sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Termodinâmica da sustentabilidade

Agência FAPESP – O matemático e economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen (1906-1994) ficou conhecido por aplicar à economia o conceito de entropia, emprestado da termodinâmica. Ao mostrar que as concepções tradicionais da economia pecavam pelo extremo mecanicismo, o autor foi um dos precursores da chamada economia ecológica.

Um estudo realizado na Universidade de São Paulo (USP) mostra que as idéias de Georgescu-Roegen, hostilizadas por muito tempo na academia, podem ser fundamentais para o debate atual sobre o desenvolvimento sustentável e sobre os problemas relacionados à energia e ao meio ambiente.

O trabalho, uma pesquisa de mestrado realizada por Andrei Cechin, com apoio da FAPESP, foi defendido no Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (Procam) da USP no fim de julho. O orientador da dissertação foi José Eli da Veiga, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP e pesquisador do Centro de Capacidade e Sustentabilidade da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

De acordo com Veiga, o trabalho recebeu elogios do principal discípulo de Georgescu-Roegen, o economista Herman Daly, da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, que é considerado um dos mais importantes economistas ecológicos vivos.

"Pouca gente resgatou o trabalho de Georgescu-Roegen com essa profundidade. É raro que um estudo de mestrado tenha tal qualidade. E mais raro ainda que seja bem recebido por colegas do hemisfério Norte. Daly recomendou que o trabalho seja publicado em inglês e português", disse Veiga à Agência FAPESP.

Segundo Cechin, o objetivo do estudo foi resgatar as idéias de Georgescu-Roegen e contextualizá-las nos debates da atualidade, especialmente em relação ao que se chama hoje de desenvolvimento sustentável.

"Os manuais de economia sempre começam com o diagrama do fluxo circular, que mostra como o dinheiro, mercadorias e insumos circulam entre famílias e empresas. Para Georgescu-Roegen, isso é um sintoma claro do mecanicismo que predomina na economia", disse Cechin à Agência FAPESP.

Em seu livro A lei da entropia e o processo econômico, Georgescu-Roegen mostrou que o sistema econômico não era um moto-perpétuo, que alimenta a si mesmo de forma circular, sem perdas. Ao contrário, é um sistema que transforma recursos naturais em rejeitos que não podem mais ser utilizados.

"O autor mostrou que o sistema econômico não pode contrariar as leis da física. A segunda lei da termodinâmica estabelece que o grau de degeneração de um sistema isolado tende a aumentar com o tempo, impedindo a existência de moto-perpétuos. Da mesma forma, o sistema econômico não pode se mover para sempre sem entrada de recursos e saída de resíduos", explicou Cechin.

Os processo produtivos possuem diferentes agentes, como capital construído, trabalho e fluxos de recursos naturais, produtos e resíduos. "Ao desenvolver uma nova representação do processo, o autor destacou que ele não é circular e isolado, mas é linear e aberto", disse.

Respeitado pelos economistas convencionais entre as décadas de 1930 e 1960, Georgescu-Roegen foi praticamente banido dos círculos acadêmicos depois da publicação de seu livro, segundo Cechin. "A partir daí, ele passou a estudar as bases biofísicas da economia, conhecimento que ele chamou de bioeconomia. Esses estudos deram origem à economia ecológica, embora ele nunca tenha usado esse termo."

Desenvolvimento sem crescimento
Uma das principais conseqüências dos estudos do economista romeno foi a tese do decrescimento. Mas condenar o crescimento da economia – visto como solução para todos os males sociais e até ambientais – soou como um verdadeiro delírio.

"Era uma tese considerada muito radical não apenas para economistas conservadores, mas até para alguns ambientalistas. Ele dizia que um dia a humanidade terá que pensar em estabilizar as atividades econômicas, pois não haverá como evitar a dissipação dos materiais utilizados nos processos industriais. Isso certamente exigiria um encolhimento da economia", afirmou.

Para Cechin, as idéias de Georgescu-Roegen podem se conciliar com a noção de desenvolvimento sustentável. Mas isso depende do que se entende por desenvolvimento sustentável. "A idéia de um crescimento que se sustenta é incompatível com Georgescu-Roegen. Portanto, se desenvolvimento sustentável for a manutenção da capacidade produtiva da humanidade, o conceito é incoerente com as idéias dele."

Segundo o pesquisador, não seria correto dizer que o economista romeno se opõe ao desenvolvimento, mas que ele defende que a sociedade precisará se desenvolver decrescendo.

"Ele vê a economia não do ponto de vista monetário, mas da perspectiva material. Por isso enxerga que a devolução de resíduos precisará não apenas se estabilizar, mas diminuir efetivamente. A sociedade terá que produzir menos. Mas se o desenvolvimento é a ampliação das liberdades humanas – como defende o prêmio Nobel Amartya Sen –, diminuir o crescimento não significa deixar de se desenvolver", explicou.

Para Cechin, o ambiente hoje é mais propício para a aceitação das idéias de Georgescu-Roegen, seja em virtude da percepção dos problemas ambientais globais – incluindo o aquecimento global e a questão energética –, seja pela percepção científica contemporânea de que fenômenos complexos não podem ser compreendidos com arcabouços mecanicistas e reducionistas.

Fonte: http://www.agencia.fapesp.br/materia/9413/especiais/termodinamica-da-sustentabilidade.htm

7 comentários:

Corpo e atitude disse...

Assisti à sua entrevista ao canal Gnt. Achei muito interessante, prioncipalmente por você ser um economista. Na mídia, os discursos dos economistas aparecem sempre vinculados ao discurso do lucro a qualquer custo, alienados quanto à questão ambiental...Gostei quando ressaltou que a natureza impõe limites ao homem, o que hoje parece esquecido.Lembrei-me do belíssimo texto de Freud "Mal-estar na civilização" e outros de Theodor Adorno. Concordo quando afirmou que ao homem só restam duas saídas; ou preocupar-se com o planeta ou morrer. É bom perceber que resistências à essa racionalidade consumista ainda existem.

Anônimo disse...

Caro Hugo, desculpe usar este meio para outro assunto, mas ocorre que vi seu escirtório publicado na revista "Arquitetura e Construção" e adorei o quadro de uma árvore que tem nele. Depois o vi de novo em entrevista que você deu ao programa "um mundo pra chamar de seu" do GNT. Adoro imagens de árvores e fiquei muito impressionada. Pode me informar de quem é aquele trabalho e onde foi conseguido? Obrigada, Suse Portes

Anônimo disse...

Olá,
Fiquei impressionada com o depoimento curto, porém oportuno, no GNT. Faço administração, e o tema do meu proximo projeto será exatamente RESPONSABILIDADE SOCIAL. Acho que a maioria das pessoas não se dá conta da grande responsabilidade que temos diante do planeta e da vida, inclusive da nossa. Achei fantático seu blog e com certeza, seu livro será o proximo da lista.
Parabéns pela consciência e pelas informações.

Lara

André Sobral disse...

Primeiro quero prarabenizá-lo pela entrevista recente no GNT. Não conhecia seu trabalho até então e fiquei muito satisfeito com seu breve, mas esclarecedor comentário. Sou biólogo, sanitarista, e acabei de defender meu mestrado em Saúde Pública sobre Indicadores de Sustentabilidade e Bem-estar. Na dissertação fiz questão de fazer uma breve discussão sobre os conceitos de desenvolvimento sustentável e sustentabilidade o que me obrigou a recorrer a autores das ciencias economicas como José Eli da Veiga. Voce me recomenda alguns textos ou livros sobre PIB verde?
Um abraço,
André Sobral.

Hugo Penteado disse...

Resposta ao André Sobral:

PIB verde: tenho uma visão pessimista, porque o PIB atual, para essa métrica, uma árvore só tem valor quando derrubada ao chão.

Se mudar a métrica e a árvore em pé tiver valor, ela deixará de ser derrubada?

Nossa ganância diz que não, o problema não está na métrica, mas nos nossos valores. Essa discussão do valor da natureza - o quando sem ela nosso sistema econômico humano inviabilizaria - eu conheço muito pouco, vou lhe dar então minhas impressões primeiras.

Nós temos que nos conformar com o fato que nem tudo pode ser valorado ou quantificado, é o que chamamos de valor intrínseco. Não adianta nada dizer que os serviços da natureza valem 40 trilhões de dólares, mas adianta saber que sem eles não teríamos nada e que o valor intrínseco diz que não podemos nem devemos deixar de respeitar os limites que o planeta nos oferece, caso contrário, ele irá continuar sem nenhum de nós sua jornada de bilhões de anos, prazo temporal que nosso cérebro não entende, porque só vive décadas.

Acho que na sua área, ao invés de PIB verde, talvez seja interessante trazer à tona as vinculações ocultas, interromper o quanto antes essa visão antinatural da vida, essa visão dos economistas, dos governos, das empresas e das pessoas que se multiplicam sem consciência jogando lixo pela cidade e almejando níveis de consumo material que quanto maior, mais distante da realidade dos outros e da nossa sobrevivência na Terra.

É uma mudança e tanto. Temos que dizer.

Manda seu email, por favor, para continuarmos nossa conversa,

Abraço Hugo

Anônimo disse...

CARACA!!!!!!!!!

se vc ainda nao tem um fã-clube, pode deixar q EU vou abrir.

Te vi a primeira vez no "Um mundo pra chamar de seu". Aqui no blog, vi a sua entrevista com a Marilia Gabriela... Putz, a lógica com a qual você estrutura seu pensamento e a forma como mostra o absurdo do sistema são fantásticas!

Eu vi o documentário "The Corporation" há pouco tempo, e o seu discurso complementa de um jeito muito legal o documentário.

Estranho que, estando numa faculdade, pra ser aprovado no TCC, voce deve provar a aplicabilidade do seu tema. Já a vida real, o sistema econômico, que tem um impacto violento na vida de todas as pessoas, é INTEIRAMENTE baseado em uma teoria falha e impossível. Que tipo de paradoxo é esse???

Enfim... o mais interessante de tudo é que você tem a visão prática do assunto (por ser economista) que não se acha em outros discursos... Continue com o seu trabalho, pq ele é demais e outras pessoas deviam pensar nos temas que você comenta.

E eu vou fazer propaganda de voce! hehe

Um abraço, do fã nº 1! rsrs ;)


PS: Com todo o respeito q se possa ter por um ser humano, mas se vc nao fosse comprometido... Ah! eu t pegava!

Ana Mesquita disse...

Olá Hugo

Meu nome é Ana, sou estudante de jornalismo e adorei sua entrevista no GNT. Questões muito pertinentes sobre o modelo de desenvolvimento foram abordadas e não me espanto que tenha vindo de um economista. Um dos principais autores de economia já escrevia sobre o capitalismo ser um sistema econômico ser contra a vida humana há 150 anos atrás. Karl Marx. Entenda, não sou partidária de nenhuma vertente ideológica mas acredito que sua fala tem muito a ver com a essência desse filósofo tão mal compreendido na atualidade. Sou a favor da vida humana e estarei sempre do lado de quem a defender, como você. Grande abraço
Ana

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