. Adicionalmente, os governos estão desesperados e introduziram todos os meios possíveis (financeiros inclusive) para fazer os casais europeus terem mais filhos. A estabilização populacional, pelo menos na Europa, é aterradora para esses governos. Na China idem, a política de filho único está para ser abolida.
3) Para entender o dilema populacional e de não crescimento, basta pegar a adoção generalizada do sistema de repartição simples na previdência. Esse sistema foi concebido com a idéia estapafúrdia que as populações (e as economias) iriam crescer para sempre (idéia esta abraçada inclusive por Malthus, prova que o problema é antigo). O sistema correto deveria ser o de capitalização (cada um responsável pelo seu ciclo de vida). No Brasil, há estudos que mostram (André Lara Resente) que a simples transferência do sistema de repartição simples para um de capitalização, levando em conta o ônus do sistema antigo, custaria aos cofres 1 trilhão de reais (ao perder a coleta das contribuições que são distribuídas entre ativos e inativos ao longo das gerações).
4) Zero crescimento populacional ou zero crescimento econômico não é desejável, porque com isso o sistema deixa de ser financeiramente saudável e essa é a razão das políticas estarem totalmente voltadas apenas nessa direção.
5) Não pode haver a menor dúvida que um cenário de não crescimento irá gerar falência do sistema econômico, a dúvida maior é como manter a saúde financeira do sistema sem o crescimento econômico e populacional. A proposta de não crescimento é portanto incompleta, enquanto não fornecer uma saída para abandonar o crescimento sem colocar em falência os sistemas bancário, financeiro, tributário, fiscal, de saúde e de previdência, todos eles com sua vida útil diretamente atrelada enquanto houver crescimento. Essa é uma boa razão para as propostas de abandono do crescimento caírem no vazio, as pessoas não se sensibilizam com o fato do crescimento gerar o fim da vida na Terra nem de gerar infelicidade, mas se sensibilizam muito com o risco de falência sistêmica de todos os sistemas de sustentação da economia na sua ausência.
6) Não são os governos que se sensibilizam com a falta de crescimento, eles não passam de fantoches nas mãos da superclass. Um cenário de não crescimento não só irá gerar falência, mas também menor geração de riqueza nas mãos de poucos. Sem geração de riqueza e crescimento, a pressão em cima dos governos será gigante e exercida pela superclass, 6000 pessoas que comandam o planeta, são completamente insensíveis às questões socioambientais. É a superclass, que virou multibilionária e provavelmente que se tornar trilionária, que impede tal mudança ou redirecionamento.
A estratégia de não crescimento ventilada por várias teorias, como a de Peter Victor, ainda está incompleta e difícil de vencer a hegemonia da idéia de crescimento
Seus principais articuladores não se dão conta disso...
Comentários sobre o texto do Peter Victor:
1)Defender a extinção do crescimento “apenas” para os países desenvolvidos não vai funcionar se o tal crescimento às custas do meio ambiente continuar nos países em desenvolvimento, onde estão as maiores fileiras populacionais. Risco de colapso civilizatório seguirá inalterado se o modelo de crescimento não for revisto universalmente.
2) A estabilização populacional na Europa é falsa, porque o suprimento está vindo do fluxo migratório da África e do Oriente Médio. Adicionalmente, os governos estão desesperados e introduziram todos os meios possíveis (financeiros inclusive) para fazer os casais europeus terem mais filhos. A estabilização populacional, pelo menos na Europa, é aterradora para esses governos. Na China idem, a política de filho único está para ser abolida.
3) Para entender o dilema populacional e de não crescimento, basta pegar a adoção generalizada do sistema de repartição simples na previdência. Esse sistema foi concebido com a idéia estapafúrdia que as populações (e as economias) iriam crescer para sempre (idéia esta abraçada inclusive por Malthus, prova que o problema é antigo). O sistema correto deveria ser o de capitalização (cada um responsável pelo seu ciclo de vida). No Brasil, há estudos que mostram (André Lara Resente) que a simples transferência do sistema de repartição simples para um de capitalização, levando em conta o ônus do sistema antigo, custaria aos cofres 1 trilhão de reais (ao perder a coleta das contribuições que são distribuídas entre ativos e inativos ao longo das gerações).
4) Zero crescimento populacional ou zero crescimento econômico não é desejável, porque com isso o sistema deixa de ser financeiramente saudável e essa é a razão das políticas estarem totalmente voltadas apenas nessa direção.
5) Não pode haver a menor dúvida que um cenário de não crescimento irá gerar falência do sistema econômico, a dúvida maior é como manter a saúde financeira do sistema sem o crescimento econômico e populacional. A proposta de não crescimento é portanto incompleta, enquanto não fornecer uma saída para abandonar o crescimento sem colocar em falência os sistemas bancário, financeiro, tributário, fiscal, de saúde e de previdência, todos eles com sua vida útil diretamente atrelada enquanto houver crescimento. Essa é uma boa razão para as propostas de abandono do crescimento caírem no vazio, as pessoas não se sensibilizam com o fato do crescimento gerar o fim da vida na Terra nem de gerar infelicidade, mas se sensibilizam muito com o risco de falência sistêmica de todos os sistemas de sustentação da economia na sua ausência.
6) Não são os governos que se sensibilizam com a falta de crescimento, eles não passam de fantoches nas mãos da superclass. Um cenário de não crescimento não só irá gerar falência, mas também menor geração de riqueza nas mãos de poucos. Sem geração de riqueza e crescimento, a pressão em cima dos governos será gigante e exercida pela superclass, 6000 pessoas que comandam o planeta, são completamente insensíveis às questões socioambientais. É a superclass, que virou multibilionária e provavelmente que se tornar trilionária, que impede tal mudança ou redirecionamento.
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
Não somos únicos
Por favor se comentar deixe um email para contato.
Essa apologia do crescimento precisa ser revogada, pois um dia, falar de crescimento será considerado crime contra a humanidade. Essa idéia aniquilou tanta vida, tanto futuro, tanto bem estar, que seu efeito é pior mil vezes que a soma de todas as guerras cruéis que o nosso egoísmo gerou. O crescimento econômico em primeiro lugar baseia-se em uma teoria econômica falsa, com axiomas e princípios de conservação mecânicos de 200 anos atrás, pelos quais os economistas e sua clientela interesseira acreditam que a natureza não só é inesgotável, como também um subsistema da economia. Na verdade, concluem eles corajosamente que a economia pode ser maior que o planeta. O pior de tudo é que embora seja inegável que o crescimento econômico é impossível de se concretizar num planeta fechado e finito como a Terra, sem causar extinção de todas as formas de vida, ele segue sendo pregado aos quatro ventos, porque muitas pessoas acreditam que essa é a única forma de acabar com a miséria. Isso já foi negado por mais de duas centenas de estudos a respeito dos resultados sociais do crescimento por universidades e instituições de renome, como o NEF e a Fordham University. O crescimento econômico ao invés de resolver problemas sociais, acentua todos eles, não passa de um mecanismo poderoso de concentração de riqueza e poder e de diferenciação social em definitivo e, acima de tudo, onde quer que tenha gerado resultados sociais favoráveis, sempre ocorreram às custas de exploração de meio ambiente e mão de obra barata em lugares estrangeiros. Além disso, de forma universal, todos os benefícios sociais como empregos são apenas temporários e efêmeros, posto que o crescimento só se justifica através de mais crescimento, sendo um fim em si mesmo. O crescimento também é um grande causador da extinção cultural que tantos serviços adaptativos prestou à humanidade. A extinção cultural ocorre ao tentar impor, até agora com sucesso, um modo único de produção e consumo para todos. Ou seja, a idéia de crescimento está associada com a extinção da vida e das culturas, com um futuro sombrio para todos nós, uma vez que dessa vez esse Titanic não terá botes salva-vidas nem para a primeira classe, porque nossa civilização conseguiu a proeza de se transformar numa ilha de Páscoa global, via comércio entre as nações, onde as transferências físico-ambientais são invisíveis e permitiu às nações usurpadoras evitar seu próprio colapso local, exportando-o para o resto do mundo. Não é à toa que vivemos a maior extinção da vida dos últimos 65 milhões de anos, ignorada por todos, porque todos, quase sem exceção, ignoram que do ponto de vista da biologia somos todos um.
Hugo Penteado
Míriam Leitão - Panorama Econômico O GLOBO 14/12/2010
Não somos únicos
O crescimento da América Latina este ano mostra que o bom desempenho do Brasil não é fato isolado: a região deve crescer 6% em 2010, segundo a Cepal, depois de cair 1,8% no ano passado. O crescimento do Brasil será o quinto maior, atrás de Paraguai, Uruguai, Peru e Argentina. Assim como aqui, o desemprego caiu e a inflação subiu. As exportações foram beneficiadas pela alta dos preços das commodities.
Alguns países nem chegaram a terminar o ano de 2009 com PIB negativo, como foi o caso do Uruguai. Cresceu 2,9% em 2009 e este ano terá o segundo melhor resultado da região, com alta de 9%. Em primeiro lugar, aparece o Paraguai, com previsão de crescimento de 9,7%. Mas assim como o Brasil, que terminou o ano passado com recessão de 0,6%, parte do crescimento paraguaio deste ano é recuperação do ano passado, quando o país terminou com queda de 3,8% do PIB. Peru e Argentina são dois outros países que conseguiram terminar 2009 com crescimento, de 0,9% em ambos os casos, e este ano vão crescer mais que o Brasil:8,6%, o Peru, e 8,4%, a Argentina. A previsão da Cepal para o Brasil é de crescimento de 7,7%.
´O crescimento observado em 2010 é a consolidação da recuperação que a maior parte das economias da região experimenta desde a segunda metade de 2009, impulsionadas pelo impacto das medidas anticíclicas que vários países implementaram, complementadas pela recuperação da economia internacional`, disse a Cepal, em relatório.
A Venezuela será o único país da região a ter dois anos seguidos de recessão. Caiu 3,3% em 2009, e cairá 1,6% este ano. E isso mesmo com a valorização de 32% no preço do petróleo. A previsão para o ano que vem também é modesta: alta de 2%. O caso da Venezuela é um mistério que só a péssima administração chavista explica. Na lanterna da região está o Haiti, devastado pelo terremoto do início do ano que deixou mais de 220 mil mortos, com recessão projetada de 7%. A boa notícia é que para o ano que vem espera-se a maior taxa de crescimento da região: 9%. Já o Chile, também atingido por um terremoto,conseguirá manter um crescimento de 5,3%.
Os números mostram tendências muito parecidas entre o Brasil e o resto da América Latina e Caribe: o desemprego cairá este ano - de 8,2% para 7,6%; e a inflação subirá, em grande parte por causa dos preços dos alimentos, cotados internacionalmente, e combustíveis. A previsão da Cepal é de que os preços aos consumidores subam de 4,7% no ano passado para 6,2% este ano. As semelhanças não param por aí. Crédito, renda e mercado de trabalho têm sido o motor do crescimento do consumo interno:
´A evolução dos indicadores de mercado de trabalho, o aumento do crédito e a melhora generalizada das expectativas contribuíram para impulsionar o crescimento do consumo privado que, junto com um significativo aumento dos investimentos em máquinas e equipamentos, constitui um dos principais motores em que se assentou o crescimento da demanda.`
Se por um lado o aumento dos preços dos produtos agrícolas foi ruim para a inflação, por outro, contribuiu para melhorar a balança comercial devários países exportadores. Itens como café, cacau, trigo e soja tiveram valorização principalmente a partir do segundo semestre deste ano. A mesma coisa aconteceu com as commodities metálicas. Entre janeiro a outubro, o cobre teve aumento de 52%, o alumínio, 35%, e o ouro, 27%. Com isso, a Cepal estima um crescimento de 25% das exportações, em valor, depois de uma queda de 22% no ano passado.
Para 2011, a previsão também é de um PIB mais fraco, assim como no Brasil. De 6% para 4,2%. A desaceleração é motivada pela piora no cenário internacional - leia-se Europa -, pelo fim dos estímulos econômicos dos governos e também pelo esgotamento da ocupação da capacidade ociosa.
A região recebe a mesma advertência da Cepal que caberia perfeitamente ao Brasil: o risco de que o crescimento aprofunde muito o déficit em transações correntes. A região já se queimou no passado exatamente por manter por tempo demais o rombo externo.
Essa apologia do crescimento precisa ser revogada, pois um dia, falar de crescimento será considerado crime contra a humanidade. Essa idéia aniquilou tanta vida, tanto futuro, tanto bem estar, que seu efeito é pior mil vezes que a soma de todas as guerras cruéis que o nosso egoísmo gerou. O crescimento econômico em primeiro lugar baseia-se em uma teoria econômica falsa, com axiomas e princípios de conservação mecânicos de 200 anos atrás, pelos quais os economistas e sua clientela interesseira acreditam que a natureza não só é inesgotável, como também um subsistema da economia. Na verdade, concluem eles corajosamente que a economia pode ser maior que o planeta. O pior de tudo é que embora seja inegável que o crescimento econômico é impossível de se concretizar num planeta fechado e finito como a Terra, sem causar extinção de todas as formas de vida, ele segue sendo pregado aos quatro ventos, porque muitas pessoas acreditam que essa é a única forma de acabar com a miséria. Isso já foi negado por mais de duas centenas de estudos a respeito dos resultados sociais do crescimento por universidades e instituições de renome, como o NEF e a Fordham University. O crescimento econômico ao invés de resolver problemas sociais, acentua todos eles, não passa de um mecanismo poderoso de concentração de riqueza e poder e de diferenciação social em definitivo e, acima de tudo, onde quer que tenha gerado resultados sociais favoráveis, sempre ocorreram às custas de exploração de meio ambiente e mão de obra barata em lugares estrangeiros. Além disso, de forma universal, todos os benefícios sociais como empregos são apenas temporários e efêmeros, posto que o crescimento só se justifica através de mais crescimento, sendo um fim em si mesmo. O crescimento também é um grande causador da extinção cultural que tantos serviços adaptativos prestou à humanidade. A extinção cultural ocorre ao tentar impor, até agora com sucesso, um modo único de produção e consumo para todos. Ou seja, a idéia de crescimento está associada com a extinção da vida e das culturas, com um futuro sombrio para todos nós, uma vez que dessa vez esse Titanic não terá botes salva-vidas nem para a primeira classe, porque nossa civilização conseguiu a proeza de se transformar numa ilha de Páscoa global, via comércio entre as nações, onde as transferências físico-ambientais são invisíveis e permitiu às nações usurpadoras evitar seu próprio colapso local, exportando-o para o resto do mundo. Não é à toa que vivemos a maior extinção da vida dos últimos 65 milhões de anos, ignorada por todos, porque todos, quase sem exceção, ignoram que do ponto de vista da biologia somos todos um.
Hugo Penteado
Míriam Leitão - Panorama Econômico O GLOBO 14/12/2010
Não somos únicos
O crescimento da América Latina este ano mostra que o bom desempenho do Brasil não é fato isolado: a região deve crescer 6% em 2010, segundo a Cepal, depois de cair 1,8% no ano passado. O crescimento do Brasil será o quinto maior, atrás de Paraguai, Uruguai, Peru e Argentina. Assim como aqui, o desemprego caiu e a inflação subiu. As exportações foram beneficiadas pela alta dos preços das commodities.
Alguns países nem chegaram a terminar o ano de 2009 com PIB negativo, como foi o caso do Uruguai. Cresceu 2,9% em 2009 e este ano terá o segundo melhor resultado da região, com alta de 9%. Em primeiro lugar, aparece o Paraguai, com previsão de crescimento de 9,7%. Mas assim como o Brasil, que terminou o ano passado com recessão de 0,6%, parte do crescimento paraguaio deste ano é recuperação do ano passado, quando o país terminou com queda de 3,8% do PIB. Peru e Argentina são dois outros países que conseguiram terminar 2009 com crescimento, de 0,9% em ambos os casos, e este ano vão crescer mais que o Brasil:8,6%, o Peru, e 8,4%, a Argentina. A previsão da Cepal para o Brasil é de crescimento de 7,7%.
´O crescimento observado em 2010 é a consolidação da recuperação que a maior parte das economias da região experimenta desde a segunda metade de 2009, impulsionadas pelo impacto das medidas anticíclicas que vários países implementaram, complementadas pela recuperação da economia internacional`, disse a Cepal, em relatório.
A Venezuela será o único país da região a ter dois anos seguidos de recessão. Caiu 3,3% em 2009, e cairá 1,6% este ano. E isso mesmo com a valorização de 32% no preço do petróleo. A previsão para o ano que vem também é modesta: alta de 2%. O caso da Venezuela é um mistério que só a péssima administração chavista explica. Na lanterna da região está o Haiti, devastado pelo terremoto do início do ano que deixou mais de 220 mil mortos, com recessão projetada de 7%. A boa notícia é que para o ano que vem espera-se a maior taxa de crescimento da região: 9%. Já o Chile, também atingido por um terremoto,conseguirá manter um crescimento de 5,3%.
Os números mostram tendências muito parecidas entre o Brasil e o resto da América Latina e Caribe: o desemprego cairá este ano - de 8,2% para 7,6%; e a inflação subirá, em grande parte por causa dos preços dos alimentos, cotados internacionalmente, e combustíveis. A previsão da Cepal é de que os preços aos consumidores subam de 4,7% no ano passado para 6,2% este ano. As semelhanças não param por aí. Crédito, renda e mercado de trabalho têm sido o motor do crescimento do consumo interno:
´A evolução dos indicadores de mercado de trabalho, o aumento do crédito e a melhora generalizada das expectativas contribuíram para impulsionar o crescimento do consumo privado que, junto com um significativo aumento dos investimentos em máquinas e equipamentos, constitui um dos principais motores em que se assentou o crescimento da demanda.`
Se por um lado o aumento dos preços dos produtos agrícolas foi ruim para a inflação, por outro, contribuiu para melhorar a balança comercial devários países exportadores. Itens como café, cacau, trigo e soja tiveram valorização principalmente a partir do segundo semestre deste ano. A mesma coisa aconteceu com as commodities metálicas. Entre janeiro a outubro, o cobre teve aumento de 52%, o alumínio, 35%, e o ouro, 27%. Com isso, a Cepal estima um crescimento de 25% das exportações, em valor, depois de uma queda de 22% no ano passado.
Para 2011, a previsão também é de um PIB mais fraco, assim como no Brasil. De 6% para 4,2%. A desaceleração é motivada pela piora no cenário internacional - leia-se Europa -, pelo fim dos estímulos econômicos dos governos e também pelo esgotamento da ocupação da capacidade ociosa.
A região recebe a mesma advertência da Cepal que caberia perfeitamente ao Brasil: o risco de que o crescimento aprofunde muito o déficit em transações correntes. A região já se queimou no passado exatamente por manter por tempo demais o rombo externo.
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Comendo os irlandeses
Por favor se comentar deixe um email para contato.
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101127/not_imp645943,0.php
O Estado de São Paulo - ECONOMIA - Pág. B9
São Paulo, 27 de novembro de 2010 – Sábado
Comendo os irlandeses
É o caso se perguntar o que será preciso para as pessoas sérias perceberem que punir a população pelos pecados dos banqueiros é pior que um crime; é um erro
Paul Krugman*
Estamos precisando de um novo Jonathan Swift. A maioria das pessoas conhece Swift como o autor de As viagens de Gulliver. Mas os acontecimentos recentes me fizeram pensar em seu ensaio de 1729, "Uma proposta modesta", no qual ele observou a pobreza estarrecedora dos irlandeses e ofereceu uma solução: vender as crianças como alimento.
"Asseguro que essa comida será um pouco cara", ele admitiu, mas isso a tornaria muito apropriada para proprietários de terras , que, como já haviam devorado a maioria dos pais, pareciam ser os mais indicados para os filhos. Tudo bem que desta vez não são os proprietários de terras, mas os banqueiros - e eles estão apenas empobrecendo o população, não a comendo. Mas somente um satírico para fazer jus ao que está se passando hoje na Irlanda.
A história irlandesa começou com um verdadeiro milagre econômico.
Esse, porém, acabou dando lugar a uma orgia especulativa provocada por bancos e incorporadoras imobiliárias fora de controle, numa relação promíscua com políticos de peso. A orgia foi financiada com empréstimos enormes captados por bancos irlandeses, em geral de bancos de outros países europeus.
Aí a bolha estourou, e esses bancos enfrentaram prejuízos imensos.
Seria de esperar que os que emprestaram dinheiro aos bancos dividiriam os prejuízos. Afinal, eles eram adultos responsáveis por seus atos, e se não conseguiram compreender os riscos que estavam assumindo isso não foi por culpa de ninguém além deles. Mas, não, o governo entrou em cena para garantir a dívida dos bancos, transformando prejuízos privados em obrigações públicas.
Antes do estouro da bolha, a Irlanda tinha uma pequena dívida pública.
Mas, com os contribuintes subitamente ameaçados por prejuízos imensos dos bancos, enquanto a arrecadação despencava, a credibilidade do país foi colocada em xeque. Assim, a Irlanda tentou tranquilizar os mercados com um programa austero de corte de gastos.
Parem por um minuto e pensem nisso. Essas dívidas foram contraídas, não para pagar programas públicos, mas por espertalhões privados que buscavam apenas seu lucro pessoal. Agora, cidadãos comuns irlandeses pagam a conta.
Ou, para ser mais preciso, eles estão arcando com um ônus muito maior que a dívida - porque aqueles cortes de gastos causaram uma severa recessão, de modo que além de assumir as dívidas dos bancos, os irlandeses sofrem com a queda das rendas e o alto desemprego.
Agora o quê? Na semana passada, a Irlanda e seus vizinhos montaram o que foi amplamente descrito como um "salvamento". O que realmente se passou, porém, foi que o governo irlandês prometeu impor sofrimentos ainda maiores à população em troca de uma linha de crédito que, presumivelmente, daria mais tempo para a Irlanda, bem, recuperar a confiança. Os mercados, compreensivelmente, não se impressionaram quando as taxas de juros dos bônus irlandeses subiram ainda mais.
As coisas precisariam mesmo ser dessa maneira? No início de 2009, circulava uma piada: "Qual a diferença entre a Islândia (em inglês, Iceland) e a Irlanda (em inglês, Ireland)? Resposta: "Uma letra e cerca de seis meses." Isso era para ser uma piada de humor negro. Por pior que fosse a situação da Irlanda, ela não poderia se comparar ao completo desastre que era a Islândia.
Neste ponto, porém, a Islândia parece estar se saindo melhor que sua quase homônima. Sua recessão econômica não foi mais profunda que a da Irlanda, suas perdas de empregos foram menos graves e ela parece melhor posicionada para a recuperação. Os investidores, aliás, agora parecem estar considerando a dívida islandesa mais segura que a irlandesa. Como isso é possível? Parte da resposta é que a Islândia deixou que os emprestadores estrangeiros a seus bancos descontrolados pagassem o prelo de seu mau julgamento, em vez de colocar seus próprios contribuintes na linha para garantir as dívidas privadas ruins. Enquanto isso, a Islândia ajudou a evitar um pânico financeiro em parte impondo controles temporários ao capital - isto é, limitando a capacidade de os locais tirarem fundos do país.
A Islândia também se beneficiou do fato de que, diferentemente da Irlanda, ela ainda tem sua própria moeda: a desvalorização da coroa, que deixou as exportações islandesas mais competitivas, foi um importante fator para limitar a recessão na Islândia, Para os sabichões, nenhuma dessas opções heterodoxas está à disposição da Irlanda. A Irlanda, dizem eles, precisa continuar infligindo sofrimento a seus cidadãos - porque fazer qualquer outra coisa fatalmente solaparia a confiança.
Mas, a Irlanda já está em seu terceiro ano de austeridade, e a confiança continua se exaurindo. É o caso se perguntar o que será preciso para as pessoas sérias perceberem que punir a população pelos pecados dos banqueiros é pior que um crime; é um erro.
* É Prêmio Nobel de Economia
Tradução de Celso M. Paciornik
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101127/not_imp645943,0.php
O Estado de São Paulo - ECONOMIA - Pág. B9
São Paulo, 27 de novembro de 2010 – Sábado
Comendo os irlandeses
É o caso se perguntar o que será preciso para as pessoas sérias perceberem que punir a população pelos pecados dos banqueiros é pior que um crime; é um erro
Paul Krugman*
Estamos precisando de um novo Jonathan Swift. A maioria das pessoas conhece Swift como o autor de As viagens de Gulliver. Mas os acontecimentos recentes me fizeram pensar em seu ensaio de 1729, "Uma proposta modesta", no qual ele observou a pobreza estarrecedora dos irlandeses e ofereceu uma solução: vender as crianças como alimento.
"Asseguro que essa comida será um pouco cara", ele admitiu, mas isso a tornaria muito apropriada para proprietários de terras , que, como já haviam devorado a maioria dos pais, pareciam ser os mais indicados para os filhos. Tudo bem que desta vez não são os proprietários de terras, mas os banqueiros - e eles estão apenas empobrecendo o população, não a comendo. Mas somente um satírico para fazer jus ao que está se passando hoje na Irlanda.
A história irlandesa começou com um verdadeiro milagre econômico.
Esse, porém, acabou dando lugar a uma orgia especulativa provocada por bancos e incorporadoras imobiliárias fora de controle, numa relação promíscua com políticos de peso. A orgia foi financiada com empréstimos enormes captados por bancos irlandeses, em geral de bancos de outros países europeus.
Aí a bolha estourou, e esses bancos enfrentaram prejuízos imensos.
Seria de esperar que os que emprestaram dinheiro aos bancos dividiriam os prejuízos. Afinal, eles eram adultos responsáveis por seus atos, e se não conseguiram compreender os riscos que estavam assumindo isso não foi por culpa de ninguém além deles. Mas, não, o governo entrou em cena para garantir a dívida dos bancos, transformando prejuízos privados em obrigações públicas.
Antes do estouro da bolha, a Irlanda tinha uma pequena dívida pública.
Mas, com os contribuintes subitamente ameaçados por prejuízos imensos dos bancos, enquanto a arrecadação despencava, a credibilidade do país foi colocada em xeque. Assim, a Irlanda tentou tranquilizar os mercados com um programa austero de corte de gastos.
Parem por um minuto e pensem nisso. Essas dívidas foram contraídas, não para pagar programas públicos, mas por espertalhões privados que buscavam apenas seu lucro pessoal. Agora, cidadãos comuns irlandeses pagam a conta.
Ou, para ser mais preciso, eles estão arcando com um ônus muito maior que a dívida - porque aqueles cortes de gastos causaram uma severa recessão, de modo que além de assumir as dívidas dos bancos, os irlandeses sofrem com a queda das rendas e o alto desemprego.
Agora o quê? Na semana passada, a Irlanda e seus vizinhos montaram o que foi amplamente descrito como um "salvamento". O que realmente se passou, porém, foi que o governo irlandês prometeu impor sofrimentos ainda maiores à população em troca de uma linha de crédito que, presumivelmente, daria mais tempo para a Irlanda, bem, recuperar a confiança. Os mercados, compreensivelmente, não se impressionaram quando as taxas de juros dos bônus irlandeses subiram ainda mais.
As coisas precisariam mesmo ser dessa maneira? No início de 2009, circulava uma piada: "Qual a diferença entre a Islândia (em inglês, Iceland) e a Irlanda (em inglês, Ireland)? Resposta: "Uma letra e cerca de seis meses." Isso era para ser uma piada de humor negro. Por pior que fosse a situação da Irlanda, ela não poderia se comparar ao completo desastre que era a Islândia.
Neste ponto, porém, a Islândia parece estar se saindo melhor que sua quase homônima. Sua recessão econômica não foi mais profunda que a da Irlanda, suas perdas de empregos foram menos graves e ela parece melhor posicionada para a recuperação. Os investidores, aliás, agora parecem estar considerando a dívida islandesa mais segura que a irlandesa. Como isso é possível? Parte da resposta é que a Islândia deixou que os emprestadores estrangeiros a seus bancos descontrolados pagassem o prelo de seu mau julgamento, em vez de colocar seus próprios contribuintes na linha para garantir as dívidas privadas ruins. Enquanto isso, a Islândia ajudou a evitar um pânico financeiro em parte impondo controles temporários ao capital - isto é, limitando a capacidade de os locais tirarem fundos do país.
A Islândia também se beneficiou do fato de que, diferentemente da Irlanda, ela ainda tem sua própria moeda: a desvalorização da coroa, que deixou as exportações islandesas mais competitivas, foi um importante fator para limitar a recessão na Islândia, Para os sabichões, nenhuma dessas opções heterodoxas está à disposição da Irlanda. A Irlanda, dizem eles, precisa continuar infligindo sofrimento a seus cidadãos - porque fazer qualquer outra coisa fatalmente solaparia a confiança.
Mas, a Irlanda já está em seu terceiro ano de austeridade, e a confiança continua se exaurindo. É o caso se perguntar o que será preciso para as pessoas sérias perceberem que punir a população pelos pecados dos banqueiros é pior que um crime; é um erro.
* É Prêmio Nobel de Economia
Tradução de Celso M. Paciornik
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
A pedido de Marina, Senado vai debater posição brasileira sobre clima
Por favor se comentar deixe um email para contato.
A pedido de Marina, Senado vai debater posição brasileira sobre clima
Brasília, 24 de novembro de 2010
A senadora Marina Silva (PV-AC) aprovou ontem, dia 23, dois importantes requerimentos na reunião da Comissão de Meio Ambiente do Senado. Serão promovidas audiências públicas sobre questões de alta relevância para a proteção do meio ambiente e para a qualificação do processo de desenvolvimento do país.
A pauta da primeira audiência pública aprovada aborda três pontos: a)a implementação da lei 12.187, de 29 de dezembro de 2009, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima; b) os compromissos assumidos pelo governo brasileiro durante a Conferência das Partes da Convenção de Mudanças Climáticas (COP 15), que ocorreu
em Copenhagen (Dinamarca) em 2009; e c) as posições e os novos compromissos que serão assumidos pelo governo brasileiro durante a COP 16 que acontecerá no México, entre os dias 29 de novembro a 10 de dezembro deste ano.
Os debatedores convidados serão representantes do Ministério das Relações Exteriores, da Casa Civil da Presidência, do Ministério do Meio Ambiente, do Greenpeace e da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Em razão de a Conferência do México ter início na próxima semana, a audiência pública será realizada nesta quinta-feira, dia 25. O debate é aberto ao público e pode ser acompanhado pela internet (www.senado.gov.br). Quem quiser enviar perguntas para os
participantes poderá fazê-lo por meio do endereço eletrônico da senadora Marina Silva (marinasi@senado.gov.br). Algumas das questões serão sorteadas e encaminhadas aos debatedores.
A segunda audiência pública foi convocada por Marina para tratar do projeto de lei complementar nº 01/2010, que promove a regulamentação do artigo 23 da Constituição Federal.
O objetivo original do projeto, que foi encaminhado pelo governo federal em 2007, após amplo processo de debate, era o de deixar mais claras as atribuições da União, dos Estados e dos municípios na formulação e na gestão da política ambiental. Dessa forma, esperava-se dirimir os conflitos de competência, que muitas vezes acaba impondo prejuízos à aplicação da legislação e aos investimentos.
No entanto, o projeto original foi profundamente alterado durante a tramitação na Câmara dos Deputados e, caso seja aprovado como está, representará um grave retrocesso para a legislação ambiental e para a proteção dos recursos naturais. Isso porque, para além de fixar as competências entre os entes da federação, a proposta revisada pelos deputados altera dois pontos essenciais na legislação ambiental:
fragiliza o licenciamento ambiental e limita fortemente o poder de fiscalização do Ibama.
Para esta audiência, que deverá ocorrer na segunda semana de dezembro, os debatedores convidados pelos senadores são integrantes do Ministério do Meio Ambiente, da Associação Nacional dos Municípios e Meio Ambiente, do Instituto de Pesquisas da Amazônia e do Instituto Socioambiental (ISA).
A pedido de Marina, Senado vai debater posição brasileira sobre clima
Brasília, 24 de novembro de 2010
A senadora Marina Silva (PV-AC) aprovou ontem, dia 23, dois importantes requerimentos na reunião da Comissão de Meio Ambiente do Senado. Serão promovidas audiências públicas sobre questões de alta relevância para a proteção do meio ambiente e para a qualificação do processo de desenvolvimento do país.
A pauta da primeira audiência pública aprovada aborda três pontos: a)a implementação da lei 12.187, de 29 de dezembro de 2009, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima; b) os compromissos assumidos pelo governo brasileiro durante a Conferência das Partes da Convenção de Mudanças Climáticas (COP 15), que ocorreu
em Copenhagen (Dinamarca) em 2009; e c) as posições e os novos compromissos que serão assumidos pelo governo brasileiro durante a COP 16 que acontecerá no México, entre os dias 29 de novembro a 10 de dezembro deste ano.
Os debatedores convidados serão representantes do Ministério das Relações Exteriores, da Casa Civil da Presidência, do Ministério do Meio Ambiente, do Greenpeace e da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Em razão de a Conferência do México ter início na próxima semana, a audiência pública será realizada nesta quinta-feira, dia 25. O debate é aberto ao público e pode ser acompanhado pela internet (www.senado.gov.br). Quem quiser enviar perguntas para os
participantes poderá fazê-lo por meio do endereço eletrônico da senadora Marina Silva (marinasi@senado.gov.br). Algumas das questões serão sorteadas e encaminhadas aos debatedores.
A segunda audiência pública foi convocada por Marina para tratar do projeto de lei complementar nº 01/2010, que promove a regulamentação do artigo 23 da Constituição Federal.
O objetivo original do projeto, que foi encaminhado pelo governo federal em 2007, após amplo processo de debate, era o de deixar mais claras as atribuições da União, dos Estados e dos municípios na formulação e na gestão da política ambiental. Dessa forma, esperava-se dirimir os conflitos de competência, que muitas vezes acaba impondo prejuízos à aplicação da legislação e aos investimentos.
No entanto, o projeto original foi profundamente alterado durante a tramitação na Câmara dos Deputados e, caso seja aprovado como está, representará um grave retrocesso para a legislação ambiental e para a proteção dos recursos naturais. Isso porque, para além de fixar as competências entre os entes da federação, a proposta revisada pelos deputados altera dois pontos essenciais na legislação ambiental:
fragiliza o licenciamento ambiental e limita fortemente o poder de fiscalização do Ibama.
Para esta audiência, que deverá ocorrer na segunda semana de dezembro, os debatedores convidados pelos senadores são integrantes do Ministério do Meio Ambiente, da Associação Nacional dos Municípios e Meio Ambiente, do Instituto de Pesquisas da Amazônia e do Instituto Socioambiental (ISA).
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
A embriaguez da ciência econômica
Por favor se comentar deixe um email para contato.
Paul Krugman
Quando leio artigos tratando de Novas Ideias para a Economia, costumo sentir um certo déjà vu: já não passamos por tudo isso antes? Justin Fox se encarrega do trabalho braçal da pesquisa e descobre um artigo de 1988 a respeito de Novas Ideias que, com pequenos ajustes, poderiam muito bem ter sido propostas nos dias de hoje.
Neste caso, entretanto, o problema não está nas novas ideias de 1988, ainda vendidas como novidade no ano de 2010: em particular, Shiller tinha razão quanto à irracionalidade do mercado naquela época, e sua conclusão continua válida até hoje – exemplificada pelas duas bolhas cuja formação ele soube apontar corretamente.
Mas a pergunta que deveríamos fazer é: Por que os economistas profissionais têm resistido tanto em aceitar o óbvio?
Eu me lembro de 1988; 1988 foi um grande amigo meu. Quando 1988 chegou, o fracasso da teoria do equilíbrio no ciclo econômico já tinha se tornado óbvio. Shiller já tinha demonstrado contundentemente que o preço dos ativos era volátil demais para ser explicado pelos fundamentos da economia, e a quebra do mercado em 1987 consistiu numa lição objetiva sobre o tema do pânico. Vale lembrar que a bagunça dos empréstimos e poupanças ilustrava os problemas de uma regulação financeira inadequada.
E nada ocorreu. A teoria do ciclo econômico real continuou a prosperar, fortalecendo seu controle sobre as publicações do setor. As finanças comportamentais permaneceram na margem. Os discípulos do equilíbrio não aprenderam nada nem esqueceram coisa nenhuma; e quando chegamos a 2008, os devastadores efeitos do tempo reduziram muito, em relação a 20 anos atrás, o número daqueles que de fato compreendiam os choques de demanda.
Resumindo: nosso problema não está na falta de novas ideias engenhosas, e sim na recusa de um grande número de economistas em reconhecer o fato de que algumas de suas teorias favoritas simplesmente não funcionam – fato que se tornou óbvio há décadas.
A estupidez da ciência econômica
Krugman deveria ler Roegen (Krugman nunca respondeu um email meu, tentem escrever para ele, pkrugman@nyt.com). Herman Daly também o provocou num artigo histórico com as proposições do Roegen. Ele respondeu, mas melhor teria não ter respondido, pois se expôs ao ridículo. O que ele reclama dos seus pares, aplica-se a ele. Essa pseudociência –Economia – é uma cujo respeito entre os pares é o pior possível. Roegen também chamou atenção sobre isso.
Sua postura em muito se assemelha ao debate trazido à tona entre George Monbiot e uns farsantes, cujos nomes não merecem ser lembrados. Um deles disse em seu livro que todos deveriam ter a coragem de assumir um erro. Monbiot expôs um deles: segundo esse farsante, o banimento global do DDT, que nunca ocorreu, principalmente para questões de saúde, foi responsável pela morte de milhões de crianças. Ele jamais aceitou ter errado. Suas respostas também o expuseram ao ridículo.
O mesmo vemos em Krugman, com a sua teoria econômica enxovalhada na teoria neoclássica. Basta ler The Return of Depression Economics e sua enorme apologia da expansão fiscal e monetária para criar demanda, como se a oferta brotasse do nada e não houvesse restrições físicas e planetárias. Ou sua resposta ridícula e ridicularizada de forma perfeita por Herman Daly sobre seu erro de considerar os recursos produzidos pelo homem perfeitos substitutos da natureza. Andrei Cechin comenta isso no livro Economia do Meio Ambiente organizado por Peter May, um dos artigos mais interessantes do livro.
Krugman está entre os que acreditam que a economia pode ser maior que o planeta. Pior, ele vê o planeta como um subsistema da economia.
Sua visão de mundo – que é dominante – já causou a maior extinção da vida na Terra dos últimos 65 milhões de anos. Assusta, porque nada mudou e o projeto IIRSA (o primo-monstro do PAC no Brasil) está aí para chegar e destruir o pouco que resta do balanço natural da América do Sul, ao tentar transformar o nosso continente numa plataforma exportadora de produtos ao maior mercado consumidor “potencial” da Terra, a Ásia. Resta saber como uma economia como a China conseguirá a taxas de 8% ao ano dobrar em pouco tempo, sem que os problemas ambientais não se transforme em uma restrição e retrocesso. Jacques Cousteau dizia que a maior razão do desastre ambiental era o enorme aumento da população. Assunto esquecido, vivemos como pragas na Terra, o artigo “The Planet of Weeds” escolheu quatro pragas por características comuns: rato, pombo, barata e seres humanos. Nosso comportamento virótico só tem uma lástima: não somos capazes de matar o hospedeiro. Mal fazemos mossa ao planeta. O Titanic planetário não tem bote salva-vidas, outra questão eternamente esquecida.
Reza uma lenda que um país pobre exportava tudo que produzia, até o dia no qual um acidente natural bloqueou a saída das suas exportações. Desse momento em diante, a população tornou-se feliz, menos explorada e com uma produção que realmente lhes interessava... Pena que seja lenda...
Hugo Penteado
Paul Krugman
Quando leio artigos tratando de Novas Ideias para a Economia, costumo sentir um certo déjà vu: já não passamos por tudo isso antes? Justin Fox se encarrega do trabalho braçal da pesquisa e descobre um artigo de 1988 a respeito de Novas Ideias que, com pequenos ajustes, poderiam muito bem ter sido propostas nos dias de hoje.
Neste caso, entretanto, o problema não está nas novas ideias de 1988, ainda vendidas como novidade no ano de 2010: em particular, Shiller tinha razão quanto à irracionalidade do mercado naquela época, e sua conclusão continua válida até hoje – exemplificada pelas duas bolhas cuja formação ele soube apontar corretamente.
Mas a pergunta que deveríamos fazer é: Por que os economistas profissionais têm resistido tanto em aceitar o óbvio?
Eu me lembro de 1988; 1988 foi um grande amigo meu. Quando 1988 chegou, o fracasso da teoria do equilíbrio no ciclo econômico já tinha se tornado óbvio. Shiller já tinha demonstrado contundentemente que o preço dos ativos era volátil demais para ser explicado pelos fundamentos da economia, e a quebra do mercado em 1987 consistiu numa lição objetiva sobre o tema do pânico. Vale lembrar que a bagunça dos empréstimos e poupanças ilustrava os problemas de uma regulação financeira inadequada.
E nada ocorreu. A teoria do ciclo econômico real continuou a prosperar, fortalecendo seu controle sobre as publicações do setor. As finanças comportamentais permaneceram na margem. Os discípulos do equilíbrio não aprenderam nada nem esqueceram coisa nenhuma; e quando chegamos a 2008, os devastadores efeitos do tempo reduziram muito, em relação a 20 anos atrás, o número daqueles que de fato compreendiam os choques de demanda.
Resumindo: nosso problema não está na falta de novas ideias engenhosas, e sim na recusa de um grande número de economistas em reconhecer o fato de que algumas de suas teorias favoritas simplesmente não funcionam – fato que se tornou óbvio há décadas.
A estupidez da ciência econômica
Krugman deveria ler Roegen (Krugman nunca respondeu um email meu, tentem escrever para ele, pkrugman@nyt.com). Herman Daly também o provocou num artigo histórico com as proposições do Roegen. Ele respondeu, mas melhor teria não ter respondido, pois se expôs ao ridículo. O que ele reclama dos seus pares, aplica-se a ele. Essa pseudociência –Economia – é uma cujo respeito entre os pares é o pior possível. Roegen também chamou atenção sobre isso.
Sua postura em muito se assemelha ao debate trazido à tona entre George Monbiot e uns farsantes, cujos nomes não merecem ser lembrados. Um deles disse em seu livro que todos deveriam ter a coragem de assumir um erro. Monbiot expôs um deles: segundo esse farsante, o banimento global do DDT, que nunca ocorreu, principalmente para questões de saúde, foi responsável pela morte de milhões de crianças. Ele jamais aceitou ter errado. Suas respostas também o expuseram ao ridículo.
O mesmo vemos em Krugman, com a sua teoria econômica enxovalhada na teoria neoclássica. Basta ler The Return of Depression Economics e sua enorme apologia da expansão fiscal e monetária para criar demanda, como se a oferta brotasse do nada e não houvesse restrições físicas e planetárias. Ou sua resposta ridícula e ridicularizada de forma perfeita por Herman Daly sobre seu erro de considerar os recursos produzidos pelo homem perfeitos substitutos da natureza. Andrei Cechin comenta isso no livro Economia do Meio Ambiente organizado por Peter May, um dos artigos mais interessantes do livro.
Krugman está entre os que acreditam que a economia pode ser maior que o planeta. Pior, ele vê o planeta como um subsistema da economia.
Sua visão de mundo – que é dominante – já causou a maior extinção da vida na Terra dos últimos 65 milhões de anos. Assusta, porque nada mudou e o projeto IIRSA (o primo-monstro do PAC no Brasil) está aí para chegar e destruir o pouco que resta do balanço natural da América do Sul, ao tentar transformar o nosso continente numa plataforma exportadora de produtos ao maior mercado consumidor “potencial” da Terra, a Ásia. Resta saber como uma economia como a China conseguirá a taxas de 8% ao ano dobrar em pouco tempo, sem que os problemas ambientais não se transforme em uma restrição e retrocesso. Jacques Cousteau dizia que a maior razão do desastre ambiental era o enorme aumento da população. Assunto esquecido, vivemos como pragas na Terra, o artigo “The Planet of Weeds” escolheu quatro pragas por características comuns: rato, pombo, barata e seres humanos. Nosso comportamento virótico só tem uma lástima: não somos capazes de matar o hospedeiro. Mal fazemos mossa ao planeta. O Titanic planetário não tem bote salva-vidas, outra questão eternamente esquecida.
Reza uma lenda que um país pobre exportava tudo que produzia, até o dia no qual um acidente natural bloqueou a saída das suas exportações. Desse momento em diante, a população tornou-se feliz, menos explorada e com uma produção que realmente lhes interessava... Pena que seja lenda...
Hugo Penteado
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
Tradição em risco: aquecimento global ameaça produção de vinhos na França
Por favor se comentar deixe um email para contato.
A produção de vinho mundial está sendo ameaçada pelo aumento da temperatura do planeta, apontam estudos feitos recentemente. E a França, segundo maior produtor mundial de vinhos, perdendo somente para a Itália, busca soluções para preservar as safras de uvas e garantir o abastecimento de seus famosos vinhos.
De acordo com especialistas entrevistados pelo Opera Mundi, os impactos diretos do aquecimento global são ciclos da vinha mais curtos, transformações no processo de amadurecimento, proliferação de novas doenças e colheitas cada vez mais precoces.
Luiza Duarte
Vinícola na região da Provença. Os franceses são os maiores consumidores mundiais de vinho
“Nas últimas três décadas, houve um aumento progressivo da temperatura, o que tem antecipado a data de colheita em 8 a 15 dias”, apontou Joël Rochard, especialista da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) e diretor do Departamento de Desenvolvimento Sustentável do Instituto Francês da Vinha e do Vinho (IVF).
Tradicionais vinhos franceses como o Bordeaux, Côtes du Rhônes, Bourgogne, Médoc e o Champagne têm sua autenticidade validada pelo selo "Denominação de Origem Controlada", como acontece com outros produtos agrícolas. Para levar o nome pelo qual é conhecido, o vinho tem que conjugar técnicas de fabricação e tipos de uvas específicos a uma localização geográfica pré-determinada. Com a alteração do clima, zonas vinícolas tradicionais seriam forçadas a se adaptar para guardar as mesmas características do produto final.
Em busca de melhores condições, "poderia haver um deslocamento da produção para o norte, ou a implantação de outras variedades", explicou o enólogo François Fevre. Em ambos os casos, isso significaria abandonar o atual sistema de selos de qualidade e mesmo o paladar das bebidas que conhecemos.
Os franceses são os maiores consumidores de vinho no mundo. Cerca de 600 bilhões de litros saem das vinícolas do país a cada ano. O setor, além ser parte do patrimônio cultural e grande atrativo turístico, gera bilhões de euros todos os anos e quase 200 mil empregos. O impacto econômico da transformação ou morte das zonas vinícolas ainda não pode ser estimado. Os gastos com irrigação serão provavelmente os mais elevados, apontam os especialistas.
As vinhas têm uma vida produtiva de 30 a 40 anos e o momento do plantio representa uma decisão que pode custar caro. Investir numa variedade que não adapte as mudanças do clima é um risco alto para os pequenos produtores.
Os especialistas divergem quanto às consequências de uma elevação maior que 5°C da temperatura e seu inevitável preço para a economia. Rochard lembra que diante desse cenário extremo, inundações, fluxos migratórios e o estresse hídrico afetariam muito mais segmentos do que a viticultura e provavelmente levariam ao caos todos os sistemas produtivos.
Bourgogne
De acordo com Fevre, o caso mais preocupante é o da região da Bourgogne, onde se cultiva apenas uma variedade de uva para o tinto, Pinot noir, e uma para o branco, Chardonnay. “Isso impede a manipulação das proporções dos componentes para aperfeiçoar a bebida, como acontece em outros pólos que produzem mais variedades”, explicou. “Com o calor o pinot noir amadurece mais rápido e produz vinhos de maior teor alcoólico”.
O enólogo garantiu que “não há preocupação a médio prazo em relação aos grandes vinhos franceses”, lembrando que atualmente eles não estão em limite de zona produtiva. “O aquecimento vem até provocando efeitos positivos”, revelou. Segundo ele, as mudanças climáticas não são sentidas da mesma maneira em todas as regiões, portanto, “primaveras menos rigorosas evitam perdas de rendimento com geadas”. Essa fase favorável corre o risco de ser passageira, se as temperaturas continuarem a subir.
Luiza Duarte
Na Champagne, noroeste francês, apenas 35mil hectares são responsáveis pela produção da bebida
Soluções
As medidas práticas para conter o impacto do clima nas vinícolas francesas, de acordo com os especialistas, são tornar as garrafas mais leves e privilegiar trens para o transporte, tudo para preservar o sabor. “Também, utilizar menos energia e até mesmo produzir o vinho com o bagaço da uva”, enumera Rochard, que apresentou no Brasil as adegas ecológicas e modelos sustentáveis de produção que desenvolve junto a OVI.
Atualmente na Europa, uma vinha é composta de duas variedades, uma para a raiz e outra que vai definir o tipo da uva. Esse enxerto permite uma maior flexibilidade em relação às mudanças climáticas, uma vez que é possível buscar plantas de base mais resistentes sem alterar o fruto.
Os avanços científicos permitem um conhecimento preciso das técnicas de viticultura. É possível interferir nas características do solo, das vinhas, controlar a exposição solar, alterar as dosagens e desenvolver leveduras especificas. "Nós sabemos o que é preciso para ter uma colheita de qualidade para um tipo de vinho determinado. Temos ferramentas para isso”, garantiu Fevre.
Flexibilizar as normas e alterar o limite das áreas oficiais de produção é outra saída para preservar por mais tempo produtos emblemáticos para a França. Houve uma extensão do território de cultivo de Champagne em direção ao norte e ao oeste e esta expansão pode continuar. Se os estudos “mostrarem que alguns terrenos que antes não faziam parte da delimitação apresentam as condições necessárias, isso pode acontecer”, afirma sem esconder que é preciso muita precaução e investigação para tal medida.
Estudo
Um relatório da ONG ambiental Greenpeace, publicado em 2009, prevê um deslocamento de mil quilômetros das tradicionais zonas de produção de vinho para regiões mais frias até o final do século.
“Na França, a região mais atingida será a mais seca, o sudeste, que inclui as zonas produtivas do Minervois, Côtes du Languedoc, Côtes de Provence, Côtes du Rhône e do Vin Corse”, diz o relatório.
Enquanto o clima do Mediterrâneo pode se transformar em semi-árido, afetando a viticultura na Grécia, sul da Itália, Espanha, Portugal e norte da África, os vinhedos podem virar paisagem comum nos países do norte. “A Inglaterra produz, por enquanto, apenas vinhos brancos, mas alguns renomados produtores de champagne já começaram a investir em terrenos que poderão ser interessantes no futuro”, afirmou Fevre.
Novos atores entram em cena, Rochard aponta o exemplo da Alemanha. “Ela tem uma forte demanda por vinho tinto e tinha sua produção limitada pelas condições climáticas. Agora com o aquecimento tem potencial para produzir bons vinhos tintos”.
Já zonas como a Austrália, que hoje cultivam graças à irrigação podem ser abandonadas com a elevação do custo do fornecimento. “A água vai se transformar em um fator limitante da produção”, avaliou o enólogo.
Consumo
O consumidor já pode sentir o gosto da diferença provocada pelo aquecimento. Fevre define esses vinhos de maturação acelerada como menos ácidos e com maior teor alcoólico, o Millésime 2003, 2005 e 2009 são exemplos. Os vinhos se tornam, mas ricos e “perdem a elegância, embora em relação ao paladar das gerações acostumadas com refrigerantes, isso se torne favorável”.
As “receitas” de família evoluem ao gosto do freguês contemporâneo. “Um vinho como Château Margaux 2009 não é feito como há 20, 50 ou 100 anos atrás, mas ele continua sendo um dos melhores vinhos do mundo”, concluiu Fevre.
Opera Mundi,
Link: http://operamundi.uol.com.br/reportagens_especiais_ver.php?idConteudo=7280
A produção de vinho mundial está sendo ameaçada pelo aumento da temperatura do planeta, apontam estudos feitos recentemente. E a França, segundo maior produtor mundial de vinhos, perdendo somente para a Itália, busca soluções para preservar as safras de uvas e garantir o abastecimento de seus famosos vinhos.
De acordo com especialistas entrevistados pelo Opera Mundi, os impactos diretos do aquecimento global são ciclos da vinha mais curtos, transformações no processo de amadurecimento, proliferação de novas doenças e colheitas cada vez mais precoces.
Luiza Duarte
Vinícola na região da Provença. Os franceses são os maiores consumidores mundiais de vinho
“Nas últimas três décadas, houve um aumento progressivo da temperatura, o que tem antecipado a data de colheita em 8 a 15 dias”, apontou Joël Rochard, especialista da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) e diretor do Departamento de Desenvolvimento Sustentável do Instituto Francês da Vinha e do Vinho (IVF).
Tradicionais vinhos franceses como o Bordeaux, Côtes du Rhônes, Bourgogne, Médoc e o Champagne têm sua autenticidade validada pelo selo "Denominação de Origem Controlada", como acontece com outros produtos agrícolas. Para levar o nome pelo qual é conhecido, o vinho tem que conjugar técnicas de fabricação e tipos de uvas específicos a uma localização geográfica pré-determinada. Com a alteração do clima, zonas vinícolas tradicionais seriam forçadas a se adaptar para guardar as mesmas características do produto final.
Em busca de melhores condições, "poderia haver um deslocamento da produção para o norte, ou a implantação de outras variedades", explicou o enólogo François Fevre. Em ambos os casos, isso significaria abandonar o atual sistema de selos de qualidade e mesmo o paladar das bebidas que conhecemos.
Os franceses são os maiores consumidores de vinho no mundo. Cerca de 600 bilhões de litros saem das vinícolas do país a cada ano. O setor, além ser parte do patrimônio cultural e grande atrativo turístico, gera bilhões de euros todos os anos e quase 200 mil empregos. O impacto econômico da transformação ou morte das zonas vinícolas ainda não pode ser estimado. Os gastos com irrigação serão provavelmente os mais elevados, apontam os especialistas.
As vinhas têm uma vida produtiva de 30 a 40 anos e o momento do plantio representa uma decisão que pode custar caro. Investir numa variedade que não adapte as mudanças do clima é um risco alto para os pequenos produtores.
Os especialistas divergem quanto às consequências de uma elevação maior que 5°C da temperatura e seu inevitável preço para a economia. Rochard lembra que diante desse cenário extremo, inundações, fluxos migratórios e o estresse hídrico afetariam muito mais segmentos do que a viticultura e provavelmente levariam ao caos todos os sistemas produtivos.
Bourgogne
De acordo com Fevre, o caso mais preocupante é o da região da Bourgogne, onde se cultiva apenas uma variedade de uva para o tinto, Pinot noir, e uma para o branco, Chardonnay. “Isso impede a manipulação das proporções dos componentes para aperfeiçoar a bebida, como acontece em outros pólos que produzem mais variedades”, explicou. “Com o calor o pinot noir amadurece mais rápido e produz vinhos de maior teor alcoólico”.
O enólogo garantiu que “não há preocupação a médio prazo em relação aos grandes vinhos franceses”, lembrando que atualmente eles não estão em limite de zona produtiva. “O aquecimento vem até provocando efeitos positivos”, revelou. Segundo ele, as mudanças climáticas não são sentidas da mesma maneira em todas as regiões, portanto, “primaveras menos rigorosas evitam perdas de rendimento com geadas”. Essa fase favorável corre o risco de ser passageira, se as temperaturas continuarem a subir.
Luiza Duarte
Na Champagne, noroeste francês, apenas 35mil hectares são responsáveis pela produção da bebida
Soluções
As medidas práticas para conter o impacto do clima nas vinícolas francesas, de acordo com os especialistas, são tornar as garrafas mais leves e privilegiar trens para o transporte, tudo para preservar o sabor. “Também, utilizar menos energia e até mesmo produzir o vinho com o bagaço da uva”, enumera Rochard, que apresentou no Brasil as adegas ecológicas e modelos sustentáveis de produção que desenvolve junto a OVI.
Atualmente na Europa, uma vinha é composta de duas variedades, uma para a raiz e outra que vai definir o tipo da uva. Esse enxerto permite uma maior flexibilidade em relação às mudanças climáticas, uma vez que é possível buscar plantas de base mais resistentes sem alterar o fruto.
Os avanços científicos permitem um conhecimento preciso das técnicas de viticultura. É possível interferir nas características do solo, das vinhas, controlar a exposição solar, alterar as dosagens e desenvolver leveduras especificas. "Nós sabemos o que é preciso para ter uma colheita de qualidade para um tipo de vinho determinado. Temos ferramentas para isso”, garantiu Fevre.
Flexibilizar as normas e alterar o limite das áreas oficiais de produção é outra saída para preservar por mais tempo produtos emblemáticos para a França. Houve uma extensão do território de cultivo de Champagne em direção ao norte e ao oeste e esta expansão pode continuar. Se os estudos “mostrarem que alguns terrenos que antes não faziam parte da delimitação apresentam as condições necessárias, isso pode acontecer”, afirma sem esconder que é preciso muita precaução e investigação para tal medida.
Estudo
Um relatório da ONG ambiental Greenpeace, publicado em 2009, prevê um deslocamento de mil quilômetros das tradicionais zonas de produção de vinho para regiões mais frias até o final do século.
“Na França, a região mais atingida será a mais seca, o sudeste, que inclui as zonas produtivas do Minervois, Côtes du Languedoc, Côtes de Provence, Côtes du Rhône e do Vin Corse”, diz o relatório.
Enquanto o clima do Mediterrâneo pode se transformar em semi-árido, afetando a viticultura na Grécia, sul da Itália, Espanha, Portugal e norte da África, os vinhedos podem virar paisagem comum nos países do norte. “A Inglaterra produz, por enquanto, apenas vinhos brancos, mas alguns renomados produtores de champagne já começaram a investir em terrenos que poderão ser interessantes no futuro”, afirmou Fevre.
Novos atores entram em cena, Rochard aponta o exemplo da Alemanha. “Ela tem uma forte demanda por vinho tinto e tinha sua produção limitada pelas condições climáticas. Agora com o aquecimento tem potencial para produzir bons vinhos tintos”.
Já zonas como a Austrália, que hoje cultivam graças à irrigação podem ser abandonadas com a elevação do custo do fornecimento. “A água vai se transformar em um fator limitante da produção”, avaliou o enólogo.
Consumo
O consumidor já pode sentir o gosto da diferença provocada pelo aquecimento. Fevre define esses vinhos de maturação acelerada como menos ácidos e com maior teor alcoólico, o Millésime 2003, 2005 e 2009 são exemplos. Os vinhos se tornam, mas ricos e “perdem a elegância, embora em relação ao paladar das gerações acostumadas com refrigerantes, isso se torne favorável”.
As “receitas” de família evoluem ao gosto do freguês contemporâneo. “Um vinho como Château Margaux 2009 não é feito como há 20, 50 ou 100 anos atrás, mas ele continua sendo um dos melhores vinhos do mundo”, concluiu Fevre.
Opera Mundi,
Link: http://operamundi.uol.com.br/reportagens_especiais_ver.php?idConteudo=7280
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Sacos de plástico
Por favor se comentar deixe um email para contato.
17 de novembro de 2010
- O Estado de S.Paulo
O projeto que proíbe o uso de sacolas plásticas pelos estabelecimentos de varejo
da capital paulista, em consonância com a Política Nacional de Resíduos Sólidos,
encontrou inesperada resistência. A proposição, de autoria do vereador Carlos Alberto
Bezerra Jr. (PSDB), já aprovada em primeira discussão pela Câmara Municipal,
deveria ter ido à votação final na quarta-feira (10/11), mas foi retirada da pauta, tendo prevalecido o argumento de que seria muito curto o prazo estabelecido para os lojistas se adaptarem à nova regra. Um substitutivo deve ser apresentado, mas sem chances de ser votado este ano. A protelação é estranha, uma vez que o projeto não propõe mudança radical e conta com o apoio de entidades de defesa do consumidor e de setores do comércio, como a Associação Paulista de Supermercados (Apas).
As redes com mais de 20 lojas teriam seis meses para deixar de usar sacolas plásticas. Na realidade, muitos supermercados já vêm se preparando para isso, oferecendo ao consumidor a opção de adquirir, por preço baixo, uma bolsa retornável, ampla e resistente. Caixas de papelão, para compras maiores, são gratuitas. Já nas redes com 10 a 19 lojas, a proibição teria um ano para entrar em vigor, prazo que se estenderia para dois anos no caso daquelas com menos de 10 lojas. O prazo para as feiras livres vai até quatro anos, um período de transição que para alguns ambientalistas é longo demais.
A cidade de São Paulo está atrasada no que diz respeito à restrição do uso de
embalagens plásticas, não biodegradáveis. Em muitos países, esse tipo de material
está proibido há anos, como parte dos esforços para reduzir as emissões de gases de
efeito estufa, já que a grande maioria dos plásticos é fabricada a partir de derivados de petróleo. No Brasil, o processo já começou no Estado do Rio de Janeiro, onde está em vigor uma lei aprovada em julho do ano passado, que determinou o recolhimento e substituição de sacolas plásticas por bolsas reutilizáveis. Municípios do interior de São Paulo, como Birigui e Jundiaí, também tomaram medidas para reduzir o uso de embalagens plásticas, prevendo a sua proibição total a partir de 1.º de janeiro.
Pode vir a ser adotado em São Paulo, durante a fase de transição, o sistema utilizado
com sucesso no Rio, pelo qual os supermercados oferecem desconto de R$ 0,03 a cada
cinco itens adquiridos pelos consumidores, se eles dispensarem o uso de sacolas de
plástico. É preciso não esquecer de que se trata de uma parcela do custo que deixa de ser
repassada ao consumidor e também representa uma economia para os estabelecimentos.
Além da questão do aquecimento global, os efeitos perniciosos ao meio ambiente das
sacolas de plástico, que levam décadas para se decompor na natureza, são enormes, pois 80% delas são usadas uma única vez e descartadas ou então aproveitadas como sacos de lixo. Entopem bueiros, vão parar em lixões ou aterros sanitários e poluem os rios e o mar, onde são lançadas. A simples observação, na vida cotidiana, mostra como o uso desses invólucros é frequentemente desnecessário e pode ser facilmente substituído. Calcula-se que se utilizam no País 35 mil unidades de sacolas por minuto e 2 milhões por hora.
É verdade que a situação já foi pior. Graças aos esforços de conscientização, algum
progresso tem sido feito. Desde 2007 está em vigor o Programa de Qualidade e
Consumo Responsável de Sacolas Plásticas, resultante de uma parceria entre a indústria e o varejo, que projeta um consumo de 14 bilhões de sacolas não biodegradáveis este ano, um número ainda muito elevado, mas que registra uma queda de 3,9 bilhões de unidades com relação a quatro anos atrás. Esses são esforços meritórios, mas insuficientes. São necessárias medidas mais ousadas do poder público para reduzir ainda mais o uso de sacolas plásticas e estimular a sua reciclagem, quando possível.
Pelo visto, a maioria da Câmara Municipal de São Paulo considera que os interesses de
uma parte dos lojistas se antepõem aos da população
17 de novembro de 2010
- O Estado de S.Paulo
O projeto que proíbe o uso de sacolas plásticas pelos estabelecimentos de varejo
da capital paulista, em consonância com a Política Nacional de Resíduos Sólidos,
encontrou inesperada resistência. A proposição, de autoria do vereador Carlos Alberto
Bezerra Jr. (PSDB), já aprovada em primeira discussão pela Câmara Municipal,
deveria ter ido à votação final na quarta-feira (10/11), mas foi retirada da pauta, tendo prevalecido o argumento de que seria muito curto o prazo estabelecido para os lojistas se adaptarem à nova regra. Um substitutivo deve ser apresentado, mas sem chances de ser votado este ano. A protelação é estranha, uma vez que o projeto não propõe mudança radical e conta com o apoio de entidades de defesa do consumidor e de setores do comércio, como a Associação Paulista de Supermercados (Apas).
As redes com mais de 20 lojas teriam seis meses para deixar de usar sacolas plásticas. Na realidade, muitos supermercados já vêm se preparando para isso, oferecendo ao consumidor a opção de adquirir, por preço baixo, uma bolsa retornável, ampla e resistente. Caixas de papelão, para compras maiores, são gratuitas. Já nas redes com 10 a 19 lojas, a proibição teria um ano para entrar em vigor, prazo que se estenderia para dois anos no caso daquelas com menos de 10 lojas. O prazo para as feiras livres vai até quatro anos, um período de transição que para alguns ambientalistas é longo demais.
A cidade de São Paulo está atrasada no que diz respeito à restrição do uso de
embalagens plásticas, não biodegradáveis. Em muitos países, esse tipo de material
está proibido há anos, como parte dos esforços para reduzir as emissões de gases de
efeito estufa, já que a grande maioria dos plásticos é fabricada a partir de derivados de petróleo. No Brasil, o processo já começou no Estado do Rio de Janeiro, onde está em vigor uma lei aprovada em julho do ano passado, que determinou o recolhimento e substituição de sacolas plásticas por bolsas reutilizáveis. Municípios do interior de São Paulo, como Birigui e Jundiaí, também tomaram medidas para reduzir o uso de embalagens plásticas, prevendo a sua proibição total a partir de 1.º de janeiro.
Pode vir a ser adotado em São Paulo, durante a fase de transição, o sistema utilizado
com sucesso no Rio, pelo qual os supermercados oferecem desconto de R$ 0,03 a cada
cinco itens adquiridos pelos consumidores, se eles dispensarem o uso de sacolas de
plástico. É preciso não esquecer de que se trata de uma parcela do custo que deixa de ser
repassada ao consumidor e também representa uma economia para os estabelecimentos.
Além da questão do aquecimento global, os efeitos perniciosos ao meio ambiente das
sacolas de plástico, que levam décadas para se decompor na natureza, são enormes, pois 80% delas são usadas uma única vez e descartadas ou então aproveitadas como sacos de lixo. Entopem bueiros, vão parar em lixões ou aterros sanitários e poluem os rios e o mar, onde são lançadas. A simples observação, na vida cotidiana, mostra como o uso desses invólucros é frequentemente desnecessário e pode ser facilmente substituído. Calcula-se que se utilizam no País 35 mil unidades de sacolas por minuto e 2 milhões por hora.
É verdade que a situação já foi pior. Graças aos esforços de conscientização, algum
progresso tem sido feito. Desde 2007 está em vigor o Programa de Qualidade e
Consumo Responsável de Sacolas Plásticas, resultante de uma parceria entre a indústria e o varejo, que projeta um consumo de 14 bilhões de sacolas não biodegradáveis este ano, um número ainda muito elevado, mas que registra uma queda de 3,9 bilhões de unidades com relação a quatro anos atrás. Esses são esforços meritórios, mas insuficientes. São necessárias medidas mais ousadas do poder público para reduzir ainda mais o uso de sacolas plásticas e estimular a sua reciclagem, quando possível.
Pelo visto, a maioria da Câmara Municipal de São Paulo considera que os interesses de
uma parte dos lojistas se antepõem aos da população
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
Os gringos continuam por fora
Por favor se comentar deixe um email para contato.
17 de novembro de 2010
André Meloni Nassar - O Estado de S.Paulo
Depois que quase três semanas na Europa discutindo em diferentes fóruns expansão da
agricultura e mudança no uso da terra, cheguei à conclusão de que valeria a pena trazer os pontos do debate internacional, por mais absurdos que sejam - e alguns o são muito -, para a opinião pública brasileira. De longe, o tema da mudança no uso da terra é a questão estrutural mais relevante para os produtores agrícolas do Brasil e do mundo. Vários argumentos, vindos de variadas direções, jogaram-na no centro do debate.
O primeiro nasce dos avanços da tecnologia de informação e das ferramentas de
sensoriamento remoto. Com a crescente disponibilidade de imagens de satélite de
melhor resolução e computadores de maior velocidade, novas bases combinando
dados de sensoriamento remoto e dados secundários foram desenvolvidas, permitindo
o surgimento de uma profusão de estudos que analisam mudanças globais no uso da
terra. A despeito dos diversos problemas que esses estudos podem apresentar, uma vez
que, em geral, muitas análises são feitas apenas com base em imagens de satélite sem
validação de campo, é inegável a sua contribuição para o entendimento dos eventos
passados.
Os estudos, no frigir dos ovos, têm mostrado o que sempre se soube, mas que não se
conseguia quantificar com precisão: que grande parte da terra no mundo está sob uso
agropecuário e o crescimento da agropecuária, pela singela evidência de que o setor
usa muita terra, provocou uma enorme conversão de vegetação natural. Estima-se que
o mundo todo utilize 1,5 bilhão de hectares para lavouras anuais e perenes e 2,8 bilhões para pastagens. Do total de lavouras, 47% estão em áreas antes ocupadas por florestas e 38%, antes ocupadas por savanas (os cerrados) e pastagens naturais. No caso da Europa, 77% das lavouras estão em áreas antes ocupadas por florestas. Esse índice cai para 34% e 20% nos casos da América do Sul e da África.
No caso das pastagens, somente 19% estão em áreas ocupadas antes por florestas e
49%, no caso das savanas e pastagens naturais. Enquanto na Europa 85% das pastagens
estão em áreas ocupadas anteriormente por florestas, algo até óbvio, porque eram
florestas que predominavam no território europeu, na América do Sul e na África esse
índice cai para 35% e 12%. Nestas duas regiões predominam pastagens em savanas e,
como não poderia deixar de ser, pastagens naturais. Interessante notar que América do
Sul e África são as únicas regiões onde a área com pastagens ainda é muito maior do
que a área com lavouras (quatro vezes). Isso indica o grande potencial de expansão de
lavouras e melhor uso das pastagens.
Colocando o uso da terra numa perspectiva de mudança ao longo do tempo, as imagens
de satélite dizem-nos que grande parte da expansão do setor agropecuário nos anos 80
e 90 ocorreu em áreas de florestas e pastagens naturais. Na América do Sul o número
chega a 75%. Já na Ásia, mais de 90%. Embora a quantificação seja importante, não há
dúvida, a conclusão não deixa de ser óbvia. Afinal, a produção de alimentos usa terra, as nações são soberanas para decidir como querem usar seu território e os países que têm mais floresta convertem mais floresta. Foi assim na Europa e tem sido assim na Ásia.
O segundo argumento é uma consequência natural do anterior. Se o setor agrícola
no mundo se expandiu sobre florestas, deverá continuar se expandindo dessa forma
no futuro. O raciocínio é simples. Dado que a demanda mundial por alimentos vai
continuar crescendo, mais áreas serão necessárias, dando continuidade ao processo
de conversão de vegetação natural em agricultura. É, sem a menor dúvida, uma
questão relevante. O problema é que essa constatação vem junto com a questão da
responsabilidade pela conversão. A demanda por produtos agrícolas cresce no mundo
todo e predomina a tentação de atribuir responsabilidade pela conversão de vegetação
natural só ao país onde ela ocorre.
O terceiro argumento é uma sofisticação do segundo. Infelizmente, ainda há gente no
Brasil que compra esse argumento. As imagens de satélite comprovam que a conversão
para pastagens é a forma que predomina no avanço da fronteira. Como a área com
lavouras continua crescendo, mas são as pastagens que atuam com maior intensidade
na fronteira, ocorre o chamado efeito cascata. No Brasil, a soja é o patinho feio da vez no assunto, mas fora do País, até pela falta de outras evidências, tenta-se dar à cana-de-açúcar essa pecha. Obviamente, não se vai a lugar algum com esse argumento,
porque é o aumento do preço da terra que leva à intensificação de pastagens, e o preço da terra aumenta quando as lavouras se estão expandindo e demandando mais terra. A substituição de pastagens por lavouras, assim, é solução para o problema, e não a causa. A causa, por sua vez, é o baixo custo de desmatar.
Meu discurso fora do Brasil tem sido reconhecer todas essas questões sem jogar nada
para debaixo do tapete. Afinal, as imagens de satélite me desmentiriam facilmente. É
como erguer uma muralha numa guerra com aviões. É derrota, na certa. No entanto,
imagens de satélite são as que se refletem no retrovisor do carro. É aquilo que vemos
pela janela quando nos sentamos de costas num trem.
A queda do desmatamento, a aplicação do Código Florestal, a moratória da soja e, mais
recentemente, a da pecuária, o zoneamento da cana-de-açúcar e o grande potencial de
aumentar, mesmo que lentamente, a produtividade da pecuária de corte são garantias
de que o retrovisor de amanhã vai mostrar algo diferente do de hoje. Lentamente e sem
xenofobia, vamos mostrando aos "gringos" que eles, na verdade, continuam a saber
pouco do Brasil. Pena é que precisemos também gastar tempo com os brasileiros que
têm vergonha de defender as suas bases - o que significa, neste caso, ficar do lado do setor agrícola.
DIRETOR-GERAL DO ICONE. AS ORIGENS DOS DADOS CITADOS NESTE ARTIGO PODEM CONSULTADAS COM O AUTOR. E-MAIL: AMNASSAR@ICONEBRASIL.ORG.BR
17 de novembro de 2010
André Meloni Nassar - O Estado de S.Paulo
Depois que quase três semanas na Europa discutindo em diferentes fóruns expansão da
agricultura e mudança no uso da terra, cheguei à conclusão de que valeria a pena trazer os pontos do debate internacional, por mais absurdos que sejam - e alguns o são muito -, para a opinião pública brasileira. De longe, o tema da mudança no uso da terra é a questão estrutural mais relevante para os produtores agrícolas do Brasil e do mundo. Vários argumentos, vindos de variadas direções, jogaram-na no centro do debate.
O primeiro nasce dos avanços da tecnologia de informação e das ferramentas de
sensoriamento remoto. Com a crescente disponibilidade de imagens de satélite de
melhor resolução e computadores de maior velocidade, novas bases combinando
dados de sensoriamento remoto e dados secundários foram desenvolvidas, permitindo
o surgimento de uma profusão de estudos que analisam mudanças globais no uso da
terra. A despeito dos diversos problemas que esses estudos podem apresentar, uma vez
que, em geral, muitas análises são feitas apenas com base em imagens de satélite sem
validação de campo, é inegável a sua contribuição para o entendimento dos eventos
passados.
Os estudos, no frigir dos ovos, têm mostrado o que sempre se soube, mas que não se
conseguia quantificar com precisão: que grande parte da terra no mundo está sob uso
agropecuário e o crescimento da agropecuária, pela singela evidência de que o setor
usa muita terra, provocou uma enorme conversão de vegetação natural. Estima-se que
o mundo todo utilize 1,5 bilhão de hectares para lavouras anuais e perenes e 2,8 bilhões para pastagens. Do total de lavouras, 47% estão em áreas antes ocupadas por florestas e 38%, antes ocupadas por savanas (os cerrados) e pastagens naturais. No caso da Europa, 77% das lavouras estão em áreas antes ocupadas por florestas. Esse índice cai para 34% e 20% nos casos da América do Sul e da África.
No caso das pastagens, somente 19% estão em áreas ocupadas antes por florestas e
49%, no caso das savanas e pastagens naturais. Enquanto na Europa 85% das pastagens
estão em áreas ocupadas anteriormente por florestas, algo até óbvio, porque eram
florestas que predominavam no território europeu, na América do Sul e na África esse
índice cai para 35% e 12%. Nestas duas regiões predominam pastagens em savanas e,
como não poderia deixar de ser, pastagens naturais. Interessante notar que América do
Sul e África são as únicas regiões onde a área com pastagens ainda é muito maior do
que a área com lavouras (quatro vezes). Isso indica o grande potencial de expansão de
lavouras e melhor uso das pastagens.
Colocando o uso da terra numa perspectiva de mudança ao longo do tempo, as imagens
de satélite dizem-nos que grande parte da expansão do setor agropecuário nos anos 80
e 90 ocorreu em áreas de florestas e pastagens naturais. Na América do Sul o número
chega a 75%. Já na Ásia, mais de 90%. Embora a quantificação seja importante, não há
dúvida, a conclusão não deixa de ser óbvia. Afinal, a produção de alimentos usa terra, as nações são soberanas para decidir como querem usar seu território e os países que têm mais floresta convertem mais floresta. Foi assim na Europa e tem sido assim na Ásia.
O segundo argumento é uma consequência natural do anterior. Se o setor agrícola
no mundo se expandiu sobre florestas, deverá continuar se expandindo dessa forma
no futuro. O raciocínio é simples. Dado que a demanda mundial por alimentos vai
continuar crescendo, mais áreas serão necessárias, dando continuidade ao processo
de conversão de vegetação natural em agricultura. É, sem a menor dúvida, uma
questão relevante. O problema é que essa constatação vem junto com a questão da
responsabilidade pela conversão. A demanda por produtos agrícolas cresce no mundo
todo e predomina a tentação de atribuir responsabilidade pela conversão de vegetação
natural só ao país onde ela ocorre.
O terceiro argumento é uma sofisticação do segundo. Infelizmente, ainda há gente no
Brasil que compra esse argumento. As imagens de satélite comprovam que a conversão
para pastagens é a forma que predomina no avanço da fronteira. Como a área com
lavouras continua crescendo, mas são as pastagens que atuam com maior intensidade
na fronteira, ocorre o chamado efeito cascata. No Brasil, a soja é o patinho feio da vez no assunto, mas fora do País, até pela falta de outras evidências, tenta-se dar à cana-de-açúcar essa pecha. Obviamente, não se vai a lugar algum com esse argumento,
porque é o aumento do preço da terra que leva à intensificação de pastagens, e o preço da terra aumenta quando as lavouras se estão expandindo e demandando mais terra. A substituição de pastagens por lavouras, assim, é solução para o problema, e não a causa. A causa, por sua vez, é o baixo custo de desmatar.
Meu discurso fora do Brasil tem sido reconhecer todas essas questões sem jogar nada
para debaixo do tapete. Afinal, as imagens de satélite me desmentiriam facilmente. É
como erguer uma muralha numa guerra com aviões. É derrota, na certa. No entanto,
imagens de satélite são as que se refletem no retrovisor do carro. É aquilo que vemos
pela janela quando nos sentamos de costas num trem.
A queda do desmatamento, a aplicação do Código Florestal, a moratória da soja e, mais
recentemente, a da pecuária, o zoneamento da cana-de-açúcar e o grande potencial de
aumentar, mesmo que lentamente, a produtividade da pecuária de corte são garantias
de que o retrovisor de amanhã vai mostrar algo diferente do de hoje. Lentamente e sem
xenofobia, vamos mostrando aos "gringos" que eles, na verdade, continuam a saber
pouco do Brasil. Pena é que precisemos também gastar tempo com os brasileiros que
têm vergonha de defender as suas bases - o que significa, neste caso, ficar do lado do setor agrícola.
DIRETOR-GERAL DO ICONE. AS ORIGENS DOS DADOS CITADOS NESTE ARTIGO PODEM CONSULTADAS COM O AUTOR. E-MAIL: AMNASSAR@ICONEBRASIL.ORG.BR
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Componente socioambiental da reputação bancária
Por favor se comentar deixe um email para contato.
Muitas vezes a palavra sustentabilidade é usada para adoçar práticas predatórias.
Ricardo Abramovay
17/11/2010 – Valor Econômico
Duas características inéditas marcam o capitalismo do Século XXI. A
primeira é a exposição voluntária das bases socioambientais em que se
apoiam seus processos produtivos por parte de organizações empresariais.
A segunda é que esse movimento de abertura dos fundamentos materiais,
biológicos, energéticos e, em certa medida, sociais dos empreendimentos
resulta de pressões vindas de atores que até bem pouco tempo quase não
dialogavam com firmas privadas e sequer faziam delas o foco de sua ação.
Esses elementos exercem uma influência decisiva na maneira como se
molda hoje a reputação no setor financeiro e, portanto, alteram o círculo de
relações sociais a partir do qual os bancos constroem os vínculos de
confiança em que se apoiam.
Não são raros os casos, é bem verdade, de propaganda enganosa em que se
veicula a palavra sustentabilidade para adoçar práticas predatórias. Ao
mesmo tempo, pode parecer credulidade valorizar o movimento em direção
à responsabilidade socioambiental bancária, quando se leva em conta a
magnitude e a origem da crise que teve início em 2008 e que responde por
uma elevação impressionante da insegurança, do desemprego e da
opacidade que marcam as práticas financeiras atuais.
Que a grande maioria das operações bancárias não se paute por critérios
básicos e explícitos quanto a seus impactos socioambientais não há dúvida.
Responsabilidade socioambiental é tema que, até hoje, não pertence ao
âmago das operações financeiras e tende a ser confinada em departamentos
voltados explicitamente a esta finalidade.
Apesar disso, é impossível tratar como pura cortina de fumaça o amplo
movimento de bancos e outras organizações financeiras com relação às
consequências socioambientais de seus financiamentos. O grau de
profundidade dessas mudanças de comportamento não está decidido de
antemão. Reginaldo Magalhães1 acaba de defender tese de doutorado no
Programa de Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo em que
disseca os novos componentes da reputação bancária e as alterações em
organizações não governamentais, que respondem, em grande parte, por
uma nova agenda do setor financeiro. As críticas recentes de um conjunto
expressivo de organizações da sociedade civil à ausência de temas
socioambientais na discussão de Basileia 3, a abertura por parte da
International Finance Corporation (IFC) e do Global Reporting Initiative de
uma consulta pública a respeito dos parâmetros que devem nortear os
relatórios socioambientais das empresas são dois exemplos atuais de um
movimento mais geral que a tese de Reginaldo Magalhães expõe. Vale a
pena destacar três elementos importantes desse trabalho.
Interação entre bancos e sociedade civil deve ser permanente para a
construção de novas regras dos mercados
O primeiro refere-se ao conceito de reputação. Não se trata de imagem, de
algo exterior, um sorriso mecânico que a empresa manipula por meio de
comunicadores hábeis. A reputação é constituída por relações sociais
duráveis, dotadas de conteúdo informativo, de concepções, ideias e valores
sobre o que significa fazer negócios, quais os métodos corretos para se
alcançar sucesso, ou seja, sobre um conjunto de significados partilhados
com base nos quais os atores identificam-se como pertencentes a um certo
campo social. A acumulação de capital reputacional depende não só de
competência em financiar, construir, produzir e vender, mas de alianças, da
relação com atores sociais diversos e da influência sobre padrões culturais
capazes de legitimar aquilo que faz a empresa.
Reginaldo Magalhães mostra a natureza interativa da reputação estudando
as próprias organizações não governamentais e esse é o segundo elemento
importante de seu trabalho. A grande mudança, nesse sentido, é que
inúmeros grupos da sociedade civil passam a discutir as opções
empresariais por dentro de sua própria lógica de funcionamento. Isso não
significa cooptação, mas uma forma inédita de interação, ainda que
conflituosa. Em 1970, o Greenpeace, por exemplo, dirigiu o essencial de
seus esforços a campanhas visando governos nacionais, sobretudo
protestando contra a expansão de usinas nucleares e a pesca predatória de
baleias. Em 1980, a pressão vai também a organismos multilaterais como o
Banco Mundial. Em 1990, os temas se diversificam (lixo tóxico, florestas
tropicais, mudanças climáticas) e têm início campanhas contra grandes
empresas. Mas é nos anos 2000 que se intensificam e têm maior sucesso
campanhas voltadas explicitamente contra comportamentos julgados
destrutivos por parte do setor privado. Empresas e marcas globais passam a
ser alvo de campanhas em que são nomeadas abertamente. Isso acaba por
obrigá-las a responder às críticas, constituir departamentos de
relacionamento com a sociedade civil e alterar os próprios métodos com
base nos quais são avaliados seus negócios.
O terceiro elemento refere-se à formação da rede dos que aderem aos
Princípios do Equador, um internacionalmente respeitado conjunto de
critérios socioambientais voltados à avaliação do risco de financiamentos
de grandes projetos (www.equator-principles.com/index.shtml). No início
eram apenas dez bancos, hoje são 67. E a entrada no grupo acarreta custos
não desprezíveis para os ingressantes em termos de novas práticas e uma
nova cultura de exposição e avaliação. O interessante nos Princípios do
Equador é que eles não são um conjunto fixo, imutável, mas, ao contrário,
aprofundam-se e incorporam novas demandas que refletem, em grande
parte, pressões sociais. A interação entre bancos e organizações da
sociedade civil é permanente nesse processo de construção de novas regras
de funcionamento dos mercados.
Diabolizar os mercados financeiros como expressão inevitável de crise e
degradação é apenas o correlativo oposto de endeusá-los como figuras
emblemáticas da mão mágica. Estudá-los como resultado de uma
construção social em que atores reúnem capitais variados para influenciar
seus campos de disputa é um caminho de imensa fertilidade, como mostra o
trabalho de Reginaldo Magalhães.
(1) Reginaldo Sales Magalhães. Lucro e reputação. Interações entre bancos e
organizações sociais na construção das políticas socioambientais.
Ricardo Abramovay é professor titular do departamento de Economia da
FEA/USP e Coordenador do Núcleo de Economia Socioambiental (NESA),
pesquisador do CNPq e da Fapesp. /www.abramovay.pro.br/
Muitas vezes a palavra sustentabilidade é usada para adoçar práticas predatórias.
Ricardo Abramovay
17/11/2010 – Valor Econômico
Duas características inéditas marcam o capitalismo do Século XXI. A
primeira é a exposição voluntária das bases socioambientais em que se
apoiam seus processos produtivos por parte de organizações empresariais.
A segunda é que esse movimento de abertura dos fundamentos materiais,
biológicos, energéticos e, em certa medida, sociais dos empreendimentos
resulta de pressões vindas de atores que até bem pouco tempo quase não
dialogavam com firmas privadas e sequer faziam delas o foco de sua ação.
Esses elementos exercem uma influência decisiva na maneira como se
molda hoje a reputação no setor financeiro e, portanto, alteram o círculo de
relações sociais a partir do qual os bancos constroem os vínculos de
confiança em que se apoiam.
Não são raros os casos, é bem verdade, de propaganda enganosa em que se
veicula a palavra sustentabilidade para adoçar práticas predatórias. Ao
mesmo tempo, pode parecer credulidade valorizar o movimento em direção
à responsabilidade socioambiental bancária, quando se leva em conta a
magnitude e a origem da crise que teve início em 2008 e que responde por
uma elevação impressionante da insegurança, do desemprego e da
opacidade que marcam as práticas financeiras atuais.
Que a grande maioria das operações bancárias não se paute por critérios
básicos e explícitos quanto a seus impactos socioambientais não há dúvida.
Responsabilidade socioambiental é tema que, até hoje, não pertence ao
âmago das operações financeiras e tende a ser confinada em departamentos
voltados explicitamente a esta finalidade.
Apesar disso, é impossível tratar como pura cortina de fumaça o amplo
movimento de bancos e outras organizações financeiras com relação às
consequências socioambientais de seus financiamentos. O grau de
profundidade dessas mudanças de comportamento não está decidido de
antemão. Reginaldo Magalhães1 acaba de defender tese de doutorado no
Programa de Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo em que
disseca os novos componentes da reputação bancária e as alterações em
organizações não governamentais, que respondem, em grande parte, por
uma nova agenda do setor financeiro. As críticas recentes de um conjunto
expressivo de organizações da sociedade civil à ausência de temas
socioambientais na discussão de Basileia 3, a abertura por parte da
International Finance Corporation (IFC) e do Global Reporting Initiative de
uma consulta pública a respeito dos parâmetros que devem nortear os
relatórios socioambientais das empresas são dois exemplos atuais de um
movimento mais geral que a tese de Reginaldo Magalhães expõe. Vale a
pena destacar três elementos importantes desse trabalho.
Interação entre bancos e sociedade civil deve ser permanente para a
construção de novas regras dos mercados
O primeiro refere-se ao conceito de reputação. Não se trata de imagem, de
algo exterior, um sorriso mecânico que a empresa manipula por meio de
comunicadores hábeis. A reputação é constituída por relações sociais
duráveis, dotadas de conteúdo informativo, de concepções, ideias e valores
sobre o que significa fazer negócios, quais os métodos corretos para se
alcançar sucesso, ou seja, sobre um conjunto de significados partilhados
com base nos quais os atores identificam-se como pertencentes a um certo
campo social. A acumulação de capital reputacional depende não só de
competência em financiar, construir, produzir e vender, mas de alianças, da
relação com atores sociais diversos e da influência sobre padrões culturais
capazes de legitimar aquilo que faz a empresa.
Reginaldo Magalhães mostra a natureza interativa da reputação estudando
as próprias organizações não governamentais e esse é o segundo elemento
importante de seu trabalho. A grande mudança, nesse sentido, é que
inúmeros grupos da sociedade civil passam a discutir as opções
empresariais por dentro de sua própria lógica de funcionamento. Isso não
significa cooptação, mas uma forma inédita de interação, ainda que
conflituosa. Em 1970, o Greenpeace, por exemplo, dirigiu o essencial de
seus esforços a campanhas visando governos nacionais, sobretudo
protestando contra a expansão de usinas nucleares e a pesca predatória de
baleias. Em 1980, a pressão vai também a organismos multilaterais como o
Banco Mundial. Em 1990, os temas se diversificam (lixo tóxico, florestas
tropicais, mudanças climáticas) e têm início campanhas contra grandes
empresas. Mas é nos anos 2000 que se intensificam e têm maior sucesso
campanhas voltadas explicitamente contra comportamentos julgados
destrutivos por parte do setor privado. Empresas e marcas globais passam a
ser alvo de campanhas em que são nomeadas abertamente. Isso acaba por
obrigá-las a responder às críticas, constituir departamentos de
relacionamento com a sociedade civil e alterar os próprios métodos com
base nos quais são avaliados seus negócios.
O terceiro elemento refere-se à formação da rede dos que aderem aos
Princípios do Equador, um internacionalmente respeitado conjunto de
critérios socioambientais voltados à avaliação do risco de financiamentos
de grandes projetos (www.equator-principles.com/index.shtml). No início
eram apenas dez bancos, hoje são 67. E a entrada no grupo acarreta custos
não desprezíveis para os ingressantes em termos de novas práticas e uma
nova cultura de exposição e avaliação. O interessante nos Princípios do
Equador é que eles não são um conjunto fixo, imutável, mas, ao contrário,
aprofundam-se e incorporam novas demandas que refletem, em grande
parte, pressões sociais. A interação entre bancos e organizações da
sociedade civil é permanente nesse processo de construção de novas regras
de funcionamento dos mercados.
Diabolizar os mercados financeiros como expressão inevitável de crise e
degradação é apenas o correlativo oposto de endeusá-los como figuras
emblemáticas da mão mágica. Estudá-los como resultado de uma
construção social em que atores reúnem capitais variados para influenciar
seus campos de disputa é um caminho de imensa fertilidade, como mostra o
trabalho de Reginaldo Magalhães.
(1) Reginaldo Sales Magalhães. Lucro e reputação. Interações entre bancos e
organizações sociais na construção das políticas socioambientais.
Ricardo Abramovay é professor titular do departamento de Economia da
FEA/USP e Coordenador do Núcleo de Economia Socioambiental (NESA),
pesquisador do CNPq e da Fapesp. /www.abramovay.pro.br/
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
Desenvolvimento dito sustentável...
Por favor se comentar deixe um email para contato.
Com certeza, uso de transportes com uma equação de matéria e energia mais eficiente faz todo sentido. A prioridade é andar a pé, andar de bicicleta e usar transporte coletivo. Automóvel particular só para pessoas com necessidades especiais ou idosos. A eficiência de energia de um automóvel é baixíssima, estima-se só 1%. Esse transporte ineficiente – e letal, se alterado, evitaria a necessidade de construir várias e várias usinas Belo Monte. Obviamente que mesmo um sistema de transporte mais eficiente irá esbarrar na primeira restrição mais óbvia, que é o espaço territorial finito e constante que não poderá ser entupido de trens, ônibus, etc., sem causar antes disso, um colapso dos sistemas de sustentação da vida na Terra.
Voltamos a um ponto crucial: não existe falta de energia, mas desperdício de energia. Buscar fontes alternativas de energia “ditas mais limpas” não diminui a pressão humana sobre a Terra, ao contrário, aumenta. Do ponto de vista técnico ou tecnológico não existe energia limpa (mais um novo mito) e as alternativas até agora não são substitutos viáveis tanto em distribuição quanto em escala dos combustíveis fósseis, que seguirão sendo usados em qualquer futuro visível. O único caminho é reduzir o desperdício e a ineficiência de energia estimado em 40 a 60% no mundo todo. Só para manter as luzes vermelhas dos aparelhos eletrônicos nos lares dos Estados Unidos (“standby”) é consumido 10% do total de energia daquele país, de acordo com a Worldwatch. A redução do desperdício seria suficiente para atender as metas de redução de emissões do IPCC, mas não seriam suficientes para manter essa redução, caso insistirmos na idiotia do crescimento eterno.
Mas o artigo do Lessa abaixo, tem uma construção que pode ser colocada numa perspectiva bem clara, pois ele tenta responder duas perguntas presentes no ideário de todas as pessoas, não importa a sua ideologia:
1) O desenvolvimento traz bem estar às pessoas?
2) Tal desenvolvimento é viável do ponto de vista ambiental e planetário?
Para a primeira pergunta, as respostas podem ser sim (S) ou não (N). Para a segunda pergunta, temos três respostas possíveis: (S), (N) e ignorado (I). Existe uma cartela de respostas possíveis, mas só encontramos quatro possibilidades que explicam a situação – e o conflito – existente no discurso trazido por esse artigo, onde em (X,Y), X é a resposta da primeira pergunta e Y da segunda:
(S,S) – esse seria o mundo ideal, meta da economia ecológica ou de todos os pensadores sérios em busca de um novo paradigma do nosso sistema econômico antes da nossa própria extinção;
(S,N) – esse é o mundo dos que desejam manter o status quo das populações, sem nenhuma restrição aos padrões de vida e sociais, que devem aumentar de forma perene e, ao mesmo tempo, com milagres da ecoeficiência ou da tecnologia (“craddle to craddle”, etc.), possibilitar fazer tudo isso e tornar o modelo crescente e megalomaníaco viável planetariamente – para esses vale o velho ditado: “the road to hell is paved with good intentions”;
(S,I) – esse é o mundo do pensamento dominante que rege o mundo à nossa volta, pois ignorar se o desenvolvimento pode ou não ser restringido pelo planeta e sua morfologia é a maneira mais fácil (e estúpida ou suicida) de manter o status quo e ainda justificá-lo através da meta de trazer bem estar às pessoas carentes (não existe hipocrisia ou ignorância maior que essa);
(N,N) – essa é a realidade estonteante à nossa volta, onde países como os Estados Unidos que fizeram tudo que desejamos fazer, estão em uma crise sem solução e onde ficou escancarado que o sistema econômico-político nem voltado para vida das pessoas está; além disso está bem claro que não temos um modelo sustentável onde quer que investiguemos no planeta inteiro, a menos que se acredite que o vazamento das externalidades dos países ricos, mesmo os do norte da Europa, se universalizados globalmente, serão exportados para fora do nosso planeta.
As respostas acima mostram de forma emblemática como duas visões de mundo, aparentemente antagônicas [(S,N) e (S,I)], estão totalmente desconectadas da realidade social e ambiental (N,N) à nossa volta, ao mesmo tempo que a visão alternativa (S,S) não possui ainda nenhum caminho prático ou aceitação que a eleve da posição de mera especulação teórica para realmente alterar o futuro comum de todas as espécies de uma teia de vida na qual somos todos um.
As soluções existem, só não há ainda caminhos econômicos e políticos para elas, com alguma relevância digna de ser notada para alterar o maior processo de extinção já em curso da vida desse planeta dos últimos 65 milhões de anos.
Hugo Penteado
Valor Econômico, 10 de novembro de 2010
O desenvolvimento dito sustentável
Carlos Lessa
10/11/2010
O neomalthusianismo, adepto do controle e da "redução" demográfica, tem versões modernas. O Clube de Roma chamou atenção para a exaustão dos recursos econômicos não renováveis, com a ideia subjacente de uma expansão demográfica sobre a biosfera não renovável. O "homo sapiens" instalado na biosfera vem prosperando numericamente e multiplicando (com enorme assimetrias) o padrão de vida. A população, tal como uma colônia de cupins instalada em uma viga de madeira, pode se alimentar bem, inclusive
multiplicando os membros e sua colônia. Porém, quando a viga de madeira é corroída, a colônia de cupins desaparece. A ideia é que o planeta tem certa disponibilidade de terra, água, minérios e oxigênio equivalente a uma viga de madeira e o uso crescente dessa disponibilidade apontaria para um apocalipse. Variações geoclimáticas, novas pragas e doenças ou fantasias dignas de filmes de terror sinalizam que o desenvolvimento das forças produtivas é irresponsável.
De forma bem educada, há crescente deposição de confiança no desenvolvimento científico e tecnológico, que funciona como um multiplicador de acessos aos recursos existentes, redefinindo e ampliando sua aplicabilidade aos padrões sociais. Em simultâneo, prosperou o discurso que propõe padrões de sustentabilidade, isto é, a prevalência de um sistema redutor de desperdícios. A tarefa da ciência e tecnologia seria o desenvolvimento de novas técnicas que permitissem reduzir o desperdício,
ou seja, multiplicar o que o "homo sapiens" utiliza da biosfera. Se a ciência e tecnologia estiverem orientadas para a redução do desperdício, e as normas sociais assimilarem essas técnicas, o mundo iria evoluir para uma economia de baixo carbono.
Nenhum recurso é tão importante e essencial para os padrões de vida da atualidade, inclusive de suas assimetrias, do que a energia fóssil concentrada em carvão e, principalmente, em petróleo. O petróleo do pré-sal brasileiro abre para o Brasil a possibilidade de encaminhar nossas forças produtivas em direção à superação de nossas assimetrias e desigualdades sociais.
O petróleo do pré-sal não desaparecerá. Com a falta do combustível, o país pode ampliar a sua soberania
Tudo leva a crer que a presidente Dilma considera que o desenvolvimento dos campos do pré-sal irá gerar, pelas exportações de petróleo cru, os recursos necessários para evoluirmos em direção a uma sociedade mais justa e adepta de práticas de redução de desperdício e produção com baixo carbono. Essa é uma visão gratificante, porém ingênua.
Se a humanidade superar a crise e voltar a crescer, o preço do petróleo cru se elevará. Minérios mais difíceis, como areias betuminosas ou prospecção em zonas desérticas, glaciares ou marinhas serão procedimentos para obter algum "novo" petróleo. Quem dispõe do petróleo da Península Arábica (custo de extração próximo a US$ 1 por barril) ou do brasileiro (com o pré-sal a US$ 25 por barril) estará recebendo um ganho crescente, pois o preço mundial será comandado pelo petróleo com alto custo. Como o petróleo está presente em praticamente toda produção de bens e serviços, haverá inexoravelmente uma inflação de custo, o que significa que durante
décadas o petróleo será cada vez mais caro, com valor superior ao ouro ou a título de dívida de qualquer país como "base" financeira. Isso irá se refletir no cenário geopolítico e geoeconômico. Mesmo após um colapso parcial derivado da escassez, o que sobrar de petróleo seguirá sendo uma base financeira de crescente importância.
O Brasil não deve transferir propriedade de reserva de petróleo para nenhuma outra companhia que não a Petrobras. Principalmente não devemos nos converter em exportadores de petróleo cru. Utilizemos o pré-sal para desenvolver a matriz hidrelétrica. Utilizemos nossa nova base financeira para captar recursos que nos permitam mudar radicalmente a estrutura de transporte brasileira: precisamos de ferrovias que integrem todas as regiões e façam nossa ligação com o Pacífico; precisamos desenvolver a indústria naval, a navegação de cabotagem e a utilização racional de nossas bacias hidrográficas.
O petróleo do pré-sal tem que ser exportado gota a gota, e cada gota deve ter um destino pensado e relevante para o desenvolvimento das forças produtivas, do mercado interno e da ampliação das políticas sociais e da educação.
Nas condições atuais, a exportação do petróleo do pré-sal instalará no Brasil a doença da desindustrialização e servirá, inclusive, para importarmos alface francesa pré-lavada, à venda nos supermercados dos bairros com alto poder aquisitivo. Em vez da reforma e ampliação infraestrutural, as exportações do pré-sal podem se converter numa maldição.
O argumento entreguista pró-exportação do pré-sal se alinha com o desejo de ampliar investimentos brasileiros no exterior; com o argumento de como o petróleo vai se esgotar e, então, é melhor vendê-lo logo, para nos beneficiarmos da demanda. O petróleo do pré-sal não vai desaparecer. E, com a escassez do petróleo, o Brasil pode ampliar sua soberania.
Presidente Dilma, não embarque na canoa furada de utilizar a exportação de petróleo para preparar o Brasil para a economia de baixo carbono. Isso é profundamente ingênuo. O Brasil tem que ampliar o mercado interno, multiplicar empregos urbanos de qualidade, combater os desperdícios pelo controle dos padrões tecnológicos utilizados pelas filiais estrangeiras no Brasil. É impressionante a diferença de produtos de marca entre os aqui disponíveis e os fabricados pelas filiais das mesmas multinacionais no primeiro mundo. Sem navegação de cabotagem e ferrovias troncais, o Brasil continuará a transportar por caminhão do Oiapoque ao Chuí - e esse é o principal desperdício de petróleo.
Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do BNDES; escreve mensalmente às quartas-feiras.
Com certeza, uso de transportes com uma equação de matéria e energia mais eficiente faz todo sentido. A prioridade é andar a pé, andar de bicicleta e usar transporte coletivo. Automóvel particular só para pessoas com necessidades especiais ou idosos. A eficiência de energia de um automóvel é baixíssima, estima-se só 1%. Esse transporte ineficiente – e letal, se alterado, evitaria a necessidade de construir várias e várias usinas Belo Monte. Obviamente que mesmo um sistema de transporte mais eficiente irá esbarrar na primeira restrição mais óbvia, que é o espaço territorial finito e constante que não poderá ser entupido de trens, ônibus, etc., sem causar antes disso, um colapso dos sistemas de sustentação da vida na Terra.
Voltamos a um ponto crucial: não existe falta de energia, mas desperdício de energia. Buscar fontes alternativas de energia “ditas mais limpas” não diminui a pressão humana sobre a Terra, ao contrário, aumenta. Do ponto de vista técnico ou tecnológico não existe energia limpa (mais um novo mito) e as alternativas até agora não são substitutos viáveis tanto em distribuição quanto em escala dos combustíveis fósseis, que seguirão sendo usados em qualquer futuro visível. O único caminho é reduzir o desperdício e a ineficiência de energia estimado em 40 a 60% no mundo todo. Só para manter as luzes vermelhas dos aparelhos eletrônicos nos lares dos Estados Unidos (“standby”) é consumido 10% do total de energia daquele país, de acordo com a Worldwatch. A redução do desperdício seria suficiente para atender as metas de redução de emissões do IPCC, mas não seriam suficientes para manter essa redução, caso insistirmos na idiotia do crescimento eterno.
Mas o artigo do Lessa abaixo, tem uma construção que pode ser colocada numa perspectiva bem clara, pois ele tenta responder duas perguntas presentes no ideário de todas as pessoas, não importa a sua ideologia:
1) O desenvolvimento traz bem estar às pessoas?
2) Tal desenvolvimento é viável do ponto de vista ambiental e planetário?
Para a primeira pergunta, as respostas podem ser sim (S) ou não (N). Para a segunda pergunta, temos três respostas possíveis: (S), (N) e ignorado (I). Existe uma cartela de respostas possíveis, mas só encontramos quatro possibilidades que explicam a situação – e o conflito – existente no discurso trazido por esse artigo, onde em (X,Y), X é a resposta da primeira pergunta e Y da segunda:
(S,S) – esse seria o mundo ideal, meta da economia ecológica ou de todos os pensadores sérios em busca de um novo paradigma do nosso sistema econômico antes da nossa própria extinção;
(S,N) – esse é o mundo dos que desejam manter o status quo das populações, sem nenhuma restrição aos padrões de vida e sociais, que devem aumentar de forma perene e, ao mesmo tempo, com milagres da ecoeficiência ou da tecnologia (“craddle to craddle”, etc.), possibilitar fazer tudo isso e tornar o modelo crescente e megalomaníaco viável planetariamente – para esses vale o velho ditado: “the road to hell is paved with good intentions”;
(S,I) – esse é o mundo do pensamento dominante que rege o mundo à nossa volta, pois ignorar se o desenvolvimento pode ou não ser restringido pelo planeta e sua morfologia é a maneira mais fácil (e estúpida ou suicida) de manter o status quo e ainda justificá-lo através da meta de trazer bem estar às pessoas carentes (não existe hipocrisia ou ignorância maior que essa);
(N,N) – essa é a realidade estonteante à nossa volta, onde países como os Estados Unidos que fizeram tudo que desejamos fazer, estão em uma crise sem solução e onde ficou escancarado que o sistema econômico-político nem voltado para vida das pessoas está; além disso está bem claro que não temos um modelo sustentável onde quer que investiguemos no planeta inteiro, a menos que se acredite que o vazamento das externalidades dos países ricos, mesmo os do norte da Europa, se universalizados globalmente, serão exportados para fora do nosso planeta.
As respostas acima mostram de forma emblemática como duas visões de mundo, aparentemente antagônicas [(S,N) e (S,I)], estão totalmente desconectadas da realidade social e ambiental (N,N) à nossa volta, ao mesmo tempo que a visão alternativa (S,S) não possui ainda nenhum caminho prático ou aceitação que a eleve da posição de mera especulação teórica para realmente alterar o futuro comum de todas as espécies de uma teia de vida na qual somos todos um.
As soluções existem, só não há ainda caminhos econômicos e políticos para elas, com alguma relevância digna de ser notada para alterar o maior processo de extinção já em curso da vida desse planeta dos últimos 65 milhões de anos.
Hugo Penteado
Valor Econômico, 10 de novembro de 2010
O desenvolvimento dito sustentável
Carlos Lessa
10/11/2010
O neomalthusianismo, adepto do controle e da "redução" demográfica, tem versões modernas. O Clube de Roma chamou atenção para a exaustão dos recursos econômicos não renováveis, com a ideia subjacente de uma expansão demográfica sobre a biosfera não renovável. O "homo sapiens" instalado na biosfera vem prosperando numericamente e multiplicando (com enorme assimetrias) o padrão de vida. A população, tal como uma colônia de cupins instalada em uma viga de madeira, pode se alimentar bem, inclusive
multiplicando os membros e sua colônia. Porém, quando a viga de madeira é corroída, a colônia de cupins desaparece. A ideia é que o planeta tem certa disponibilidade de terra, água, minérios e oxigênio equivalente a uma viga de madeira e o uso crescente dessa disponibilidade apontaria para um apocalipse. Variações geoclimáticas, novas pragas e doenças ou fantasias dignas de filmes de terror sinalizam que o desenvolvimento das forças produtivas é irresponsável.
De forma bem educada, há crescente deposição de confiança no desenvolvimento científico e tecnológico, que funciona como um multiplicador de acessos aos recursos existentes, redefinindo e ampliando sua aplicabilidade aos padrões sociais. Em simultâneo, prosperou o discurso que propõe padrões de sustentabilidade, isto é, a prevalência de um sistema redutor de desperdícios. A tarefa da ciência e tecnologia seria o desenvolvimento de novas técnicas que permitissem reduzir o desperdício,
ou seja, multiplicar o que o "homo sapiens" utiliza da biosfera. Se a ciência e tecnologia estiverem orientadas para a redução do desperdício, e as normas sociais assimilarem essas técnicas, o mundo iria evoluir para uma economia de baixo carbono.
Nenhum recurso é tão importante e essencial para os padrões de vida da atualidade, inclusive de suas assimetrias, do que a energia fóssil concentrada em carvão e, principalmente, em petróleo. O petróleo do pré-sal brasileiro abre para o Brasil a possibilidade de encaminhar nossas forças produtivas em direção à superação de nossas assimetrias e desigualdades sociais.
O petróleo do pré-sal não desaparecerá. Com a falta do combustível, o país pode ampliar a sua soberania
Tudo leva a crer que a presidente Dilma considera que o desenvolvimento dos campos do pré-sal irá gerar, pelas exportações de petróleo cru, os recursos necessários para evoluirmos em direção a uma sociedade mais justa e adepta de práticas de redução de desperdício e produção com baixo carbono. Essa é uma visão gratificante, porém ingênua.
Se a humanidade superar a crise e voltar a crescer, o preço do petróleo cru se elevará. Minérios mais difíceis, como areias betuminosas ou prospecção em zonas desérticas, glaciares ou marinhas serão procedimentos para obter algum "novo" petróleo. Quem dispõe do petróleo da Península Arábica (custo de extração próximo a US$ 1 por barril) ou do brasileiro (com o pré-sal a US$ 25 por barril) estará recebendo um ganho crescente, pois o preço mundial será comandado pelo petróleo com alto custo. Como o petróleo está presente em praticamente toda produção de bens e serviços, haverá inexoravelmente uma inflação de custo, o que significa que durante
décadas o petróleo será cada vez mais caro, com valor superior ao ouro ou a título de dívida de qualquer país como "base" financeira. Isso irá se refletir no cenário geopolítico e geoeconômico. Mesmo após um colapso parcial derivado da escassez, o que sobrar de petróleo seguirá sendo uma base financeira de crescente importância.
O Brasil não deve transferir propriedade de reserva de petróleo para nenhuma outra companhia que não a Petrobras. Principalmente não devemos nos converter em exportadores de petróleo cru. Utilizemos o pré-sal para desenvolver a matriz hidrelétrica. Utilizemos nossa nova base financeira para captar recursos que nos permitam mudar radicalmente a estrutura de transporte brasileira: precisamos de ferrovias que integrem todas as regiões e façam nossa ligação com o Pacífico; precisamos desenvolver a indústria naval, a navegação de cabotagem e a utilização racional de nossas bacias hidrográficas.
O petróleo do pré-sal tem que ser exportado gota a gota, e cada gota deve ter um destino pensado e relevante para o desenvolvimento das forças produtivas, do mercado interno e da ampliação das políticas sociais e da educação.
Nas condições atuais, a exportação do petróleo do pré-sal instalará no Brasil a doença da desindustrialização e servirá, inclusive, para importarmos alface francesa pré-lavada, à venda nos supermercados dos bairros com alto poder aquisitivo. Em vez da reforma e ampliação infraestrutural, as exportações do pré-sal podem se converter numa maldição.
O argumento entreguista pró-exportação do pré-sal se alinha com o desejo de ampliar investimentos brasileiros no exterior; com o argumento de como o petróleo vai se esgotar e, então, é melhor vendê-lo logo, para nos beneficiarmos da demanda. O petróleo do pré-sal não vai desaparecer. E, com a escassez do petróleo, o Brasil pode ampliar sua soberania.
Presidente Dilma, não embarque na canoa furada de utilizar a exportação de petróleo para preparar o Brasil para a economia de baixo carbono. Isso é profundamente ingênuo. O Brasil tem que ampliar o mercado interno, multiplicar empregos urbanos de qualidade, combater os desperdícios pelo controle dos padrões tecnológicos utilizados pelas filiais estrangeiras no Brasil. É impressionante a diferença de produtos de marca entre os aqui disponíveis e os fabricados pelas filiais das mesmas multinacionais no primeiro mundo. Sem navegação de cabotagem e ferrovias troncais, o Brasil continuará a transportar por caminhão do Oiapoque ao Chuí - e esse é o principal desperdício de petróleo.
Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do BNDES; escreve mensalmente às quartas-feiras.
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
DEEP PEACE IN TECHNO-UTOPIA
Por favor se comentar deixe um email para contato.
DEEP PEACE IN TECHNO-UTOPIA
A new film on Channel 4 disses the greens while dodging the issue of power.
By George Monbiot. Published in the Guardian 5th November 2010.
So Channel 4 has done it again. Over the past 20 years, it has
broadcast a series of polemics about the environment, and most of them
have been fiercely anti-green(1). On other issues Channel 4?s films
attack all sides. Not on the environment.
Last night it aired yet another polemic: What the Green Movement Got
Wrong. This one was presented by two people who still consider
themselves green: Stewart Brand and Mark Lynas. It?s not as rabid as
the other films. But, like its predecessors, it airs blatant
falsehoods about environmentalists and fits snugly into the corporate
agenda. The film is based on Brand?s book, Whole Earth Discipline(2).
He argues that greens, by failing to embrace the right technologies,
have impeded both environmental and social progress. Not everything he
says is wrong, but his account is infused with magical thinking, in
which technology is expected to solve all political and economic
problems. This view, now popular among green business consultants, is
sustained by ignoring the issue of power.
The film starts, for example, by blaming greens for the failure of
environmental policies. But, as a paper published in the journal
Environmental Politics shows, green movements have continued to grow,
reaching more people every year. What has changed is that a powerful
counter-movement, led by corporate-funded thinktanks, has waged war on
green policies(3). ?This counter-movement has been central to the
reversal of US support for environmental protection, both domestically
and internationally.? A similar shift has taken place in other
countries.
Many of the thinktanks were set up in the 1970s by businesses and
multi-millionaires seeking to limit employment rights and prevent the
distribution of wealth. After the collapse of Soviet communism, their
funders? attention switched from the red menace to the green menace.
This lobby had access to money and government that the greens could
only dream of. For environmentalists to blame each other for the lack
of progress is to betray a startling absence of context.
But Brand?s vision depends on forgetting the context. He maintains
that we will save the biosphere by adopting nuclear energy, GM crops
and geo-engineering, and paints a buoyant picture of a world running
like clockwork on these new technologies. Without a critique of power,
his techno-utopianism is pure fantasy. Nuclear electricity may indeed
be part of the solution, but the real climate challenge is not getting
into new technologies, but getting out of old ones. This means
confronting some of the world?s most powerful forces, a theme with no
place in Brand?s story.
Similarly, though the world has had food surpluses for many years,
almost a billion people are permanently hungry, while enough grain to
feed them several times over is given to animals and used to make
biofuels. This is not because technology is lacking, but because the
poor lack economic and political power. The film?s proposal ? that we
should switch to technologies which tend to be monopolised by large
conglomerates - could exacerbate this problem.
Brand?s attempts to avoid conflicts with power are understandable: he
founded a corporate consultancy called the Global Business Network(4).
But the ideology he has embraced has brought him closer to the
corporate lobby groups than he might be aware.
For example, the film maintains that, as a result of campaigning by
groups such as Greenpeace, the pesticide DDT was banned worldwide. The
result was that malaria took off in Africa, ?killing millions?*. Just
one problem: DDT for disease control wasn?t banned (if you don?t
believe me, read Annex B of the 2001 Stockholm Convention(5)) and
Greenpeace didn?t call for it to happen(6). The ban story was a myth
put about by lobbyists to discredit the greens(7). In the film,
Stewart Brand says he wants greens to admit it when they?re wrong. I
challenged him to admit that he got the DDT story wrong before the
film aired. I received no reply(8).
Brand and Lynas present themselves as heretics. But their convenient
fictions chime with the thinking of the new establishment:
corporations, thinktanks, neoliberal politicians. The true heretics
are those who remind us that neither social nor environmental progress
are possible unless power is confronted.
Environmentalism is not just about replacing one set of technologies
with another. Technological change is important, but it will protect
the biosphere only if we also tackle issues such as economic growth,
consumerism and corporate power. These are the challenges the green
movement asks us to address. These are the issues the film ignores.
www.monbiot.com
*This refers to the pre-transmission version, whose transcript I had.
A couple of hours before the programme was broadcast, and after this
article went to press, the script was changed as a result of a
complaint by Greenpeace about its defamatory nature. The DDT passage
remained wrong in several respects however. Brand?s book maintains
that ?DDT was banned worldwide?, and that the ?ban? may have killed 20
million children.
References:
1.
http://www.monbiot.com/archives/2008/07/21/distortions-falsehoods-fabrications/
2. Stewart Brand, 2010. Whole Earth Discipline. Atlantic Books, London.
3. Peter Jacques; Riley Dunlap; Mark Freeman, 2008. The organisation
of denial: Conservative think tanks and environmental scepticism.
Environmental Politics, 17:3, 349-385. DOI: 10.1080/09644010802055576.
http://www.informaworld.com/smpp/content~content=a793291693~db=all~order=page
4. http://www.gbn.com/
5.
http://chm.pops.int/Convention/tabid/54/language/en-US/Default.aspx#convtext
6. Greenpeace has repeatedly contacted the lobbyists circulating this
myth to explain that it didn?t call for a ban on DDT for
disease-control purposes, but they keep repeating it.
7. http://www.prospectmagazine.co.uk/2008/05/rehabilitatingcarson/
8. Email sent at 11.22am on 3rd November, and, to other addresses,
later that afternoon.
DEEP PEACE IN TECHNO-UTOPIA
A new film on Channel 4 disses the greens while dodging the issue of power.
By George Monbiot. Published in the Guardian 5th November 2010.
So Channel 4 has done it again. Over the past 20 years, it has
broadcast a series of polemics about the environment, and most of them
have been fiercely anti-green(1). On other issues Channel 4?s films
attack all sides. Not on the environment.
Last night it aired yet another polemic: What the Green Movement Got
Wrong. This one was presented by two people who still consider
themselves green: Stewart Brand and Mark Lynas. It?s not as rabid as
the other films. But, like its predecessors, it airs blatant
falsehoods about environmentalists and fits snugly into the corporate
agenda. The film is based on Brand?s book, Whole Earth Discipline(2).
He argues that greens, by failing to embrace the right technologies,
have impeded both environmental and social progress. Not everything he
says is wrong, but his account is infused with magical thinking, in
which technology is expected to solve all political and economic
problems. This view, now popular among green business consultants, is
sustained by ignoring the issue of power.
The film starts, for example, by blaming greens for the failure of
environmental policies. But, as a paper published in the journal
Environmental Politics shows, green movements have continued to grow,
reaching more people every year. What has changed is that a powerful
counter-movement, led by corporate-funded thinktanks, has waged war on
green policies(3). ?This counter-movement has been central to the
reversal of US support for environmental protection, both domestically
and internationally.? A similar shift has taken place in other
countries.
Many of the thinktanks were set up in the 1970s by businesses and
multi-millionaires seeking to limit employment rights and prevent the
distribution of wealth. After the collapse of Soviet communism, their
funders? attention switched from the red menace to the green menace.
This lobby had access to money and government that the greens could
only dream of. For environmentalists to blame each other for the lack
of progress is to betray a startling absence of context.
But Brand?s vision depends on forgetting the context. He maintains
that we will save the biosphere by adopting nuclear energy, GM crops
and geo-engineering, and paints a buoyant picture of a world running
like clockwork on these new technologies. Without a critique of power,
his techno-utopianism is pure fantasy. Nuclear electricity may indeed
be part of the solution, but the real climate challenge is not getting
into new technologies, but getting out of old ones. This means
confronting some of the world?s most powerful forces, a theme with no
place in Brand?s story.
Similarly, though the world has had food surpluses for many years,
almost a billion people are permanently hungry, while enough grain to
feed them several times over is given to animals and used to make
biofuels. This is not because technology is lacking, but because the
poor lack economic and political power. The film?s proposal ? that we
should switch to technologies which tend to be monopolised by large
conglomerates - could exacerbate this problem.
Brand?s attempts to avoid conflicts with power are understandable: he
founded a corporate consultancy called the Global Business Network(4).
But the ideology he has embraced has brought him closer to the
corporate lobby groups than he might be aware.
For example, the film maintains that, as a result of campaigning by
groups such as Greenpeace, the pesticide DDT was banned worldwide. The
result was that malaria took off in Africa, ?killing millions?*. Just
one problem: DDT for disease control wasn?t banned (if you don?t
believe me, read Annex B of the 2001 Stockholm Convention(5)) and
Greenpeace didn?t call for it to happen(6). The ban story was a myth
put about by lobbyists to discredit the greens(7). In the film,
Stewart Brand says he wants greens to admit it when they?re wrong. I
challenged him to admit that he got the DDT story wrong before the
film aired. I received no reply(8).
Brand and Lynas present themselves as heretics. But their convenient
fictions chime with the thinking of the new establishment:
corporations, thinktanks, neoliberal politicians. The true heretics
are those who remind us that neither social nor environmental progress
are possible unless power is confronted.
Environmentalism is not just about replacing one set of technologies
with another. Technological change is important, but it will protect
the biosphere only if we also tackle issues such as economic growth,
consumerism and corporate power. These are the challenges the green
movement asks us to address. These are the issues the film ignores.
www.monbiot.com
*This refers to the pre-transmission version, whose transcript I had.
A couple of hours before the programme was broadcast, and after this
article went to press, the script was changed as a result of a
complaint by Greenpeace about its defamatory nature. The DDT passage
remained wrong in several respects however. Brand?s book maintains
that ?DDT was banned worldwide?, and that the ?ban? may have killed 20
million children.
References:
1.
http://www.monbiot.com/archives/2008/07/21/distortions-falsehoods-fabrications/
2. Stewart Brand, 2010. Whole Earth Discipline. Atlantic Books, London.
3. Peter Jacques; Riley Dunlap; Mark Freeman, 2008. The organisation
of denial: Conservative think tanks and environmental scepticism.
Environmental Politics, 17:3, 349-385. DOI: 10.1080/09644010802055576.
http://www.informaworld.com/smpp/content~content=a793291693~db=all~order=page
4. http://www.gbn.com/
5.
http://chm.pops.int/Convention/tabid/54/language/en-US/Default.aspx#convtext
6. Greenpeace has repeatedly contacted the lobbyists circulating this
myth to explain that it didn?t call for a ban on DDT for
disease-control purposes, but they keep repeating it.
7. http://www.prospectmagazine.co.uk/2008/05/rehabilitatingcarson/
8. Email sent at 11.22am on 3rd November, and, to other addresses,
later that afternoon.
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
Evento discutirá no Amazonas "Qualidade de vida para todas as espécies"
Por favor se comentar deixe um email para contato.
Ver em: http://portalamazonia.globo.com/pscript/noticias/noticias.php?idN=113878
MANAUS- Pensadores de diversas nacionalidades e diferentes área do conhecimento participaraão no Amazonas, do primeiro TEDx Amazônia, evento que acontece no auditório flutuante do Amazon Jungle Palace, às margens do Rio Negro, nos dias 6 e 7 de novembro. Durante o evento será discutido o tema “Qualidade de vida para todas as espécies”.
O executivo Hugo Penteado, economista-chefe da Santander Asset Managment e especialista em ecoeconomia será um dos palestrantes do evento, com a palestra “Economia Ecológica e Sustentabilidade”. Penteado fará um resumo dos problemas socioambientais criados pelo atual sistema econômico, mostrando como a teoria econômica tradicional simplesmente ignora os fatores sociais e ambientais em suas teorias.
Para Hugo, o uso de leis da física de 200 anos atrás continuam influenciando na direção errada as políticas dos governos e empresas, tornando-os cegos em relação ao desastre ambiental que acabará se tornando um grande empecilho na sua meta de maximizar lucros.
“Temos um desafio enorme pela frente. Estamos assistindo a uma escalada dos problemas sociais, ambientais e econômicos. Há uma urgência de mudanças e de caminhos diferentes”, avalia o economista.
As inscrições para o evento já estão encerradas, os interessados podem acessar o site – www.tedxamazonia.com.br.
Ver em: http://portalamazonia.globo.com/pscript/noticias/noticias.php?idN=113878
MANAUS- Pensadores de diversas nacionalidades e diferentes área do conhecimento participaraão no Amazonas, do primeiro TEDx Amazônia, evento que acontece no auditório flutuante do Amazon Jungle Palace, às margens do Rio Negro, nos dias 6 e 7 de novembro. Durante o evento será discutido o tema “Qualidade de vida para todas as espécies”.
O executivo Hugo Penteado, economista-chefe da Santander Asset Managment e especialista em ecoeconomia será um dos palestrantes do evento, com a palestra “Economia Ecológica e Sustentabilidade”. Penteado fará um resumo dos problemas socioambientais criados pelo atual sistema econômico, mostrando como a teoria econômica tradicional simplesmente ignora os fatores sociais e ambientais em suas teorias.
Para Hugo, o uso de leis da física de 200 anos atrás continuam influenciando na direção errada as políticas dos governos e empresas, tornando-os cegos em relação ao desastre ambiental que acabará se tornando um grande empecilho na sua meta de maximizar lucros.
“Temos um desafio enorme pela frente. Estamos assistindo a uma escalada dos problemas sociais, ambientais e econômicos. Há uma urgência de mudanças e de caminhos diferentes”, avalia o economista.
As inscrições para o evento já estão encerradas, os interessados podem acessar o site – www.tedxamazonia.com.br.
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
A história de uma brasileira, os anônimos do nosso país e do mundo
Por favor se comentar deixe um email para contato.
Sobre a nossa brasileira, não vou dizer o nome nem a empresa onde ela trabalha, vou apenas dizer como é a vida dela. Ela acorda às três da manhã, para chegar no seu primeiro emprego, às cinco. Como todo cidadão de uma cidade feroz como São Paulo, onde o trânsito flui mal, mas é matador para quem mais precisa dele e vem de longe, nossa brasileira viaja aos trancos e barrancos. Os carros particulares cheio de pessoas esquisitas, barram a passagem dos coletivos, nem se dão ao trabalho de perceber que não têm prioridade alguma. Quando a cidade planejou corredores de ônibus foi uma grita geral, alguns brasileiros endinheirados que como de praxe nada respeitam, pegando acostamentos em estradas lotadas quando voltam das suas praias, também não respeitam esses corredores.
Nossa heroína chega às 5 da manhã para trabalhar até às 13 horas. Nesse emprego, onde trabalha de segunda a sábado ela ganha 520 reais brutos de uma empresa terceirizada pela grande corporação. O líquido para ela é 400 mais tickets alimentação e refeição somados de 150. Tudo dá 550. O trabalho dela é indispensável, pois ela limpa um andar inteiro de um prédio enorme apenas com a ajuda de mais uma outra funcionária igual a ela. A empresa terceirizada lucra em cima dela, tem um nome pomposo, é uma multinacional. Como esse dinheiro não dá, tem um seu segundo emprego numa casa de família, onde se preocupa com uma criança de 12 anos que passa a tarde com ela, com as camisas do marido da patroa, o jantar, etc. Ganha outros 500, a sorte é que nesse emprego ela não trabalha no sábado. O trabalho dela não poderia ser mais fundamental ou valioso. A patroa é uma pessoa boa, mas de uma forma geral mulheres histéricas e insatisfeitas no casamento, são exigentes de trabalhos domésticos e tratam nossas heroínas como se fossem máquinas. Poucos as enxergam como seres humanos antes de mais nada, nem se preocupam em dar uma perspectiva, um curso de gastronomia, nutrição, atendimento, plano de saúde, etc. Sem perspectiva.
Ela é uma heroína e se diz feliz e está sempre sorridente. Ao contrário das celebridades ou modeletes da vida, ela é realmente linda. Ela está entre os milhões de anônimos que nas estatísticas oficiais parecem estar vivendo melhor e ganhando mais. Tudo balela. Como todas as classes trabalhadoras, ela só tem uma folga por semana. A pressão do trabalho em cima das pessoas é enorme em todas as classes. André Gorz e Jeremy Rifkin têm toda razão, vivemos uma escravidão disfarçada, ou melhor, remunerada, mas que seja da pior forma possível, para um sistema que busca cada vez menos empregos. Rifkin fala em milagres, Gorz em abolição.
Como ela são milhões, feliz por ter um emprego, ao lado dos desesperados sem opção alguma nas vastas periferias desse país e do mundo, escondidas das estatísticas que os economistas se enganam e com elas enganam a todos: crescimento traz emprego e prosperidade permanente para todos. O adjetivo está errado, porque tudo em economia, tal como é esse sistema, é efêmero e o pronome indefinido no final correto é alguns ou cada vez menos pessoas. É uma galhofa os textos “técnicos” que enaltecem resultados como esses.
Perguntei para nossa heroína anônima se a vida dela melhorou e ela disse que não. Perguntei em quem ela iria votar no dia 31 de outubro e a resposta foi “ninguém”. Sobre os filhos, ela quer que as quatro filhas (são dois meninos) nem os tenham, é muito difícil criar uma criança nesse país. Mas "meus filhos são lindos e sou feliz", disse-me ela. Sorriso lindo.
Ela vale um milhão de celebridades desse país que não têm vergonha alguma em dizer que compraram um apartamento de 2.000 metros quadrados por 14 milhões de reais ou que compram iates, fazendas, e muito mais coisas que nem precisam. A riqueza e o poder foram feitos para servir e não para se servir deles e as reencarnações são ou uma segunda chance ou a última chance, para quem acredita nisso. No caso da nossa heroína, tenho certeza que ela agüenta o tranco dessa vida com uma ajuda externa incrível. No mundo material, a pergunta que todos deveriam fazer é “por que há quatro bilhões de pessoas vivendo em situação precaríssima num planeta cuja capacidade de sustentar toda a vida está sendo destruída veloz e perigosamente, apenas para atender a demanda de uma pequena minoria. Essa minoria, além de não viver bem, parece não se importar com nada além dos seus próprios umbigos.
Em outras palavras, enquanto a classe empresarial e governante continuar com seus simpósios de sustentabilidade e responsabilidade social com heroínas como essa debaixo dos seus narizes, não há como terem crédito algum. O sistema anterior – “se não podem poluir ou explorar mão de obra nos seus países, venham para cá” – era bem menos hipócrita.
O triste é que a história da nossa heroína é “usada” pela megalomania do crescimento e embora ela justifique a sanha construtora e empreendedora dos governos e empresas no mundo todo, ela pouco se beneficiará disso. É a falsa lembrança da história da nossa heroína que leva a todos ignorarem as idéias e ideais dos economistas ecológicos e cientistas que buscam um equilíbrio entre o nosso subsistema econômico-humano dentro do sistema maior hospedeiro, a Terra.
Hugo Penteado
Sobre a nossa brasileira, não vou dizer o nome nem a empresa onde ela trabalha, vou apenas dizer como é a vida dela. Ela acorda às três da manhã, para chegar no seu primeiro emprego, às cinco. Como todo cidadão de uma cidade feroz como São Paulo, onde o trânsito flui mal, mas é matador para quem mais precisa dele e vem de longe, nossa brasileira viaja aos trancos e barrancos. Os carros particulares cheio de pessoas esquisitas, barram a passagem dos coletivos, nem se dão ao trabalho de perceber que não têm prioridade alguma. Quando a cidade planejou corredores de ônibus foi uma grita geral, alguns brasileiros endinheirados que como de praxe nada respeitam, pegando acostamentos em estradas lotadas quando voltam das suas praias, também não respeitam esses corredores.
Nossa heroína chega às 5 da manhã para trabalhar até às 13 horas. Nesse emprego, onde trabalha de segunda a sábado ela ganha 520 reais brutos de uma empresa terceirizada pela grande corporação. O líquido para ela é 400 mais tickets alimentação e refeição somados de 150. Tudo dá 550. O trabalho dela é indispensável, pois ela limpa um andar inteiro de um prédio enorme apenas com a ajuda de mais uma outra funcionária igual a ela. A empresa terceirizada lucra em cima dela, tem um nome pomposo, é uma multinacional. Como esse dinheiro não dá, tem um seu segundo emprego numa casa de família, onde se preocupa com uma criança de 12 anos que passa a tarde com ela, com as camisas do marido da patroa, o jantar, etc. Ganha outros 500, a sorte é que nesse emprego ela não trabalha no sábado. O trabalho dela não poderia ser mais fundamental ou valioso. A patroa é uma pessoa boa, mas de uma forma geral mulheres histéricas e insatisfeitas no casamento, são exigentes de trabalhos domésticos e tratam nossas heroínas como se fossem máquinas. Poucos as enxergam como seres humanos antes de mais nada, nem se preocupam em dar uma perspectiva, um curso de gastronomia, nutrição, atendimento, plano de saúde, etc. Sem perspectiva.
Ela é uma heroína e se diz feliz e está sempre sorridente. Ao contrário das celebridades ou modeletes da vida, ela é realmente linda. Ela está entre os milhões de anônimos que nas estatísticas oficiais parecem estar vivendo melhor e ganhando mais. Tudo balela. Como todas as classes trabalhadoras, ela só tem uma folga por semana. A pressão do trabalho em cima das pessoas é enorme em todas as classes. André Gorz e Jeremy Rifkin têm toda razão, vivemos uma escravidão disfarçada, ou melhor, remunerada, mas que seja da pior forma possível, para um sistema que busca cada vez menos empregos. Rifkin fala em milagres, Gorz em abolição.
Como ela são milhões, feliz por ter um emprego, ao lado dos desesperados sem opção alguma nas vastas periferias desse país e do mundo, escondidas das estatísticas que os economistas se enganam e com elas enganam a todos: crescimento traz emprego e prosperidade permanente para todos. O adjetivo está errado, porque tudo em economia, tal como é esse sistema, é efêmero e o pronome indefinido no final correto é alguns ou cada vez menos pessoas. É uma galhofa os textos “técnicos” que enaltecem resultados como esses.
Perguntei para nossa heroína anônima se a vida dela melhorou e ela disse que não. Perguntei em quem ela iria votar no dia 31 de outubro e a resposta foi “ninguém”. Sobre os filhos, ela quer que as quatro filhas (são dois meninos) nem os tenham, é muito difícil criar uma criança nesse país. Mas "meus filhos são lindos e sou feliz", disse-me ela. Sorriso lindo.
Ela vale um milhão de celebridades desse país que não têm vergonha alguma em dizer que compraram um apartamento de 2.000 metros quadrados por 14 milhões de reais ou que compram iates, fazendas, e muito mais coisas que nem precisam. A riqueza e o poder foram feitos para servir e não para se servir deles e as reencarnações são ou uma segunda chance ou a última chance, para quem acredita nisso. No caso da nossa heroína, tenho certeza que ela agüenta o tranco dessa vida com uma ajuda externa incrível. No mundo material, a pergunta que todos deveriam fazer é “por que há quatro bilhões de pessoas vivendo em situação precaríssima num planeta cuja capacidade de sustentar toda a vida está sendo destruída veloz e perigosamente, apenas para atender a demanda de uma pequena minoria. Essa minoria, além de não viver bem, parece não se importar com nada além dos seus próprios umbigos.
Em outras palavras, enquanto a classe empresarial e governante continuar com seus simpósios de sustentabilidade e responsabilidade social com heroínas como essa debaixo dos seus narizes, não há como terem crédito algum. O sistema anterior – “se não podem poluir ou explorar mão de obra nos seus países, venham para cá” – era bem menos hipócrita.
O triste é que a história da nossa heroína é “usada” pela megalomania do crescimento e embora ela justifique a sanha construtora e empreendedora dos governos e empresas no mundo todo, ela pouco se beneficiará disso. É a falsa lembrança da história da nossa heroína que leva a todos ignorarem as idéias e ideais dos economistas ecológicos e cientistas que buscam um equilíbrio entre o nosso subsistema econômico-humano dentro do sistema maior hospedeiro, a Terra.
Hugo Penteado
terça-feira, 19 de outubro de 2010
Pegada ecológica x "economia verde"
Por favor se comentar deixe um email para contato.
Amplamente ignorado e infelizmente não é gente idiota que obtém essas constatações, isso é um conhecimento profundo.
No livro do Ricardo Arnt tem vários economistas tirando sarro dessa noção de consumir mais que um planeta quando é citada a conclusão do GFN entre as perguntas. Não são economistas quaisquer e sim formadores de opinião.
Enquanto isso nas empresas "sustentáveis", são distribuídos sacos plásticos para guarda-chuvas, copinhos plásticos aos borbotões e nas reuniões de sustentabilidade, principalmente, é chocante ver como nada mudou quando é onde mais se encontra produtos descartáveis, para os quais, não há milagre algum, nem a reciclagem, como muitos acreditam.
Hugo Penteado
Pegada ecológica x "economia verde"
José Eli da Veiga
Acaba de sair o mais completo balanço da insustentabilidade: o
Relatório Planeta Vivo 2010 . Essa é a oitava edição do documento
que mais notabilizou a Pegada Ecológica, publicado a cada dois anos
pelo WWF- Internacional (World Wide Fund For Nature), com a
Zoological Society of London (ZSL) e a Global Footprint Network
(GFN).
Esse balanço entre a pressão humana sobre a natureza e sua
capacidade regenerativa (ou "biocapacidade"), que surgiu no início
dos anos 1990, na Universidade de British Columbia, em Vancouver,
resultou de pesquisa do ecólogo William E. Rees. A metodologia foi
consolidada em 1994, em tese de doutorado de um de seus alunos, o
engenheiro suíço Mathis Wackernagel. Em seguida foi publicada em
co-autoria no livro "Our Ecological Footprint" (New Society Press,
1996). No entanto, por ter despertado grande interesse, proliferaram
cálculos pouco rigorosos, até que surgisse, a partir de 2003, a
normatização do GFN (www.footprintnetwork.org), dirigido por
Wackernagel.
É assustadora a principal revelação do oitavo relatório: em 2007 a
sobrecarga imposta pelas atividades humanas foi 50% maior que a
capacidade regenerativa do planeta. Além disso, o relatório também
apresenta projeções com base em diferentes variáveis relacionadas
ao consumo de recursos naturais, uso da terra e produtividade, graças
a uma nova "Calculadora de Cenário de Pegadas".
No cenário básico, a perspectiva não poderia ser mais tétrica: até
2030 a humanidade precisaria da biocapacidade de dois planetas
Terra para poder absorver as emissões de gases de efeito estufa
(GEE) e manter o consumo de recursos naturais. Cenários
alternativos, que pressupõem mudanças nos padrões de consumo e
nas matrizes energéticas, ilustram quais seriam as ações imediatas
capazes de reduzir o hiato entre a Pegada Ecológica e a
biocapacidade.
Entre a estabilidade e a necessidade de reduzir o impacto das
ações humanas não existe saída simplista
Três outros dados são cruciais. A biodiversidade global sofreu uma
queda de 30% em menos de quarenta anos, atesta o mais antigo
indicador do WWF - Internacional, o IPV: Índice Planeta Vivo. Chegam
a 71 os países com déficit em recursos hídricos suficiente para
comprometer a saúde de seus ecossistemas, aponta seu mais novo
indicador, o PHP: Pegada Hidrológica da Produção. Foi de 35% o salto
das emissões de GEE desde o primeiro relatório, de 1998.
Todavia, há uma séria disparidade entre a excelência desses
diagnósticos e o conteúdo do capítulo final - propositivo - intitulado
"Uma economia verde?". Dá a entender que a "economia verde"
preconizada pelo WWF- Internacional está na linha da "estratégia de
crescimento verde", esboçada em maio pelo conselho ministerial da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), e que se encontra em fase de consultas para que uma versão
definitiva seja adotada em 2011.
É péssima essa versão preliminar da estratégia da organização porque
tenta fazer de conta que o crescimento não constitui "dilema", como
evidenciou com muita clareza o relatório do governo britânico
"Prosperity without growth?" . Os ganhos de ecoeficiência que
reduzem a proporção de energia e de matéria em cada unidade de
produto são mais do que compensados pelo aumento da população e
de seus níveis e padrões de consumo. É a chamada "questão da
escala!", evidenciada pelo contraste entre as fortíssimas reduções de
intensidade de carbono das principais economias e o incessante
aumento de suas emissões em termos absolutos.
Ora, pertencem justamente à OCDE os raros países que já poderiam
planejar uma transição à condição estável, pois suas populações
deixaram de aumentar e a melhoria de sua qualidade de vida não
depende mais de aumento da produção. Como mostrou o modelo
macroeconométrico de Peter Victor para o caso do Canadá, descrito
no livro "Managing without growth; slower by design, not disaster"
(Edward Elgar, 2008).
Entre a manutenção da estabilidade social e a necessidade de reduzir
o impacto das atividades humanas sobre a natureza, não existe saída
simplista como pretendem os que especulam com essa ideia de um
suposto "crescimento verde". O dilema se impõe porque a pressão
sobre os ecossistemas não cessa de aumentar com a expansão da
economia: a desmaterialização não engendra alívio ecossistêmico.
Ao fazer de tudo para evitar o enfrentamento de um sério debate
sobre o "dilema do crescimento", a OCDE está compondo um
verdadeiro "samba do crioulo doido". É lamentável perceber,
portanto, que o WWF - Internacional se deixa ludibriar por tamanha
operação de auto engano.
Por último - mas não menos importante - o logro do "crescimento
verde" esboçado pela OCDE também ignora as recomendações da
Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi, feitas há exatamente um ano
(www.stiglitz-sen-fitoussi.fr). Em curta nota de rodapé, mal
reconhece a necessidade de superação dos atuais indicadores de
desempenho econômico e de qualidade de vida. Chocante, pois foi
decisiva a contribuição do Serviço de Estatísticas da OCDE para o
sucesso do trabalho dessa Comissão.
José Eli da Veiga é professor titular da USP (FEA e IRI), escreve mensalmente às terças. Página
web: www.zeeli.pro.br
Amplamente ignorado e infelizmente não é gente idiota que obtém essas constatações, isso é um conhecimento profundo.
No livro do Ricardo Arnt tem vários economistas tirando sarro dessa noção de consumir mais que um planeta quando é citada a conclusão do GFN entre as perguntas. Não são economistas quaisquer e sim formadores de opinião.
Enquanto isso nas empresas "sustentáveis", são distribuídos sacos plásticos para guarda-chuvas, copinhos plásticos aos borbotões e nas reuniões de sustentabilidade, principalmente, é chocante ver como nada mudou quando é onde mais se encontra produtos descartáveis, para os quais, não há milagre algum, nem a reciclagem, como muitos acreditam.
Hugo Penteado
Pegada ecológica x "economia verde"
José Eli da Veiga
Acaba de sair o mais completo balanço da insustentabilidade: o
Relatório Planeta Vivo 2010 . Essa é a oitava edição do documento
que mais notabilizou a Pegada Ecológica, publicado a cada dois anos
pelo WWF- Internacional (World Wide Fund For Nature), com a
Zoological Society of London (ZSL) e a Global Footprint Network
(GFN).
Esse balanço entre a pressão humana sobre a natureza e sua
capacidade regenerativa (ou "biocapacidade"), que surgiu no início
dos anos 1990, na Universidade de British Columbia, em Vancouver,
resultou de pesquisa do ecólogo William E. Rees. A metodologia foi
consolidada em 1994, em tese de doutorado de um de seus alunos, o
engenheiro suíço Mathis Wackernagel. Em seguida foi publicada em
co-autoria no livro "Our Ecological Footprint" (New Society Press,
1996). No entanto, por ter despertado grande interesse, proliferaram
cálculos pouco rigorosos, até que surgisse, a partir de 2003, a
normatização do GFN (www.footprintnetwork.org), dirigido por
Wackernagel.
É assustadora a principal revelação do oitavo relatório: em 2007 a
sobrecarga imposta pelas atividades humanas foi 50% maior que a
capacidade regenerativa do planeta. Além disso, o relatório também
apresenta projeções com base em diferentes variáveis relacionadas
ao consumo de recursos naturais, uso da terra e produtividade, graças
a uma nova "Calculadora de Cenário de Pegadas".
No cenário básico, a perspectiva não poderia ser mais tétrica: até
2030 a humanidade precisaria da biocapacidade de dois planetas
Terra para poder absorver as emissões de gases de efeito estufa
(GEE) e manter o consumo de recursos naturais. Cenários
alternativos, que pressupõem mudanças nos padrões de consumo e
nas matrizes energéticas, ilustram quais seriam as ações imediatas
capazes de reduzir o hiato entre a Pegada Ecológica e a
biocapacidade.
Entre a estabilidade e a necessidade de reduzir o impacto das
ações humanas não existe saída simplista
Três outros dados são cruciais. A biodiversidade global sofreu uma
queda de 30% em menos de quarenta anos, atesta o mais antigo
indicador do WWF - Internacional, o IPV: Índice Planeta Vivo. Chegam
a 71 os países com déficit em recursos hídricos suficiente para
comprometer a saúde de seus ecossistemas, aponta seu mais novo
indicador, o PHP: Pegada Hidrológica da Produção. Foi de 35% o salto
das emissões de GEE desde o primeiro relatório, de 1998.
Todavia, há uma séria disparidade entre a excelência desses
diagnósticos e o conteúdo do capítulo final - propositivo - intitulado
"Uma economia verde?". Dá a entender que a "economia verde"
preconizada pelo WWF- Internacional está na linha da "estratégia de
crescimento verde", esboçada em maio pelo conselho ministerial da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), e que se encontra em fase de consultas para que uma versão
definitiva seja adotada em 2011.
É péssima essa versão preliminar da estratégia da organização porque
tenta fazer de conta que o crescimento não constitui "dilema", como
evidenciou com muita clareza o relatório do governo britânico
"Prosperity without growth?" . Os ganhos de ecoeficiência que
reduzem a proporção de energia e de matéria em cada unidade de
produto são mais do que compensados pelo aumento da população e
de seus níveis e padrões de consumo. É a chamada "questão da
escala!", evidenciada pelo contraste entre as fortíssimas reduções de
intensidade de carbono das principais economias e o incessante
aumento de suas emissões em termos absolutos.
Ora, pertencem justamente à OCDE os raros países que já poderiam
planejar uma transição à condição estável, pois suas populações
deixaram de aumentar e a melhoria de sua qualidade de vida não
depende mais de aumento da produção. Como mostrou o modelo
macroeconométrico de Peter Victor para o caso do Canadá, descrito
no livro "Managing without growth; slower by design, not disaster"
(Edward Elgar, 2008).
Entre a manutenção da estabilidade social e a necessidade de reduzir
o impacto das atividades humanas sobre a natureza, não existe saída
simplista como pretendem os que especulam com essa ideia de um
suposto "crescimento verde". O dilema se impõe porque a pressão
sobre os ecossistemas não cessa de aumentar com a expansão da
economia: a desmaterialização não engendra alívio ecossistêmico.
Ao fazer de tudo para evitar o enfrentamento de um sério debate
sobre o "dilema do crescimento", a OCDE está compondo um
verdadeiro "samba do crioulo doido". É lamentável perceber,
portanto, que o WWF - Internacional se deixa ludibriar por tamanha
operação de auto engano.
Por último - mas não menos importante - o logro do "crescimento
verde" esboçado pela OCDE também ignora as recomendações da
Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi, feitas há exatamente um ano
(www.stiglitz-sen-fitoussi.fr). Em curta nota de rodapé, mal
reconhece a necessidade de superação dos atuais indicadores de
desempenho econômico e de qualidade de vida. Chocante, pois foi
decisiva a contribuição do Serviço de Estatísticas da OCDE para o
sucesso do trabalho dessa Comissão.
José Eli da Veiga é professor titular da USP (FEA e IRI), escreve mensalmente às terças. Página
web: www.zeeli.pro.br
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Clima na eleição
Por favor se comentar deixe um email para contato.
Miriam Leitão.
Em Copenhague, uma jornalista estrangeira quis saber: “É verdade que os três candidatos a presidente estão aqui na Conferência do Clima?” Confirmei, e ela perguntou: “Isso significa que esse assunto no Brasil tem prioridade?” Disse que não era bem isso. A candidatura de Marina Silva levou o presidente Lula a indicar Dilma chefe da delegação, e fez José Serra ir também para Dinamarca.
Essa foi a primeira mudança provocada por Marina.
Dentro do governo, o ministro Carlos Minc vinha brigando para que o Brasil assumisse metas de redução de gases de efeito estufa.
Antes dele, Marina tinha defendido essa posição, mas fora sempre derrotada pela coalizão Casa Civil-Itamaraty e Ciência e Tecnologia. O Brasil tinha ficado preso na posição envelhecida de que só os velhos emissores de gases estufa tinham que ter metas.
A posição nova que o Ministério do Meio Ambiente defendia é que o Brasil tinha virado um grande emissor e que, como a maior parte das nossas emissões vem do desmatamento, a mudança de posição seria antes de tudo boa para nós mesmos.
Além disso, daria ao Brasil prestígio internacional.
A então ministra Dilma Rousseff era uma das pessoas que se opunham às metas. Ela achava que isso impediria o crescimento do Brasil. Os países emergentes, não integrantes do Anexo I do Protocolo de Kyoto, não tinham que se comprometer com meta alguma.
Os defensores de que o Brasil tivesse metas argumentavam que seria apenas uma redução do ritmo de aumento das emissões, uma espécie de corte no mercado futuro dos gases poluentes. Houve um momento, numa reunião para fechar a posição brasileira, em que Minc e Dilma entraram numa discussão lateral. O presidente quase suspende as decisões sobre o assunto. Mas Lula acabou decidindo pela posição de Minc.
Houve um temor dentro do governo de que a agenda ambiental ganhasse muito peso com a
candidatura de Marina e isso tirasse votos de Dilma Rousseff, que sempre foi identificada como adversária da agenda verde.
— Não vou guerrear contra os fatos. Depois que a Marina anunciou sua candidatura ficou mais fácil ganhar as brigas dentro do governo — admitiu Carlos Minc numa conversa na semana passada. Foi para tentar mudar a imagem de antiambientalista que Dilma foi enviada a Copenhague, àquela altura já com as metas de redução de gases de efeito estufa. José Serra, que estava se adiantando na aprovação de uma Lei de Mudanças Climáticas em São Paulo, foi junto com um grupo de indústrias que tem começado a entender que sem a adesão a novos comportamentos na questão ambiental pode
perder mercado internacional.
Foi assim que o Brasil chegou a Copenhague com seus três candidatos. A pouca intimidade de Dilma com a agenda, e o fato de ela ter o temperamento que tem, produziu atritos fortes com assessores do Ministério do Meio Ambiente e aquele famoso ato falho: “O meio ambiente é um obstáculo ao desenvolvimento sustentado”, disse ela numa sala lotada de 700 pessoas em Copenhague.
Na BR-319, que contei aqui rapidamente na coluna dias atrás, a grande briga em torno da estrada foi travada por Minc, que defendia que, em vez de refazer a estrada dos militares, melhor seria se fossem feitas obras que garantissem uma hidrovia.
Para alavancar sua candidatura ao governo do Amazonas, Alfredo Nascimento, então ministro dos Transportes, exigiu que fosse feita a estrada. Numa reunião entre o presidente Lula, a então ministra Dilma Rousseff e Minc, Nascimento disse que sem a estrada não apoiaria a candidatura de Dilma. A propósito: ele acabou perdendo a eleição.
Minc fechou questão. Só aceitaria dar a licença prévia se antes fossem instaladas 28 unidades de conservação e parques nacionais ao longo dos mais de 400 quilômetros que são de floresta.
Ele conta hoje que fez isso pelo exemplo da BR-163.
— Marina deu licença prévia para a BR-163 e só depois negociou as unidades de conservação e parques.
O desmatamento na área triplicou. Eu não a culpo.
Na verdade, aprendi com essa experiência que tinha que garantir antes da licença prévia. Queria a implantação antes. Foi uma briga de um ano e dez meses, mas ganhei. O Exército está lá para começar a implantação da estrutura dos parques — contou Minc.
Com os institutos dando nas pesquisas eleitorais que Marina tinha ficado estagnada na altura dos 10% e que Dilma venceria no primeiro turno, o assunto sumiu da agenda de discussões da campanha.
Naquele discurso de Serra enviado como programa eleitoral havia apenas uma frase sobre meio ambiente; Dilma se limitou a repetir superficialidades sobre a questão. Ela nunca quis limites ambientais aos projetos que alavancou.
O governo aprovou uma lei de mudanças climáticas estranha, mas engavetou na Casa Civil. Nada foi regulamentado.
A votação forte da candidata verde elevou novamente o tema. Só que agora há uma compreensão maior, da imprensa e do país, de que a sustentabilidade não é uma palavra oca, mas sim uma nova forma de estruturar o projeto econômico. O assunto voltou ao debate. Uma das exigências do Partido Verde é de revisão do Código Florestal, contra o qual Marina Silva se bateu fortemente no Senado e perdeu. O Código, ao ser aprovado, teve votos dos dois lados em disputa agora no segundo turno.
Mas a causa ambiental bate de frente principalmente com os métodos Dilma de aprovação de obras.
Ela deixou testemunhos e provas suficientes de que vê com desprezo e obstáculo a agenda ambiental e climática.
Miriam Leitão.
Em Copenhague, uma jornalista estrangeira quis saber: “É verdade que os três candidatos a presidente estão aqui na Conferência do Clima?” Confirmei, e ela perguntou: “Isso significa que esse assunto no Brasil tem prioridade?” Disse que não era bem isso. A candidatura de Marina Silva levou o presidente Lula a indicar Dilma chefe da delegação, e fez José Serra ir também para Dinamarca.
Essa foi a primeira mudança provocada por Marina.
Dentro do governo, o ministro Carlos Minc vinha brigando para que o Brasil assumisse metas de redução de gases de efeito estufa.
Antes dele, Marina tinha defendido essa posição, mas fora sempre derrotada pela coalizão Casa Civil-Itamaraty e Ciência e Tecnologia. O Brasil tinha ficado preso na posição envelhecida de que só os velhos emissores de gases estufa tinham que ter metas.
A posição nova que o Ministério do Meio Ambiente defendia é que o Brasil tinha virado um grande emissor e que, como a maior parte das nossas emissões vem do desmatamento, a mudança de posição seria antes de tudo boa para nós mesmos.
Além disso, daria ao Brasil prestígio internacional.
A então ministra Dilma Rousseff era uma das pessoas que se opunham às metas. Ela achava que isso impediria o crescimento do Brasil. Os países emergentes, não integrantes do Anexo I do Protocolo de Kyoto, não tinham que se comprometer com meta alguma.
Os defensores de que o Brasil tivesse metas argumentavam que seria apenas uma redução do ritmo de aumento das emissões, uma espécie de corte no mercado futuro dos gases poluentes. Houve um momento, numa reunião para fechar a posição brasileira, em que Minc e Dilma entraram numa discussão lateral. O presidente quase suspende as decisões sobre o assunto. Mas Lula acabou decidindo pela posição de Minc.
Houve um temor dentro do governo de que a agenda ambiental ganhasse muito peso com a
candidatura de Marina e isso tirasse votos de Dilma Rousseff, que sempre foi identificada como adversária da agenda verde.
— Não vou guerrear contra os fatos. Depois que a Marina anunciou sua candidatura ficou mais fácil ganhar as brigas dentro do governo — admitiu Carlos Minc numa conversa na semana passada. Foi para tentar mudar a imagem de antiambientalista que Dilma foi enviada a Copenhague, àquela altura já com as metas de redução de gases de efeito estufa. José Serra, que estava se adiantando na aprovação de uma Lei de Mudanças Climáticas em São Paulo, foi junto com um grupo de indústrias que tem começado a entender que sem a adesão a novos comportamentos na questão ambiental pode
perder mercado internacional.
Foi assim que o Brasil chegou a Copenhague com seus três candidatos. A pouca intimidade de Dilma com a agenda, e o fato de ela ter o temperamento que tem, produziu atritos fortes com assessores do Ministério do Meio Ambiente e aquele famoso ato falho: “O meio ambiente é um obstáculo ao desenvolvimento sustentado”, disse ela numa sala lotada de 700 pessoas em Copenhague.
Na BR-319, que contei aqui rapidamente na coluna dias atrás, a grande briga em torno da estrada foi travada por Minc, que defendia que, em vez de refazer a estrada dos militares, melhor seria se fossem feitas obras que garantissem uma hidrovia.
Para alavancar sua candidatura ao governo do Amazonas, Alfredo Nascimento, então ministro dos Transportes, exigiu que fosse feita a estrada. Numa reunião entre o presidente Lula, a então ministra Dilma Rousseff e Minc, Nascimento disse que sem a estrada não apoiaria a candidatura de Dilma. A propósito: ele acabou perdendo a eleição.
Minc fechou questão. Só aceitaria dar a licença prévia se antes fossem instaladas 28 unidades de conservação e parques nacionais ao longo dos mais de 400 quilômetros que são de floresta.
Ele conta hoje que fez isso pelo exemplo da BR-163.
— Marina deu licença prévia para a BR-163 e só depois negociou as unidades de conservação e parques.
O desmatamento na área triplicou. Eu não a culpo.
Na verdade, aprendi com essa experiência que tinha que garantir antes da licença prévia. Queria a implantação antes. Foi uma briga de um ano e dez meses, mas ganhei. O Exército está lá para começar a implantação da estrutura dos parques — contou Minc.
Com os institutos dando nas pesquisas eleitorais que Marina tinha ficado estagnada na altura dos 10% e que Dilma venceria no primeiro turno, o assunto sumiu da agenda de discussões da campanha.
Naquele discurso de Serra enviado como programa eleitoral havia apenas uma frase sobre meio ambiente; Dilma se limitou a repetir superficialidades sobre a questão. Ela nunca quis limites ambientais aos projetos que alavancou.
O governo aprovou uma lei de mudanças climáticas estranha, mas engavetou na Casa Civil. Nada foi regulamentado.
A votação forte da candidata verde elevou novamente o tema. Só que agora há uma compreensão maior, da imprensa e do país, de que a sustentabilidade não é uma palavra oca, mas sim uma nova forma de estruturar o projeto econômico. O assunto voltou ao debate. Uma das exigências do Partido Verde é de revisão do Código Florestal, contra o qual Marina Silva se bateu fortemente no Senado e perdeu. O Código, ao ser aprovado, teve votos dos dois lados em disputa agora no segundo turno.
Mas a causa ambiental bate de frente principalmente com os métodos Dilma de aprovação de obras.
Ela deixou testemunhos e provas suficientes de que vê com desprezo e obstáculo a agenda ambiental e climática.
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
Trilhas opostas
Por favor se comentar deixe um email para contato.
Essa é a razão pela qual esperamos que a Marina não apóie Dilma e se apoiar, a Dilma terá que dizer porque seus valores não conseguem entender a importância dos ecossistemas sem os quais não estaríamos aqui conversando.
Míriam Leitão - Panorama Econômico O GLOBO 07-10-10
Trilhas opostas
A verdade é que elas nunca se entenderam na hora das decisões. Marina e Dilma são opostos. Os conflitos foram abundantes nos anos em que ambas conviveram no governo. Dilma mandou alagar a Mata Atlântica, aumentou a energia fóssil na matriz, ignorou a colega no PAC, iniciou obras controversas e afastou Marina do Plano Amazônia Sustentável. Dilma esqueceu dos conflitos por conveniência eleitoral, mas os registros ficaram nos jornais, nos relatos de testemunhas, nos documentos oficiais, nas decisões. Dilma fulminou com os depreciativos “minha filha” e “meu filho” todos os então assessores de Marina que a contrariaram. Alguns são da máquina pública. Alguns deixaram o governo depois de conflitos. Em Copenhague, o então ministro Carlos Minc foi destratado.
Hoje, Minc exibe uma amnésia conveniente, mas não pode pedir a quem esteve lá, como eu, que esqueça o que viu e ouviu. Um funcionário, experiente participante de Conferências do Clima, foi fulminado por Dilma numa reunião interna quando fazia sábias ponderações: “Olha menino, isso aqui não é coisa de amador, é para profissional.” A neófita no tema era ela. Ressentimentos podem ser superados. Mais difícil são as consequências de decisões tomadas. A BR-319 foi um dos motivos do embate entre as duas. Liga Manaus a Porto Velho e atravessa 700 km de terra de ninguém. Foi construída pelo governo Médici, mas foi retomada de volta pela floresta. O último ônibus que transitou por lá foi em 1978. O governo quis refazê-la para dar capital a Alfredo Nascimento. Marina queria que fosse criada uma rede de áreas protegidas no entorno para evitar que a rodovia incentivasse a grilagem e o desmatamento. O governo nunca implementou isso e, perto da eleição, contornou a falta de licença ambiental, mandando o Exército iniciar as obras. Hoje, já há focos de grilagem e desmatamento no sul do Amazonas por causa dela. Na BR-163, Marina coordenou, com o então ministro Ciro Gomes, o projeto para fazer da Cuiabá-Santarém uma estrada sustentável. Foram aprovadas unidades de conservação e instalação de postos de fiscalização e vigilância para proteger a região da grilagem, reduzindo o impacto ambiental. Marina ganhou a batalha, mas o governo não pôs em prática o prometido. Foi onde Minc capturou os bois piratas. Quem passou por lá recentemente viu que os bois voltaram. Barra Grande é uma hidrelétrica no Sul do país que foi construída com um EIARima fraudado, aprovado no governo anterior. Nele se dizia que na área a ser alagada havia um capoeirão. Na hora de fazer o lago, descobriu-se que era na verdade uma preciosa área de Mata Atlântica com Araucária. Dilma queria alagar a mata, Marina foi contra. A energia a ser gerada era pequena para tanto estrago e era convalidar um crime. José Dirceu, então chefe da Casa Civil, decidiu estudar um pouco mais o problema. Dilma quando assumiu o cargo mandou alagar a Mata. Nas usinas do Rio Madeira houve um embate amazônico. O presidente Lula debochou dizendo que a briga era por um bagre, mas a briga foi maior e de novo opôs Marina e Dilma, já na Casa Civil, mas sempre elétrica. O MMA queria proteção contra o meio ambiente, peixes, matas, qualidade da água, prevenção contra o mercúrio e estudo do impacto da sedimentação. Dilma assumiu a defesa das empreiteiras, Marina ficou com as ONGs e o Ibama. A então ministra do Meio Ambiente conseguiu impor exigências que aumentam a segurança ambiental. Se forem cumpridas. A diferença irreconciliável foi o PAC. Ele teria que ser feito junto com o Plano Amazônia Sustentável (PAS), para que as obras do século XXI não repetissem os crimes ambientais do governo militar. Dilma defendeu que o PAS fosse entregue ao então ministro Mangabeira Unger. O presidente Lula comunicou a decisão numa reunião ministerial, dizendo que Marina não poderia cuidar do Plano porque não era isenta. Foi o sinal verde para que o PAC passasse trator sobre os limites ambientais. Marina saiu do governo. O substituto Carlos Minc brigou algumas brigas, mas perdeu as principais. Resistiu à licença para Belo Monte. As pressões da ministra Dilma foram explícitas e estão documentadas. Os diretores de licenciamento e energia do Ibama saíram. Os novos aceitaram a imposição de prazo numa reunião na Casa Civil no dia 7 de janeiro, e deram a licença em primeiro de fevereiro, apesar de os funcionários terem escrito que não houve tempo para avaliar os riscos ambientais. Tive acesso a documentos oficiais e publiquei na coluna “Ossos do Ofício”, em 17 de abril. Vejam em meu blog. Os riscos ambientais e os fiscais de Belo Monte são imensos, mas ela é uma das obras do Plano de Aceleração da Candidatura de Dilma Rousseff. Na reunião com alguns dos líderes eleitos da sua base, divulgada pelo Blog do Noblat, Jacques Wagner disse que as trilhas de Marina e Dilma sempre foram próximas. Quem viu os fatos, e rejeita o modelo stalinista de reescrever a história, sabe que as trilhas sempre seguiram direções opostas.
Essa é a razão pela qual esperamos que a Marina não apóie Dilma e se apoiar, a Dilma terá que dizer porque seus valores não conseguem entender a importância dos ecossistemas sem os quais não estaríamos aqui conversando.
Míriam Leitão - Panorama Econômico O GLOBO 07-10-10
Trilhas opostas
A verdade é que elas nunca se entenderam na hora das decisões. Marina e Dilma são opostos. Os conflitos foram abundantes nos anos em que ambas conviveram no governo. Dilma mandou alagar a Mata Atlântica, aumentou a energia fóssil na matriz, ignorou a colega no PAC, iniciou obras controversas e afastou Marina do Plano Amazônia Sustentável. Dilma esqueceu dos conflitos por conveniência eleitoral, mas os registros ficaram nos jornais, nos relatos de testemunhas, nos documentos oficiais, nas decisões. Dilma fulminou com os depreciativos “minha filha” e “meu filho” todos os então assessores de Marina que a contrariaram. Alguns são da máquina pública. Alguns deixaram o governo depois de conflitos. Em Copenhague, o então ministro Carlos Minc foi destratado.
Hoje, Minc exibe uma amnésia conveniente, mas não pode pedir a quem esteve lá, como eu, que esqueça o que viu e ouviu. Um funcionário, experiente participante de Conferências do Clima, foi fulminado por Dilma numa reunião interna quando fazia sábias ponderações: “Olha menino, isso aqui não é coisa de amador, é para profissional.” A neófita no tema era ela. Ressentimentos podem ser superados. Mais difícil são as consequências de decisões tomadas. A BR-319 foi um dos motivos do embate entre as duas. Liga Manaus a Porto Velho e atravessa 700 km de terra de ninguém. Foi construída pelo governo Médici, mas foi retomada de volta pela floresta. O último ônibus que transitou por lá foi em 1978. O governo quis refazê-la para dar capital a Alfredo Nascimento. Marina queria que fosse criada uma rede de áreas protegidas no entorno para evitar que a rodovia incentivasse a grilagem e o desmatamento. O governo nunca implementou isso e, perto da eleição, contornou a falta de licença ambiental, mandando o Exército iniciar as obras. Hoje, já há focos de grilagem e desmatamento no sul do Amazonas por causa dela. Na BR-163, Marina coordenou, com o então ministro Ciro Gomes, o projeto para fazer da Cuiabá-Santarém uma estrada sustentável. Foram aprovadas unidades de conservação e instalação de postos de fiscalização e vigilância para proteger a região da grilagem, reduzindo o impacto ambiental. Marina ganhou a batalha, mas o governo não pôs em prática o prometido. Foi onde Minc capturou os bois piratas. Quem passou por lá recentemente viu que os bois voltaram. Barra Grande é uma hidrelétrica no Sul do país que foi construída com um EIARima fraudado, aprovado no governo anterior. Nele se dizia que na área a ser alagada havia um capoeirão. Na hora de fazer o lago, descobriu-se que era na verdade uma preciosa área de Mata Atlântica com Araucária. Dilma queria alagar a mata, Marina foi contra. A energia a ser gerada era pequena para tanto estrago e era convalidar um crime. José Dirceu, então chefe da Casa Civil, decidiu estudar um pouco mais o problema. Dilma quando assumiu o cargo mandou alagar a Mata. Nas usinas do Rio Madeira houve um embate amazônico. O presidente Lula debochou dizendo que a briga era por um bagre, mas a briga foi maior e de novo opôs Marina e Dilma, já na Casa Civil, mas sempre elétrica. O MMA queria proteção contra o meio ambiente, peixes, matas, qualidade da água, prevenção contra o mercúrio e estudo do impacto da sedimentação. Dilma assumiu a defesa das empreiteiras, Marina ficou com as ONGs e o Ibama. A então ministra do Meio Ambiente conseguiu impor exigências que aumentam a segurança ambiental. Se forem cumpridas. A diferença irreconciliável foi o PAC. Ele teria que ser feito junto com o Plano Amazônia Sustentável (PAS), para que as obras do século XXI não repetissem os crimes ambientais do governo militar. Dilma defendeu que o PAS fosse entregue ao então ministro Mangabeira Unger. O presidente Lula comunicou a decisão numa reunião ministerial, dizendo que Marina não poderia cuidar do Plano porque não era isenta. Foi o sinal verde para que o PAC passasse trator sobre os limites ambientais. Marina saiu do governo. O substituto Carlos Minc brigou algumas brigas, mas perdeu as principais. Resistiu à licença para Belo Monte. As pressões da ministra Dilma foram explícitas e estão documentadas. Os diretores de licenciamento e energia do Ibama saíram. Os novos aceitaram a imposição de prazo numa reunião na Casa Civil no dia 7 de janeiro, e deram a licença em primeiro de fevereiro, apesar de os funcionários terem escrito que não houve tempo para avaliar os riscos ambientais. Tive acesso a documentos oficiais e publiquei na coluna “Ossos do Ofício”, em 17 de abril. Vejam em meu blog. Os riscos ambientais e os fiscais de Belo Monte são imensos, mas ela é uma das obras do Plano de Aceleração da Candidatura de Dilma Rousseff. Na reunião com alguns dos líderes eleitos da sua base, divulgada pelo Blog do Noblat, Jacques Wagner disse que as trilhas de Marina e Dilma sempre foram próximas. Quem viu os fatos, e rejeita o modelo stalinista de reescrever a história, sabe que as trilhas sempre seguiram direções opostas.
terça-feira, 28 de setembro de 2010
Meio Ambiente e eleições
Por favor se comentar deixe um email para contato.
MEIO AMBIENTE E AS ELEIÇÕES
Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social
clovis.cavalcanti@yahoo.com.br
No dia 9 deste mês, meu aluno da disciplina (Meio Ambiente e Sociedade) que leciono em Ciências Ambientais da UFPE, Rafael Figueirôa Ferreira, faleceu vitimado por um tipo letal de lepstopirose. Francamente, não é para se morrer hoje em dia de um mal como esse associado a más condições ambientais. Na verdade, a infecção que matou uma excelente pessoa que ficou próxima a mim se deve à ineficácia ou inexistência de redes de esgoto e de drenagem de águas pluviais, à coleta de lixo inadequada e a alagamentos de ruas no período de chuvas. Em situações de impróprios cuidados com o meio ambiente, frutificam condições propícias à alta incidência das doenças infecciosas. Quando isso ocorre num contexto fora da extrema pobreza, é para se pensar na precariedade em que vivem as populações menos afortunadas. Populações essas que, malgrado o discurso do resgate da pobreza de número considerável de brasileiros em época recente, continua vivendo com padrões inadmissíveis de bem-estar. Nesse sentido, vale lembrar que, na definição do economista Amartya Sen (Prêmio Nobel de 1998), a pobreza é privação de capacidades básicas. Assim, como escreveu recentemente o prof. José Eli da Veiga, da USP, “ela jamais deveria ser medida apenas com estatísticas de insuficiência de renda. É pobre mesmo quem tem renda superior ao critério de corte (‘linha de pobreza’) se não puder convertê-la em vida decente. Por falta de saúde ou de educação ou outras carências”.
Em 2009, no Brasil, 41% dos domicílios não possuíam saneamento básico. Não passaria de “pura ilusão, portanto, supor que não sejam pobres pessoas que padeçam dessa catastrófica privação que é o permanente risco de contrair parasitoses, só porque ganham mais de meio salário mínimo” – conforme salienta José Eli da Veiga no jornal Valor de 21.9.2010. Para Veiga, “Chega a soar como propaganda enganosa o uso do tosco critério de renda monetária para dizer que a pobreza está despencando. Encobre a inépcia dos governos em enfrentar o desafio do saneamento”. Pois foi por aí que Rafael, que não fazia parte da categoria que o governo se jacta de haver extraído da extrema pobreza, se contaminou mortalmente. Seu caso ilustra um problema que alcança a classe média, passando, evidentemente, em proporções mais trágicas pelos excluídos da sociedade. Esses que vivem da “bolsa família” – um programa que, se tem méritos para suavizar o quadro de miséria da população, constitui também uma medida de sua exclusão. Foi o meio ambiente mal saneado e mal gerido da cidade que permitiu à bactéria Leptospira interrogans executar seu plano destruidor.
Quadro semelhante é retratado pelo distinguido colunista do New York Times, Nicholas D. Kristof, em artigo de 3.9.2010, falando da salmonela nos Estados Unidos. Sua presença na cena americana deve-se ao péssimo meio ambiente inventado para a criação de galinhas de granja. Ao mesmo tempo em que mandam frango barato para os supermercados, as granjas, que não passam de fábricas de carne e ovos, “transferem custos de saúde para o público – sob a forma da salmonela ocasional, de doenças resistentes a antibióticos, de águas poluídas, envenenamento de alimentos e possivelmente certos cânceres”. A expansão agrícola em grande escala acontece, segundo Kristof, com pouco reconhecimento dos seus impactos negativos. “Produzir comida barata é tudo”, conclui ele. É com essas preocupações que causa enorme desconforto voltar, no YouTube, a ouvir da então ministra Dilma Rousseff, falando em público, em Copenhague, em dezembro de 2009, que “O meio ambiente é, sem dúvida nenhuma, uma ameaça ao desenvolvimento sustentável. E isso significa que é uma ameaça para o futuro do nosso planeta e do nosso país”. Fazer o quê com o meio ambiente? Afastá-lo do caminho, já que ele é “ameaça”? Será isso o que nos espera?
Juro que parece sonho esses absurdos todos e, como uma amiga uma vez me disse, provavemente quando morremos, sentamos numa cama, olhamos em redor e pensamos: "Ah, então era tudo sonho". Não querendo desmerecer a forma horrível que esse moço deve ter morrido, espero que ele esteja sentado nessa cama agora.
Excelente artigo. Excelente reforço ao que o Eli escreveu.
Fico profundamente pesaroso com essas coisas, mas temos que continuar buscando forças para lutar contra essa realidade inglória sobre a qual abutres de todos os tipos se vangloriam.
Excelente artigo. Excelente reforço ao que o Eli escreveu.
Fico profundamente pesaroso com essas coisas, mas temos que continuar buscando forças para lutar contra essa realidade inglória sobre a qual abutres de todos os tipos se vangloriam.
MEIO AMBIENTE E AS ELEIÇÕES
Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social
clovis.cavalcanti@yahoo.com.br
No dia 9 deste mês, meu aluno da disciplina (Meio Ambiente e Sociedade) que leciono em Ciências Ambientais da UFPE, Rafael Figueirôa Ferreira, faleceu vitimado por um tipo letal de lepstopirose. Francamente, não é para se morrer hoje em dia de um mal como esse associado a más condições ambientais. Na verdade, a infecção que matou uma excelente pessoa que ficou próxima a mim se deve à ineficácia ou inexistência de redes de esgoto e de drenagem de águas pluviais, à coleta de lixo inadequada e a alagamentos de ruas no período de chuvas. Em situações de impróprios cuidados com o meio ambiente, frutificam condições propícias à alta incidência das doenças infecciosas. Quando isso ocorre num contexto fora da extrema pobreza, é para se pensar na precariedade em que vivem as populações menos afortunadas. Populações essas que, malgrado o discurso do resgate da pobreza de número considerável de brasileiros em época recente, continua vivendo com padrões inadmissíveis de bem-estar. Nesse sentido, vale lembrar que, na definição do economista Amartya Sen (Prêmio Nobel de 1998), a pobreza é privação de capacidades básicas. Assim, como escreveu recentemente o prof. José Eli da Veiga, da USP, “ela jamais deveria ser medida apenas com estatísticas de insuficiência de renda. É pobre mesmo quem tem renda superior ao critério de corte (‘linha de pobreza’) se não puder convertê-la em vida decente. Por falta de saúde ou de educação ou outras carências”.
Em 2009, no Brasil, 41% dos domicílios não possuíam saneamento básico. Não passaria de “pura ilusão, portanto, supor que não sejam pobres pessoas que padeçam dessa catastrófica privação que é o permanente risco de contrair parasitoses, só porque ganham mais de meio salário mínimo” – conforme salienta José Eli da Veiga no jornal Valor de 21.9.2010. Para Veiga, “Chega a soar como propaganda enganosa o uso do tosco critério de renda monetária para dizer que a pobreza está despencando. Encobre a inépcia dos governos em enfrentar o desafio do saneamento”. Pois foi por aí que Rafael, que não fazia parte da categoria que o governo se jacta de haver extraído da extrema pobreza, se contaminou mortalmente. Seu caso ilustra um problema que alcança a classe média, passando, evidentemente, em proporções mais trágicas pelos excluídos da sociedade. Esses que vivem da “bolsa família” – um programa que, se tem méritos para suavizar o quadro de miséria da população, constitui também uma medida de sua exclusão. Foi o meio ambiente mal saneado e mal gerido da cidade que permitiu à bactéria Leptospira interrogans executar seu plano destruidor.
Quadro semelhante é retratado pelo distinguido colunista do New York Times, Nicholas D. Kristof, em artigo de 3.9.2010, falando da salmonela nos Estados Unidos. Sua presença na cena americana deve-se ao péssimo meio ambiente inventado para a criação de galinhas de granja. Ao mesmo tempo em que mandam frango barato para os supermercados, as granjas, que não passam de fábricas de carne e ovos, “transferem custos de saúde para o público – sob a forma da salmonela ocasional, de doenças resistentes a antibióticos, de águas poluídas, envenenamento de alimentos e possivelmente certos cânceres”. A expansão agrícola em grande escala acontece, segundo Kristof, com pouco reconhecimento dos seus impactos negativos. “Produzir comida barata é tudo”, conclui ele. É com essas preocupações que causa enorme desconforto voltar, no YouTube, a ouvir da então ministra Dilma Rousseff, falando em público, em Copenhague, em dezembro de 2009, que “O meio ambiente é, sem dúvida nenhuma, uma ameaça ao desenvolvimento sustentável. E isso significa que é uma ameaça para o futuro do nosso planeta e do nosso país”. Fazer o quê com o meio ambiente? Afastá-lo do caminho, já que ele é “ameaça”? Será isso o que nos espera?
Assinar:
Postagens (Atom)