terça-feira, 22 de julho de 2008

Falar e Fazer (Walking the Talk) – Junho, 2008

Por Ricardo Peres (*)
Com a explosão dos temas ligados à sustentabilidade na mídia global, a atenção do mundo inteiro tem convergido nas questões ecológicas e preocupações socioambientais. Em particular, no Brasil, país que ainda retém 55% de sua cobertura florestal (SIVAM) e permanece o campeão mundial em biodiversidade, a consciência ambiental da população tem crescido significativamente desde a Conferência Eco 92 no Rio de Janeiro, hoje se distribuindo homogeneamente em todos os grupos populacionais, com destaque aos grupos que apresentam maior escolaridade, associada à maior renda e à residência em cidades.

Conceitos como biodiversidade, transgênicos, produtos orgânicos, elos biológicos e outros, entraram no repertório da população, a qual também percebe que só através das grandes mudanças de hábitos de consumo e comportamento será possível conservar o meio ambiente. O crescimento da consciência, no entanto, não tem sido acompanhado de mudanças expressivas de hábitos e atitudes. Se por um lado a preocupação com os problemas ambientais e a capacidade de identificá-los crescem em todos os grupos populacionais, por outro lado as soluções residem numa esfera que está além do mero reconhecimento de problemas. Em suma, existe um gap entre informação e ação na população brasileira.

A dissonância entre “falar e fazer” é sabidamente a raiz de inumeráveis erros em nossa civilização ocidental, representando o ponto fraco de igrejas, países, partidos políticos, indústrias e pessoas; uma raiz que brota instituições com personalidades fragmentadas, dessa forma criando conflitos internos e afetando tanto a auto-estima de uns como a credibilidade de outros. Em última análise, a dicotomia entre palavras a ações tende a gerar um “imposto de desconfiança” nas relações sociais que, como todo imposto, tem como seu destino final os ombros da coletividade.

Um estudo recente* sobre a percepção do consumidor brasileiro mostrou que existe um crescente ceticismo do consumidor em relação à concretização das ações das empresas, o que sinaliza a desconfiança do consumidor de que não são as ações, mas sim o marketing, que serve de motor nas campanhas de comunicação de Responsabilidade Social das Empresas (RSE). Supostamente, as empresas não comunicam suas ações com honestidade, percepção que levou ao desengajamento do consumidor, que hoje premia e pune as empresas menos do que fazia no passado (39% em 2000 versus 24% em 2007).

De acordo com outro estudo**, desta vez sobre a consciência ambiental dos brasileiros, 54% dos entrevistados discordam totalmente com a afirmação de que “O conforto que o progresso traz para as pessoas é mais importante do que preservar a natureza”, e 59% disseram não à pergunta, “Você estaria disposto a conviver com mais poluição se isso trouxesse mais emprego?”. Ainda, quando os diferentes grupos e instituições sociais na defesa do meio ambiente são avaliados, a percepção é positiva com relação às organizações ambientalistas (Greenpeace, WWF, etc.) e piora no caso dos empresários e do poder público. O grupo das organizações ambientalistas recebeu uma avaliação positiva de 65% dos entrevistados, ocupando o primeiro lugar, enquanto que o empresariado recebeu uma avaliação positiva de apenas 11%, lhe garantindo o último lugar entre os 10 grupos avaliados pela população.

É natural que esses resultados causem certa ansiedade na comunidade empresarial brasileira, particularmente entre aquelas entidades que já injetaram, em conjunto, bilhões de reais em upgrades de seu capital produtivo, novas metodologias e pesquisa (R&D). Afinal, não parece justo que após tanto investimento a resposta do consumidor seja resumida a mais desconfiança e menos engajamento. Portanto, muitas perguntas – algumas bastante arriscadas – começam a emergir no meio empresarial, entre as quais: Será que nós estamos gastando o dinheiro de forma correta? Ou ainda: Será que essa percepção negativa das práticas socioambientais é um reflexo da atitude do próprio consumidor com relação a si mesmo? Será este o teto da capacidade do consumidor de entender o valor que o empresário está criando? Trata-se, claro, de interrogações merecedoras da atenção normalmente concedida às prioridades, já que a percepção do consumidor é, por definição, uma prioridade em qualquer contexto de mercado.

Observadores acreditam que a solução reside em produzir uma comunicação que ajude o consumidor a discernir entre a empresa mocinho e a empresa bandido, dessa forma sensibilizando e mobilizando o consumidor a valorizar as práticas dos mocinhos. À primeira vista, esta parece ser uma estratégia sensata para abordar a questão. Porém, resta saber se “produzir comunicação visando sensibilizar e mobilizar o consumidor” representa uma iniciativa viável num universo de consumidores cada vez mais autônomos, críticos e produtores de informação, e cujas expectativas são formadas em rede.

Sendo que os meios de comunicação determinam a padronização da percepção e do subseqüente comportamento público, tanto com relação à arena política quanto ao setor produtivo da sociedade, seria necessário compreender a dinâmica dessa percepção operando em parceria com os novos meios de comunicação digitalizados, que hoje contam com a Internet: Um portal de comunicação inerentemente livre e democrático agindo na imaginação e bordando a percepção de todo o mundo, inclusive impactando as atitudes e o conteúdo da mass media, o que tem muitas vezes surpreendido os dois primeiros setores da sociedade, historicamente acostumados a tecer a opinião pública a partir do controle sobre a mídia tradicional (hegemônica).

Ao final de uma recente reunião com a diretoria de uma empresa nacional de energia que procurava soluções para uma campanha de comunicação de RSE, um diretor amigo me dizia, “Gastamos milhões com os caras feras da publicidade e não conseguimos atrair a atenção das pessoas...”. Longe de representar um caso isolado, me parece que esta e muitas outras experiências semelhantes podem ser evitadas se a estratégia levar em consideração que o computador pessoal, sendo o mediador da comunicação em rede, altera a potencialidade da comunicação e a articulação das percepções de maneira radical.

Conforme estabelecido por estudiosos como Yochai Benkler, Sérgio Amadeu da Silveira, Nicholas Negroponte e outros, a Internet é um meio auto-regulável devido a sua natureza participativa e acessível (a comunidade de Heliópolis já conta com 38 Lan Houses em pleno funcionamento). Em todo nosso país, já são 40 milhões de brasileiros com acesso à banda larga, representando os maiores consumidores individuais de Internet do planeta – na frente da França e dos EUA – em contato direto e se organizando em rede. Resumindo, a natureza multiplicadora da Internet, associada à sua velocidade e ubiqüidade, determina o poder de “organizar” e não de “formar” a opinião pública.

De fato, o poder organizacional da Internet é assustador. A capacidade de processar e divulgar conteúdo para o compartilhamento de centenas, milhares e até milhões de pessoas, transforma o internauta numa retransmissora. E são 40 milhões de retransmissoras processando e divulgando volumes enormes de conteúdo e definindo tendências. Dois anúncios de uma grande companhia nacional foram recentemente retirados do ar pelo Conar por divulgarem uma idéia falsa de que a companhia tem contribuído para a qualidade ambiental e o desenvolvimento sustentável do país: um dos produtos da empresa está na lista dos mais poluentes do mundo e não segue resolução do Conama. Também recentemente, uma empresa de produtos que prometem beleza, mas geram enormes áreas queimadas e desmatadas para a produção de insumos, foi pressionada a mudar o fornecedor de uma de suas principais matérias-primas, decisão que, aliás, foi muito bem vista pela comunidade de ambientalistas. É provavelmente dispensável dizer que ambos os casos acima foram resultados de campanhas geradas e organizadas na Internet... .

O consumidor brasileiro se torna mais esclarecido a cada dia e, como mostram os estudos, mais bem informado sobre as questões afetando o seu meio ambiente, seja a Floresta Amazônica ou o bairro onde mora com sua família. Como, então, comunicar com credibilidade num universo onde o seu conteúdo é submetido ao tratamento individual do público que, além de desconfiado, decide se, quando e onde quer lidar com você? Como elaborar um relacionamento de confiança entre a indústria e um consumidor que despertou para as duas faces do crescimento econômico e já começa a correlacionar progresso com poluição? Enfim, como mobilizar um consumidor capaz de fazer um levantamento do histórico ambiental de qualquer grande empresa em 15 minutos, organizar opiniões coletivamente e compartilhar experiências de consumo com toda uma comunidade?

Essa situação coloca um desafio perante o empresariado, demandando uma atitude de liderança com um denominador comum de ações que precisa superar, em muito, aquilo que tem sido feito. De qualquer forma, uma coisa é certa: os “mocinhos” têm pouco com o quê se preocupar, pois se existe uma coisa que fascina todo e qualquer internauta, é a transparência que caracteriza a comunicação em rede e, mais cedo do que tarde, as ações que são divulgadas acabam sendo percebidas, processadas e reconhecidas pelo que são: nem mais e nem menos.

Quanto aos que divulgam informações sem o embasamento de ações verificáveis, sejam pessoas, governos ou empresas, talvez seja produtivo considerar as palavras do presidente Lula, registradas no final de Maio passado, sobre a dissonância entre o “falar e o fazer” dos países de primeiro mundo e suas florestas: De vez em quando eu vejo presidentes de países, vejo cientistas de países darem palpite, e aí você olha os países deles, está careca, não tem nada. E ficam dando palpite no país dos outros. Então, o seguinte: respeito é uma coisa que a gente gosta de dar e gosta de receber.

O século 21 promete um cenário extremamente desafiador para as administrações públicas e privadas que pretendem obter o reconhecimento público de ações socioambientais a medida em que esse público adquire cada vez mais conhecimento sobre as causas reais da devastação ambiental. Em breve, não serão as noções ambientais básicas, como “elos biológicos” e “aquecimento global”, que estarão mobilizando a opinião pública. Conceitos bem mais profundos como a economia ecológica, por exemplo, devem emergir na consciência pública e colocar em cheque as crenças e práticas tradicionalmente consagradas, inclusive a própria idéia de crescimento que embasa todo o nosso arcabouço neoliberal de produção e desenvolvimento. O debate deve se intensificar com o tempo, dinamizando as percepções e tornando a sociedade civil cada vez mais exigente. Nesse contexto, recomenda-se falar a verdade. Sempre.



* Responsabilidade Social das Empresas – Percepção do Consumidor Brasileiro, (2006 – 2007). Akatú – Ethos – Market Analysis

** O que os brasileiros pensam sobre a biodiversidade, Estudo Longitudinal (1992 – 2006). Vox Populi – IBOPE – ISER.

(*) Ricardo Peres é ambientalista, músico e diretor executivo da bentivimídia ltda.

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