quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Os gringos continuam por fora

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17 de novembro de 2010
André Meloni Nassar - O Estado de S.Paulo

Depois que quase três semanas na Europa discutindo em diferentes fóruns expansão da
agricultura e mudança no uso da terra, cheguei à conclusão de que valeria a pena trazer os pontos do debate internacional, por mais absurdos que sejam - e alguns o são muito -, para a opinião pública brasileira. De longe, o tema da mudança no uso da terra é a questão estrutural mais relevante para os produtores agrícolas do Brasil e do mundo. Vários argumentos, vindos de variadas direções, jogaram-na no centro do debate.

O primeiro nasce dos avanços da tecnologia de informação e das ferramentas de
sensoriamento remoto. Com a crescente disponibilidade de imagens de satélite de
melhor resolução e computadores de maior velocidade, novas bases combinando
dados de sensoriamento remoto e dados secundários foram desenvolvidas, permitindo
o surgimento de uma profusão de estudos que analisam mudanças globais no uso da
terra. A despeito dos diversos problemas que esses estudos podem apresentar, uma vez
que, em geral, muitas análises são feitas apenas com base em imagens de satélite sem
validação de campo, é inegável a sua contribuição para o entendimento dos eventos
passados.

Os estudos, no frigir dos ovos, têm mostrado o que sempre se soube, mas que não se
conseguia quantificar com precisão: que grande parte da terra no mundo está sob uso
agropecuário e o crescimento da agropecuária, pela singela evidência de que o setor
usa muita terra, provocou uma enorme conversão de vegetação natural. Estima-se que
o mundo todo utilize 1,5 bilhão de hectares para lavouras anuais e perenes e 2,8 bilhões para pastagens. Do total de lavouras, 47% estão em áreas antes ocupadas por florestas e 38%, antes ocupadas por savanas (os cerrados) e pastagens naturais. No caso da Europa, 77% das lavouras estão em áreas antes ocupadas por florestas. Esse índice cai para 34% e 20% nos casos da América do Sul e da África.

No caso das pastagens, somente 19% estão em áreas ocupadas antes por florestas e
49%, no caso das savanas e pastagens naturais. Enquanto na Europa 85% das pastagens
estão em áreas ocupadas anteriormente por florestas, algo até óbvio, porque eram
florestas que predominavam no território europeu, na América do Sul e na África esse
índice cai para 35% e 12%. Nestas duas regiões predominam pastagens em savanas e,
como não poderia deixar de ser, pastagens naturais. Interessante notar que América do
Sul e África são as únicas regiões onde a área com pastagens ainda é muito maior do
que a área com lavouras (quatro vezes). Isso indica o grande potencial de expansão de
lavouras e melhor uso das pastagens.

Colocando o uso da terra numa perspectiva de mudança ao longo do tempo, as imagens
de satélite dizem-nos que grande parte da expansão do setor agropecuário nos anos 80
e 90 ocorreu em áreas de florestas e pastagens naturais. Na América do Sul o número
chega a 75%. Já na Ásia, mais de 90%. Embora a quantificação seja importante, não há
dúvida, a conclusão não deixa de ser óbvia. Afinal, a produção de alimentos usa terra, as nações são soberanas para decidir como querem usar seu território e os países que têm mais floresta convertem mais floresta. Foi assim na Europa e tem sido assim na Ásia.

O segundo argumento é uma consequência natural do anterior. Se o setor agrícola
no mundo se expandiu sobre florestas, deverá continuar se expandindo dessa forma
no futuro. O raciocínio é simples. Dado que a demanda mundial por alimentos vai
continuar crescendo, mais áreas serão necessárias, dando continuidade ao processo
de conversão de vegetação natural em agricultura. É, sem a menor dúvida, uma
questão relevante. O problema é que essa constatação vem junto com a questão da
responsabilidade pela conversão. A demanda por produtos agrícolas cresce no mundo
todo e predomina a tentação de atribuir responsabilidade pela conversão de vegetação
natural só ao país onde ela ocorre.

O terceiro argumento é uma sofisticação do segundo. Infelizmente, ainda há gente no
Brasil que compra esse argumento. As imagens de satélite comprovam que a conversão
para pastagens é a forma que predomina no avanço da fronteira. Como a área com
lavouras continua crescendo, mas são as pastagens que atuam com maior intensidade
na fronteira, ocorre o chamado efeito cascata. No Brasil, a soja é o patinho feio da vez no assunto, mas fora do País, até pela falta de outras evidências, tenta-se dar à cana-de-açúcar essa pecha. Obviamente, não se vai a lugar algum com esse argumento,
porque é o aumento do preço da terra que leva à intensificação de pastagens, e o preço da terra aumenta quando as lavouras se estão expandindo e demandando mais terra. A substituição de pastagens por lavouras, assim, é solução para o problema, e não a causa. A causa, por sua vez, é o baixo custo de desmatar.

Meu discurso fora do Brasil tem sido reconhecer todas essas questões sem jogar nada
para debaixo do tapete. Afinal, as imagens de satélite me desmentiriam facilmente. É
como erguer uma muralha numa guerra com aviões. É derrota, na certa. No entanto,
imagens de satélite são as que se refletem no retrovisor do carro. É aquilo que vemos
pela janela quando nos sentamos de costas num trem.

A queda do desmatamento, a aplicação do Código Florestal, a moratória da soja e, mais
recentemente, a da pecuária, o zoneamento da cana-de-açúcar e o grande potencial de
aumentar, mesmo que lentamente, a produtividade da pecuária de corte são garantias
de que o retrovisor de amanhã vai mostrar algo diferente do de hoje. Lentamente e sem
xenofobia, vamos mostrando aos "gringos" que eles, na verdade, continuam a saber
pouco do Brasil. Pena é que precisemos também gastar tempo com os brasileiros que
têm vergonha de defender as suas bases - o que significa, neste caso, ficar do lado do setor agrícola.

DIRETOR-GERAL DO ICONE. AS ORIGENS DOS DADOS CITADOS NESTE ARTIGO PODEM CONSULTADAS COM O AUTOR. E-MAIL: AMNASSAR@ICONEBRASIL.ORG.BR

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