Nova conduta do consumidor pode inspirar empresas
Matéria de Silvia Czaspi, para o Valor Econômico, publicada hoje no Especial Negócios Sustentáveis
Decidida a mergulhar no mundo da sustentabilidade, a socióloga Silvia Dias, diretora da consultoria Aviv , passou a estudar e aplicar uma nova conduta em seu cotidiano, relatando seus progressos pessoais num blog. Depois de ouvir uma palestra sobre o descarte correto de eletroeletrônicos usados, passou a se informar sobre o assunto e ficou decepcionada.
"A engenharia não faz produtos fáceis de serem desmontados. Isso inibe o surgimento de recicladores, que também enfrentam a dificuldade de lidar com uma miríade de materiais, alguns dos quais muito tóxicos", afirmou ela em seu blog, citando, como exceção, componentes celulares, cujo descarte é regulamentado por uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Silvia começou a busca pelo varejo. Por meio dos serviços de atendimento ao consumidor (SACs), três grandes redes, escolhidas aleatoriamente, declararam que não recebem usados para reciclagem. Buscou sites de fabricantes. Poucos descrevem serviços de logística reversa para recolher equipamentos obsoletos. Complementou a busca com novos telefonemas. "Parece que os SACs não têm script para esse tema, ou têm respostas genéricas, nem sempre adequadas."
"Consumidores perceberam que suas decisões individuais podem forçar mudanças de empresas, e com isso, melhorar o mundo. Um exemplo é a opção por produtos que consomem menos energia para combater mudanças climáticas", avalia o especialista Aron Belinky, que se aprofunda no tema em seu mestrado na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo (FGV/SP). Simultaneamente, diz ele, vem ocorrendo um deslocamento da ação política de indivíduos para a área do consumo. "Nas últimas décadas acentuou-se o fenômeno da transferência de boa parte do poder do Estado para o que chamamos de mercado", acrescenta o especialista.
Silvia foi atrás da Philips , que lhe deu uma resposta, a seu ver, exemplar. O SAC informou que a companhia recebe equipamentos. No entanto, apenas em Manaus (AM). "Como moro em São Paulo , a atendente pediu que eu buscasse o site da prefeitura. Não achei nada. Ficou a impressão de que eles não têm programa, ou pior, aproveitam-se de iniciativas de governo."
Apesar de meritória, Silvia também considera problemática a opção de doar equipamentos a quem precisa, já que o futuro descarte caberá a quem tem menos recursos e informações para atender os requisitos da correção ambiental.
As conclusões dessa consumidora consciente coincidem com resultados de recente pesquisa o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) sobre a política de descarte de lixo eletrônico, que também avaliou os canais de acesso ao consumidor e a similaridade de padrões nos demais países de atuação das empresas. Como base, o instituto remeteu questionário formal a 20 empresas - 14% operadoras de telefonia móvel, 33% de eletroeletrônicos e 53% de informática - e fez consultas aos respectivos SACs. Dez não responderam e foram desclassificadas. Das demais, só metade foi aprovada.
No caso da Philips, uma das reprovadas, a pesquisa critica a existência de apenas um projeto-piloto no Brasil para receber recicláveis, contra avançados programas da empresa na Europa. Em resposta ao Valor, a companhia declarou que sua central de informação ao consumidor propõe aos clientes que busquem locais próprios para reciclagem, ou os postos autorizados Philips, que recebem e encaminham os usados. Também afirmou que a sustentabilidade está relacionada ao grau de educação e de consciência das pessoas. E que o avanço dessa consciência no Brasil estimulou a empresa a investir no programa Ciclo Sustentável Philips, que pretende unificar o processo em todo o país.
Também questionada por não detalhar as ações realizadas e pela falta de uma política consistente para o descarte dos equipamentos, a Positivo Informática respondeu ao Valor que tem uma área em sua fábrica em Curitiba (PR) destinada ao gerenciamento dos resíduos gerados no processo produtivo. E que seu call center, após sugerir a doação dos usados a entidades, orienta consumidores para que os encaminhem a uma de suas 400 assistências técnicas, que cuidarão da remessa a Curitiba, onde ocorre a separação de componentes e entrega a recicladores.
Igualmente reprovada pelo Idec, que apontou falta de informação sobre programas de recolhimento de usados, apesar de haver um processo de recolhimento e reciclagem terceirizado para uma fundação, a Dell relata ter o programa Reciclagem Grátis para clientes pessoa física.
Segundo Cíntia Kahler, gerente dos programas de conformidade ambiental, a empresa recolhe equipamentos e periféricos da marca nas residências, promovendo desde o desmonte até a reciclagem, com foco na reutilização. Já o programa Doe Seu Computador, resultante de uma parceria com a Fundação Pensamento Digital, recebe computadores também de outras marcas, que recondiciona e doa a entidades filantrópicas.
A coordenadora-executiva do Idec, Lisa Gunn, lamenta que a responsabilidade dos produtores pelo produto descartado ainda engatinhe no Brasil, limitando-se a ações voluntárias.
Segundo ela, o país tem leis específicas só para alguns resíduos perigosos, como pneus. Também falta, segundo ela, avançar no direito à informação, que dê instrumentos para que o consumidor exerça a escolha correta.
O caminho para a sustentabilidade é pontuado por contradições, completa Helio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu. Com base em pesquisa promovida pelo Akatu em 2007, ele lembra que cerca de 77% dos respondentes declararam interesse em conhecer as ações socioambientais empresariais. Mas 51% declararam que, apesar desse interesse, não têm informações sobre o tema. E menos de 30% consideraram a hipótese de punir ou puniram a empresa, com a não-compra. "O consumidor precisa perceber que cada decisão de compra pode beneficiar, ou prejudicar, a sociedade e o meio ambiente", opina.
Apesar desses dados, ele nota a ascensão de empresas que adotaram a bandeira de sustentabilidade, como o Banco Real , entre as do mercado financeiro, ou Boticário e Natura , do ramo de cosméticos. No seu entender, o sucesso de corporações que aderem a práticas sustentáveis, com uma comunicação eficiente aos consumidores, faz com que outras busquem caminhos semelhantes.
Decidida a mergulhar no mundo da sustentabilidade, a socióloga Silvia Dias, diretora da consultoria Aviv , passou a estudar e aplicar uma nova conduta em seu cotidiano, relatando seus progressos pessoais num blog. Depois de ouvir uma palestra sobre o descarte correto de eletroeletrônicos usados, passou a se informar sobre o assunto e ficou decepcionada.
"A engenharia não faz produtos fáceis de serem desmontados. Isso inibe o surgimento de recicladores, que também enfrentam a dificuldade de lidar com uma miríade de materiais, alguns dos quais muito tóxicos", afirmou ela em seu blog, citando, como exceção, componentes celulares, cujo descarte é regulamentado por uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Silvia começou a busca pelo varejo. Por meio dos serviços de atendimento ao consumidor (SACs), três grandes redes, escolhidas aleatoriamente, declararam que não recebem usados para reciclagem. Buscou sites de fabricantes. Poucos descrevem serviços de logística reversa para recolher equipamentos obsoletos. Complementou a busca com novos telefonemas. "Parece que os SACs não têm script para esse tema, ou têm respostas genéricas, nem sempre adequadas."
"Consumidores perceberam que suas decisões individuais podem forçar mudanças de empresas, e com isso, melhorar o mundo. Um exemplo é a opção por produtos que consomem menos energia para combater mudanças climáticas", avalia o especialista Aron Belinky, que se aprofunda no tema em seu mestrado na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo (FGV/SP). Simultaneamente, diz ele, vem ocorrendo um deslocamento da ação política de indivíduos para a área do consumo. "Nas últimas décadas acentuou-se o fenômeno da transferência de boa parte do poder do Estado para o que chamamos de mercado", acrescenta o especialista.
Silvia foi atrás da Philips , que lhe deu uma resposta, a seu ver, exemplar. O SAC informou que a companhia recebe equipamentos. No entanto, apenas em Manaus (AM). "Como moro em São Paulo , a atendente pediu que eu buscasse o site da prefeitura. Não achei nada. Ficou a impressão de que eles não têm programa, ou pior, aproveitam-se de iniciativas de governo."
Apesar de meritória, Silvia também considera problemática a opção de doar equipamentos a quem precisa, já que o futuro descarte caberá a quem tem menos recursos e informações para atender os requisitos da correção ambiental.
As conclusões dessa consumidora consciente coincidem com resultados de recente pesquisa o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) sobre a política de descarte de lixo eletrônico, que também avaliou os canais de acesso ao consumidor e a similaridade de padrões nos demais países de atuação das empresas. Como base, o instituto remeteu questionário formal a 20 empresas - 14% operadoras de telefonia móvel, 33% de eletroeletrônicos e 53% de informática - e fez consultas aos respectivos SACs. Dez não responderam e foram desclassificadas. Das demais, só metade foi aprovada.
No caso da Philips, uma das reprovadas, a pesquisa critica a existência de apenas um projeto-piloto no Brasil para receber recicláveis, contra avançados programas da empresa na Europa. Em resposta ao Valor, a companhia declarou que sua central de informação ao consumidor propõe aos clientes que busquem locais próprios para reciclagem, ou os postos autorizados Philips, que recebem e encaminham os usados. Também afirmou que a sustentabilidade está relacionada ao grau de educação e de consciência das pessoas. E que o avanço dessa consciência no Brasil estimulou a empresa a investir no programa Ciclo Sustentável Philips, que pretende unificar o processo em todo o país.
Também questionada por não detalhar as ações realizadas e pela falta de uma política consistente para o descarte dos equipamentos, a Positivo Informática respondeu ao Valor que tem uma área em sua fábrica em Curitiba (PR) destinada ao gerenciamento dos resíduos gerados no processo produtivo. E que seu call center, após sugerir a doação dos usados a entidades, orienta consumidores para que os encaminhem a uma de suas 400 assistências técnicas, que cuidarão da remessa a Curitiba, onde ocorre a separação de componentes e entrega a recicladores.
Igualmente reprovada pelo Idec, que apontou falta de informação sobre programas de recolhimento de usados, apesar de haver um processo de recolhimento e reciclagem terceirizado para uma fundação, a Dell relata ter o programa Reciclagem Grátis para clientes pessoa física.
Segundo Cíntia Kahler, gerente dos programas de conformidade ambiental, a empresa recolhe equipamentos e periféricos da marca nas residências, promovendo desde o desmonte até a reciclagem, com foco na reutilização. Já o programa Doe Seu Computador, resultante de uma parceria com a Fundação Pensamento Digital, recebe computadores também de outras marcas, que recondiciona e doa a entidades filantrópicas.
A coordenadora-executiva do Idec, Lisa Gunn, lamenta que a responsabilidade dos produtores pelo produto descartado ainda engatinhe no Brasil, limitando-se a ações voluntárias.
Segundo ela, o país tem leis específicas só para alguns resíduos perigosos, como pneus. Também falta, segundo ela, avançar no direito à informação, que dê instrumentos para que o consumidor exerça a escolha correta.
O caminho para a sustentabilidade é pontuado por contradições, completa Helio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu. Com base em pesquisa promovida pelo Akatu em 2007, ele lembra que cerca de 77% dos respondentes declararam interesse em conhecer as ações socioambientais empresariais. Mas 51% declararam que, apesar desse interesse, não têm informações sobre o tema. E menos de 30% consideraram a hipótese de punir ou puniram a empresa, com a não-compra. "O consumidor precisa perceber que cada decisão de compra pode beneficiar, ou prejudicar, a sociedade e o meio ambiente", opina.
Apesar desses dados, ele nota a ascensão de empresas que adotaram a bandeira de sustentabilidade, como o Banco Real , entre as do mercado financeiro, ou Boticário e Natura , do ramo de cosméticos. No seu entender, o sucesso de corporações que aderem a práticas sustentáveis, com uma comunicação eficiente aos consumidores, faz com que outras busquem caminhos semelhantes.
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