sábado, 28 de agosto de 2010

Ambiente: No mundo dos economistas, cultiva-se o mito de que existe um sistema neutro para a natureza.

Por favor se comentar deixe um email para contato.

Sustentar o quê, para quem?
Por Hugo Penteado, para o Valor, de São Paulo
27/08/2010

Ao ler as entrevistas que integram o excelente livro "O Que os Economistas Pensam sobre Sustentabilidade", do jornalista Ricardo Arnt, somos tomados por uma sensação de abandono e falta de respostas claras sobre as ações necessárias para mudar nosso rumo, ao lado do pouco tempo para responder aos estragos já impostos aos mecanismos de sustentação da vida na Terra. Tudo depende daquilo em que acreditamos: como não são os humanos que dão as regras, mas o planeta, torna-se inaceitável o mito de total separação entre economia e ambiente, presente na maioria das análises.
A economia tem ignorado as questões ambientais e sociais, apesar de tantas evidências. É um erro científico monumental. Ao bicho da economia não importa de onde vêm os recursos, nem para onde vão os dejetos. Ele só tem sistema circulatório, só gera benesses que se somam no PIB e flutuam num Jardim do Éden. Esse mundo de faz de conta poderia estar até em Marte, e as conclusões seriam as mesmas.
Não é mencionada nas entrevistas a maior extinção em massa da vida deste planeta nos últimos 65 milhões de anos, causada pela pressão humana sobre os ecossistemas finitos da Terra. O paleontólogo e biólogo Stephen Jay Gould (1941-2002) escreveu que é muita ingenuidade achar que essa extinção jamais vai se voltar contra seus causadores, já que na Terra todos os seres vivos dependem de todos os seres vivos e respectivos ecossistemas. Aquecimento global não é o problema, mas um deles. E nem é o mais importante, além de ser mera consequência. Faltou, na maioria das entrevistas, dar ênfase às causas - uma delas, o crescimento econômico -, mencionadas com clareza e
crítica apenas por José Eli da Veiga e Ricardo Abramovay.
Vários economistas entrevistados raciocinam sob influência dos erros da teoria neoclássica, segundo a qual a economia pode ser maior que o planeta. Não se trata mais de discutir quem está certo ou errado, mas de discriminar as visões de mundo que estão em acordo ou desacordo com a realidade complexa à nossa volta. A economia aplicada, baseada em premissas falsas, sofreu uma quebra de paradigma que, estranhamente, ainda não foi reconhecida pelos seus principais usuários.
As citações do matemático e economista Nicholas Georgescu-Roegen (1906-1994) ignoram a dureza da sua crítica irrefutável. Com sua profunda análise do sistema econômico nos anos 1970, ele previu as tragédias planetárias dos anos 1990 em diante: "Se a economia do descarte imediato dos bens e do desperdício continuar, seremos capazes de entregar a Terra ainda banhada de sol apenas à vida bacteriana".
Se esse vaticínio tivesse sido incorporado ao pensamento econômico como uma contribuição, e não como heresia, teria evitado a maior parte das catástrofes já observadas.


Esse desastre não diz respeito às gerações futuras, pois quem já sofre os danos são as gerações atuais, viventes. Não dá mais para achar o contrário, como na resposta do professor Antonio Delfim Netto, quando lhe foi perguntado se não o preocupava a finitude da capacidade de resistência do planeta: "Eu me preocupo, mas o que posso fazer? Esse futuro eu não vou viver". Essa perda de referência nos faz imaginar que não temos mesmo nada a fazer. Temos sim.
Para falar de sustentabilidade, os economistas devem iniciar pela crítica de Roegen, que recorre às leis da mecânica clássica para explicar processos econômicos. Cultiva-se o mito de um sistema econômico neutro para a natureza: podemos passar um trator na Amazônia, dar marcha à ré e nada aconteceria, porque o sistema econômico é neutro, previsível e absolutamente reversível.
Isso cria ideias estapafúrdias, como a infinita substituição dos recursos da natureza, mas o pecado maior apareceu na teoria de crescimento de Robert Solow: um dia, o ser humano será capaz de produzir outros fatores materiais que não os da natureza - esse capital (máquinas, equipamentos etc.) seria um perfeito substituto da natureza. Não existem outros fatores materiais que não os da natureza, avisam os físicos à sua irmã siamesa, a economia.
O mito da tecnologia aparece amiúde nas respostas dos entrevistados, como solução milagrosa dos problemas, mas há oposição: Eduardo Giannetti e outros pedem que não se conte com milagres tecnológicos. Ao mito do crescimento eterno junta-se outro que tudo justifica: todas as benesses sociais derivam do crescimento. Os economistas precisam também reavaliar os resultados sociais. Há pinceladas sobre esse tema nas entrevistas, mas nada conclusivo.
O Clube de Roma apenas evidenciou, tal como Roegen, que há limite para a economia dentro de um planeta finito. Essa visão simples continua válida, com vários graus de acerto. Não há exercício de futurologia aí. Apenas, recomenda-se reconhecer a incompatibilidade de um subsistema sempre crescente dentro de um planeta finito.
Pouco entendimento é mostrado por grande parte dos entrevistados sobre o cálculo da Global Footprint Network, pelo qual hoje a humanidade já faz uso de 1,3 planeta e não há mais tempo para a regeneração da maior parte dos 20 serviços ecológicos de sustentação da vida, que já estão em colapso.
A mesma conclusão está presente nos dois relatórios do Millenium Ecossystem Assessment, o mais recente dos quais intitulado "Civilization Collapse". A revista "New Scientist" também tocou nesse tema no texto "The folly of growth", no qual pergunta aos cientistas quantas pessoas o planeta sustentaria no padrão de vida dos países ricos. Resposta: apenas 200 milhões.
Veiga e Abramovay fizeram propostas interessantes no âmbito de soluções institucionais, endossadas indiretamente por outros economistas. A discussão sobre renováveis quase sempre foi dirigida para oportunidades de negócios e exportações e não em revogação da rota de colisão com a Terra. Fica clara a necessidade de rever o conceito de energia limpa e suas reais limitações e remover o desperdício monumental (de tudo), como o do sistema de transportes (e não copiar os chineses, que começam a proibir bicicletas nas principais cidades). André Lara Resende tocou nesse ponto com razão. Transformar nosso sistema de transportes, ineficiente energeticamente, evitaria a construção de várias usinas Belo Monte. Na verdade, ter mais energia não significa ter melhores resultados.
O conceito de energia limpa também precisa ser aprimorado, bem como o da economia de baixo carbono, por uma razão muito simples: produzir mais energia, mesmo que com tecnologias mais limpas, aumentará a pressão humana sobre a Terra, e não o contrário. Acima de tudo, não se pode esquecer que não temos só um problema de energia, mas de matéria. É um erro acreditar que o único desafio é obter uma fonte de energia limpa e infinita e com isso construir um novo planeta (crença muito difundida).
O erro de Malthus é o mesmo da visão dominante atual e é hilário ele ser citado como exemplo contrário. Malthus, como todos, não via a menor restrição para o crescimento ininterrupto da população. Apenas recomendava correspondência com o ritmo aritmético de produção de alimentos. Se, por acaso, ele soubesse que os alimentos iriam apresentar crescimento geométrico, não teria visto o menor problema no crescimento populacional.
Uma ideia estranha, similar, está relacionada com a queda dos regimes comunistas. A derrocada do comunismo nada tem a ver com organização política, mas, sim, com colapsos ambientais e falta de recursos naturais - rota igualmente seguida pelo Ocidente, o que sugere um alerta para os regimes ditos "vitoriosos".
Exportações não são uma solução econômica viável para país nenhum, quando não se leva em conta a questão ambiental e planetária. É uma demanda estrangeira sobre os ecossistemas do Brasil, com poucos benefício para a população e impacto negativos até no emprego. A comissão Stiglitz-Fitoussi-Senn recusou o conceito de pegada ecológica, pelo seu viés contrário ao comércio global. O maior furor ambientalista na Europa, hoje, é concentrar-se em produtores locais, para evitar a tragédia carbônica do transporte transoceânico, ignorada também pelo sistema de preços.
O comércio global, principal causa do colapso ambiental civilizatório, pela primeira vez na história da humanidade permitiu aos países ricos exportar esse mesmo colapso para o resto do mundo, a custo zero. Se os Estados Unidos (ou a China, ou outro país rico) fossem o único território deste planeta e não tivessem nenhum lugar onde explorar recursos para sua "prosperidade", já teriam entrado em colapso há muito tempo.
É correta a crítica pela qual não podemos aceitar a tese de que, se os ricos poluíram e destruíram, devemos fazer o mesmo. Precisamos, sim, propor internacionalmente uma forte compensação monetária por salvarmos o resto do planeta. Manter a Amazônia em pé parece ser consenso de todos. Resta saber por que, com tanta unanimidade, a cada ano temos menos floresta e estamos mais próximos de sua resiliência. Segundo Niro Higuchi, cientista brasileiro membro do Intergovernmental Panel on Climate change (IPCC), a floresta retém carbono equivalente a 150 anos de atividade industrial e, se sua resiliência (ou padrão de umidade) desaparecer, não há como impedir que desapareçam bilhões de seres humanos.
É estranho, e errado, achar que a limitação ecológica só existe quando nos aproximamos dela. Em outras palavras, não haveria erro na análise, só no momento em que nos aproximamos do precipício.
No fundo, se a teoria econômica não fosse tão capenga em relação às questões essenciais da humanidade e sua posição vulnerável em relação ao planeta, as potencialidades que teríamos atingido teriam sido muito maiores. O fato de os recursos causarem a impressão de serem inesgotáveis no passado, como respondeu Edmar Bacha, e terem sido tratados como bens livres, é um erro secundário decorrente dos mitos que regem os princípios de conservação e axiomas do pensamento econômico tradicional.
Enfim, o livro é de uma riqueza de análise interessantíssima para abrir um debate que não pode mais ser adiado. Não deixa de ser positivo o fato de os economistas serem chamados a pensar a respeito de um assunto sobre o qual nunca se debruçaram. Mas faltou coragem para reconhecer os erros e as falhas do pensamento atual. Só assim teremos um progresso verdadeiro.
Hugo Penteado é economista formado pela Universidade de São Paulo, autor do livro "Ecoeconomia - Uma Nova Abordagem" (Lazuli, 2003 e 2008)

"O Que os Economistas Pensam sobre Sustentabilidade".

Ricardo Arnt. Editora 34. 288 págs., R$ 44,00

Um comentário:

AngelMira disse...

Não tenho muito tempo agora, por isos ainda não li seu livro e o citado da Ed 34, mais recente. Mas, pela postagem do blog, não posso deixar de ler. Parabéns!

Colaboradores