Míriam Leitão - Panorama Econômico O Globo 31-01-09
Bolsas & famílias
Quando o governo ampliou o Bolsa Família, entendeu-se como gastança federal. Quando o BNDES comprou ações da Aracruz e da Votorantim, entendeu-se como medida contra a crise. Com a primeira decisão, o governo vai gastar meio bilhão de reais e beneficiar 1,3 milhão de famílias pobres; com a segunda, está gastando dois bilhões e meio de reais para beneficiar quatro famílias ricas. No primeiro caso, o governo está incluindo no programa quem tem renda familiar de R$ 137 per capita por mês. No segundo caso, é impossível calcular a renda familiar dos beneficiados. O grupo Votorantim, da família Ermírio de Moraes, e a Aracruz, das famílias Lorentzen, Almeida Braga, Moreira Salles e Safra, fizeram maus negócios na aposta no mercado futuro de câmbio. Perderam muito dinheiro. O BNDES financiou a compra da Aracruz pela Votorantim e ele mesmo comprou um bloco de ações, pagando acima da cotação de mercado. No dia seguinte, o valor das ações caiu mais e os avaliadores de risco deram às ações perspectiva negativa. Sinal de que era um mau negócio e que a junção das duas empresas havia criado outra muito endividada, à qual o BNDES se juntou como um dos donos. Os grupos em questão têm muitos ativos que podem vender, e, com isso, sair da encalacrada em que entraram. Tanto é que a Votorantim, ontem mesmo, vendeu para o grupo Camargo Corrêa, por R$ 2,6 bilhões, a participação que tinha na CPFL, num negócio que será quitado por capital próprio e captação da Camargo junto ao mercado privado. Outros negócios ocorrerão neste momento de crise. A Votorantim saiu da CPFL porque não quer focar em energia; a Camargo comprou porque quer focar em energia. Se o BNDES for menos paternalista, se o governo parar de usar o Banco do Brasil e a Caixa para ajudar empresas, o mundo empresarial fará sozinho boas reestruturações de negócios neste momento de crise. O BNDES entrou na Votorantim-Aracruz porque temia que a Aracruz fosse comprada por uma empresa estrangeira. Qual o problema se fosse? No Brasil há quem se escandalize cada vez que aumenta o gasto com os pobres, e não faz conta alguma do que o Estado gasta com subsídios aos ricos. Os empréstimos do BNDES são com taxas de juros mais baixas do que as pagas pelo Tesouro para se financiar. Há um gasto do Tesouro implícito. O Bolsa Família não é entendido nem por quem o faz. Tem sido temido pela oposição, que vê nele a razão da popularidade do presidente Lula. Tem sido defendido pelos petistas, pela mesma crença. É criticado por quem acha que esse dinheiro está sendo subtraído da educação. É atacado por falsos fiscalistas, que não veem os grossos volumes de dinheiro que saem pelos muitos ralos que subsidiam os ricos no Brasil. É desmoralizado por quem, no governo, acha que a exigência de contrapartida e a fiscalização podem ser negligenciadas. Foi criticado pelo ministro Mangabeira Unger, com argumentos espantosos, preconceituosos e elitistas. Falando dias atrás ao repórter Bernardo Mello Franco, deste jornal, ele revelou que pensa que os pobres preferem ser pobres, teriam a cultura do “pobrismo” e que o programa deveria se concentrar nos “batalhadores”, aqueles que estão às portas da classe média: “O ponto nevrálgico é escolher corretamente o alvo. Muitas vezes tenta-se abordar o núcleo duro da pobreza com programas capacitadores, e aí não funciona. Populações mais miseráveis são cercadas por um conjunto de inibições, até de ordem cultural, que dificulta o êxito desses programas”, disse o ministro, que depois tentou dizer que foi mal interpretado. Na visão do nosso ministro do sei-lá-o-quê, como o define Elio Gaspari, o governo deveria direcionar os recursos do Bolsa Família aos quase-classe média, os “pobres viáveis”. Faltou completar o raciocínio e dizer o que deve ser feito com os pobres e miseráveis brasileiros. Os pobres deveriam ter preferência no dinheiro público. Nunca tiveram, nem mesmo agora. Uma rede de proteção social é ação civilizatória. Mas os avanços dos estudos das políticas sociais já provaram que melhor é construí-la não como um fim em si, mas como um meio de pavimentar o caminho para a mobilidade social através da educação. Não há conflito entre recursos para o Bolsa Família e recursos para a educação. Recentemente, conversei com uma professora de alfabetização do ensino público do Espírito Santo. Ela dá aulas na parte mais pobre de Vitória, e lá 70% das crianças estão no Bolsa Família. O programa tem foco. O erro do lulismo é que mesmo com o mérito de ter ampliado o antigo Bolsa Escola para o Bolsa Família, no fundo, vê o programa como arma eleitoreira. A maneira correta de fazer essa transferência do dinheiro dos impostos aos mais pobres seria a mais impessoal possível, não como um favor paternalista de uma espécie de “pai dos pobres”, mas como direito do cidadão. Milhões desses pobres jamais serão absorvidos no mercado de trabalho. Não por culpa deles, ministro Mangabeira, mas pelos erros do país que os relegou ao analfabetismo e à privação crônica. Os filhos deles, no entanto, têm muita chance. Se persistirmos.
2 comentários:
Como então não fazer uso político? da situação que se beneficia e da oposição que se prejudica ficando contra as suas pretensões o Bolsa família. Exagerando mas parece que ficamos 502 anos demorando para dar a vara e não o peixe. Aprendi que isso nada nmais é do que tautologia, é redundante que é preferivel dar a vara, mas então porque até agora não deram. Criticar é fácil. Posso simplificar para dizer que toda a história da humanidade tem sido que os "ricos despojam os pobres" como explica Noam Chomsky. Como a Miriam nunca passei fome, mas Lula já. Não só fome como exploração por ser pobre. Todos nós podemos concordar que tanto o capitalismo como socialismo não promoveram uma autentica participação dos agentes.
Portanto a critica deve sempre ser contundente 50 por 50% ao governo e às empresas, mas, como vivemos num capitalismo fajuto tanto que o governo gasta mais dinheiro com os ricos como a Miriam mesmo aponta temos que criticar dizendo o que falta no capitalismo para funcionar: mais participação do povo nas decisões tanto nas empresas atraves da abandonada cogestão como do governo com a publicação dos orçamentos de gastos de todos os níveis dos poderes. É preciso 100% de esforço para transformar o capitalismo socializado.
Ziulsorrab, leia Capitalism 3.0 do Peter Drake. Ele diz que os extremos não funcionam (estado não serve, só mercado serve ou mercado não serve, só o estado serve). Tem um filósofo (Nietszche?) que disse que os extremos só servem para montar uma ferradura. Acho que é por aí, nós sempre estams tentados adotar atitudes extremas e escolher o outro lado como inimigo. Isso não faz ninguém evoluir, ao contrário. Descobri, por causa de um assunto relacionado à nossa luta de preservação em Itatiaia, que há dois extremos também: o do economista e o de alguns ambientalistas. O economista que não enxerga o meio ambiente e as pessoas e do ambientalista extremo que não enxerga as pessoas e a economia. Está na hora de integrar todas as dimensões, sair de posições extremas, ouvirmos as posições dos outros com respeito e se não for pedir muito, termos paz.
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