quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Componente socioambiental da reputação bancária

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Muitas vezes a palavra sustentabilidade é usada para adoçar práticas predatórias.

Ricardo Abramovay
17/11/2010 – Valor Econômico

Duas características inéditas marcam o capitalismo do Século XXI. A
primeira é a exposição voluntária das bases socioambientais em que se
apoiam seus processos produtivos por parte de organizações empresariais.
A segunda é que esse movimento de abertura dos fundamentos materiais,
biológicos, energéticos e, em certa medida, sociais dos empreendimentos
resulta de pressões vindas de atores que até bem pouco tempo quase não
dialogavam com firmas privadas e sequer faziam delas o foco de sua ação.
Esses elementos exercem uma influência decisiva na maneira como se
molda hoje a reputação no setor financeiro e, portanto, alteram o círculo de
relações sociais a partir do qual os bancos constroem os vínculos de
confiança em que se apoiam.

Não são raros os casos, é bem verdade, de propaganda enganosa em que se
veicula a palavra sustentabilidade para adoçar práticas predatórias. Ao
mesmo tempo, pode parecer credulidade valorizar o movimento em direção
à responsabilidade socioambiental bancária, quando se leva em conta a
magnitude e a origem da crise que teve início em 2008 e que responde por
uma elevação impressionante da insegurança, do desemprego e da
opacidade que marcam as práticas financeiras atuais.

Que a grande maioria das operações bancárias não se paute por critérios
básicos e explícitos quanto a seus impactos socioambientais não há dúvida.
Responsabilidade socioambiental é tema que, até hoje, não pertence ao
âmago das operações financeiras e tende a ser confinada em departamentos
voltados explicitamente a esta finalidade.

Apesar disso, é impossível tratar como pura cortina de fumaça o amplo
movimento de bancos e outras organizações financeiras com relação às
consequências socioambientais de seus financiamentos. O grau de
profundidade dessas mudanças de comportamento não está decidido de
antemão. Reginaldo Magalhães1 acaba de defender tese de doutorado no
Programa de Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo em que
disseca os novos componentes da reputação bancária e as alterações em
organizações não governamentais, que respondem, em grande parte, por
uma nova agenda do setor financeiro. As críticas recentes de um conjunto
expressivo de organizações da sociedade civil à ausência de temas
socioambientais na discussão de Basileia 3, a abertura por parte da
International Finance Corporation (IFC) e do Global Reporting Initiative de
uma consulta pública a respeito dos parâmetros que devem nortear os
relatórios socioambientais das empresas são dois exemplos atuais de um
movimento mais geral que a tese de Reginaldo Magalhães expõe. Vale a
pena destacar três elementos importantes desse trabalho.

Interação entre bancos e sociedade civil deve ser permanente para a
construção de novas regras dos mercados

O primeiro refere-se ao conceito de reputação. Não se trata de imagem, de
algo exterior, um sorriso mecânico que a empresa manipula por meio de
comunicadores hábeis. A reputação é constituída por relações sociais
duráveis, dotadas de conteúdo informativo, de concepções, ideias e valores
sobre o que significa fazer negócios, quais os métodos corretos para se
alcançar sucesso, ou seja, sobre um conjunto de significados partilhados
com base nos quais os atores identificam-se como pertencentes a um certo
campo social. A acumulação de capital reputacional depende não só de
competência em financiar, construir, produzir e vender, mas de alianças, da
relação com atores sociais diversos e da influência sobre padrões culturais
capazes de legitimar aquilo que faz a empresa.

Reginaldo Magalhães mostra a natureza interativa da reputação estudando
as próprias organizações não governamentais e esse é o segundo elemento
importante de seu trabalho. A grande mudança, nesse sentido, é que
inúmeros grupos da sociedade civil passam a discutir as opções
empresariais por dentro de sua própria lógica de funcionamento. Isso não
significa cooptação, mas uma forma inédita de interação, ainda que
conflituosa. Em 1970, o Greenpeace, por exemplo, dirigiu o essencial de
seus esforços a campanhas visando governos nacionais, sobretudo
protestando contra a expansão de usinas nucleares e a pesca predatória de
baleias. Em 1980, a pressão vai também a organismos multilaterais como o
Banco Mundial. Em 1990, os temas se diversificam (lixo tóxico, florestas

tropicais, mudanças climáticas) e têm início campanhas contra grandes
empresas. Mas é nos anos 2000 que se intensificam e têm maior sucesso
campanhas voltadas explicitamente contra comportamentos julgados
destrutivos por parte do setor privado. Empresas e marcas globais passam a
ser alvo de campanhas em que são nomeadas abertamente. Isso acaba por
obrigá-las a responder às críticas, constituir departamentos de
relacionamento com a sociedade civil e alterar os próprios métodos com
base nos quais são avaliados seus negócios.

O terceiro elemento refere-se à formação da rede dos que aderem aos
Princípios do Equador, um internacionalmente respeitado conjunto de
critérios socioambientais voltados à avaliação do risco de financiamentos
de grandes projetos (www.equator-principles.com/index.shtml). No início
eram apenas dez bancos, hoje são 67. E a entrada no grupo acarreta custos
não desprezíveis para os ingressantes em termos de novas práticas e uma
nova cultura de exposição e avaliação. O interessante nos Princípios do
Equador é que eles não são um conjunto fixo, imutável, mas, ao contrário,
aprofundam-se e incorporam novas demandas que refletem, em grande
parte, pressões sociais. A interação entre bancos e organizações da
sociedade civil é permanente nesse processo de construção de novas regras
de funcionamento dos mercados.

Diabolizar os mercados financeiros como expressão inevitável de crise e
degradação é apenas o correlativo oposto de endeusá-los como figuras
emblemáticas da mão mágica. Estudá-los como resultado de uma
construção social em que atores reúnem capitais variados para influenciar
seus campos de disputa é um caminho de imensa fertilidade, como mostra o
trabalho de Reginaldo Magalhães.

(1) Reginaldo Sales Magalhães. Lucro e reputação. Interações entre bancos e
organizações sociais na construção das políticas socioambientais.

Ricardo Abramovay é professor titular do departamento de Economia da
FEA/USP e Coordenador do Núcleo de Economia Socioambiental (NESA),
pesquisador do CNPq e da Fapesp. /www.abramovay.pro.br/

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