quinta-feira, 28 de agosto de 2008

A verdade que dói

A riqueza, a hipocrisia e o fim do mundo

Querem saber qual é o problema ambiental mais grave do planeta? Não titubeio em dizer: a riqueza, ou melhor, o "desenvolvimento". Os padrões ocidentais de riqueza e desenvolvimento. E não me refiro apenas à riqueza dos países desenvolvidos com seus padrões de consumo irresponsáveis. Em países "em desenvolvimento" também há o tipo de riqueza a que me refiro. Não queremos todos alcançar um nível de vida típico de classe média americana, nós da classe pensante brasileira? Até onde posso ver, é comum o desejo de possuir carros. Para aplacar a consciência, exigimos carros flex, ou a álcool, ou doravante movido a qualquer biocombustível, mas ignoramos tranqüilamente as montanhas de minério de Minas Gerais e do Pará literalmente transportadas para as siderúrgicas para retirada de ferro e alumínio destes mesmos carros. Alguém tem idéia do impacto disto? Alguém se predispõe a protestar contra o desejo de possuir um carro? Não, é melhor ser hipócrita. Bastam os biocombustíveis, aliás cultivados utilizando-se insumos agrícolas produzidos com o uso de combustíveis fósseis ou de recursos minerais não renováveis. Sim, porque pouquíssimos estariam dispostos a pagar por biocombustíveis totalmente orgânicos (alguém já viu os preços de hortaliças orgânicas?). Um outro grande desejo humano é ter casa, e a classe média bem informada prefere apartamentos, talvez na beira da praia, tirando a vista dos outros do mar. Uma surpresa para os que acham que só os grandes empresários e os agricultores do mal produzem gases de efeito estufa: a produção do cimento de seu apartamento comprado a suadas prestações é feita a partir da calcinação do carbonato de cálcio: CaCO3 → CaO + CO2. Este CO2 aí no final é o dióxido de carbono, principal gás de efeito estufa. Alguém se propõe a combater a construção de casas? Não, é melhor ser hipócrita. A vaquinha que produziu a picanha que entusiasticamente queimamos no fim de semana produz uma quantidade não desprezível de metano, um gás de efeito estufa mais poderoso que o CO2, imaginem quanto metano produzem vaquinhas para alimentar 6 bilhões de bocas. Ah, você não come carne? Um dos maiores produtores de metano no planeta são os plantios de arroz inundado. Você é um ambientalista ativamente preocupado com a possibilidade de construção de usinas nucleares? Orgulhoso porque o Brasil produz energia a partir da água, um recurso natural renovável? As hidrelétricas estão bem, obrigado, produzindo quantidades nada desprezíveis de metano. Creiam-me, pouquíssimos estão dispostos a realmente fazer as mudanças necessárias para que vivamos numa sociedade realmente sustentável. Modernizando a imagem que Cristo utiliza no Novo Testamento para descrever os hipócritas, preferimos ser sepulcros caiados exalando metano pelas mal disfarçadas rachaduras.

Ítalo M. R. Guedes

9 comentários:

Anônimo disse...

É sempre importante termos mais pessoas corajosas falando sobre esse assunto. Mas,na minha opinião, o maior problema não foi apontado: a quantidade absurda de seres humanos no planeta.
E, sem dúvidas, o Hugo pode falar muito melhor sobre isso do que eu.
Um outro ponto super importante. Crucial, com certeza: cadê as soluções? Não adianta somente apontar problemas sem mostrar soluções. O Ítalo cita em seu texto que, se o leitor não come carne continua sendo um agravante ao clima por comer arroz. Mas o pensamento deve ser diferente. Se você é vegetariano, já deixou de financiar a pecuária, uma das maiores fontes de metano e, pasmem, dióxido nitroso - que é muito mais resistente e tem poder de aquecer até 296 vezes mais que o CO2. Precisamos buscar soluções, propagar idéias, sugestões, iniciativas. Estamos todos no mesmo barco e poucos são os conscientes. Infelizmente a verdade não dói em quase ninguém...

Anônimo disse...

Concordo com a Paula, quero saber quais são as soluções! Porque não dá pra ficar sem moradia. OK, tenho carro e poderia viver sem ele, é um exercício de desapego. Como carne (cada vez menos), e sei que posso melhorar parando com ela, portanto é uma meta, um caminho. E, se o arroz é vilão, tem algum alimento que não o seja?

Porque é importante a gente abrir os olhos para as verdades, e elas precisam ser ditas, mas o tom do texto me deixou pra baixo. Parece que se correr, o bicho pega, se ficar, o bicho come.

Anônimo disse...

Paula, você foi direto ao X da questão, a minha opinião é exatamente esta: há seres humanos demais no mundo, uma boa parte querendo ser um americano consumista. Pensei bastante antes de falar isso, mas decidi deixar para depois - o texto já estava bastante, vamos dizer, pessimista. Não tenho dúvida no entanto que se não partirmos para um controle populacional rigoroso, pouco adiantarão medidas paliativas. Sílvia, meu objetivo foi exatamente deixar as pessoas para baixo: Padre Antônio Vieira sabiamente disse que um bom sermão não é o que deixa os ouvintes satisfeitos com o sacerdote, mas o que deixa-os insatisfeitos consigo mesmos. A situação é realmente difícil. Dê uma olhada no Geófagos, estamos sugerindo saídas há quase dois anos, e continuaremos sugerindo.

Paula Schuwenck disse...

Entendo, Ítalo.
Escreva mais, então. Quanto mais idéias lançadas ao mundo, melhor.
Um abraço

Anônimo disse...

Não minha opinião, a indústria automobilística deveria ser responsável pela reforma dos carros que já foram produzidos. Para que se pudesse produzir uma nova unidade, seria obrigatório reformar cinco já existentes. Deixando-os em condições de rodar novamente. Refazendo freios, motor, supensão...recuperando diveros componentes e modernizando-os. Responsabilidade pela produção cairia sobre as montadoras e o serviço de restauro seria pago pelo consumidor, obrigatoriamente. Economizaríamos muita energia e recursos. E oxigênio

Ibrahim Tauil disse...

A opinião do "anônimo" bate de frente com o modelo pensado, planejado, da produção em série. Base do capitalismo predador americano que é alimentado por sistemas de marketing e propaganda criminosos(principalmente em países subdesenvolvidos). Eu conheço pessoas que se não trocarem de carro todo ano, entram em depressão. E nessa mesma linha entram os celulares, os eletrodomésticos, a moda, etc...etc..

O Mascate disse...

Paula, o mundo está absurdamente povoado,e alguns motivos são conhecidos por nós, a medicina melhorou muito a expectativa de vida do ser humano, a alimentação em alguns paises também ajudou muito nesse sentido, as religiões hipócritas que são contra todo e qualquer tipo de controle de natalidade, e a falta de guerras, apesar dos pesares o mundo está mais calmo, o avanço tecnológico fez com que as grandes nações passassem a pensar duas vezes antes de apertar o gatilho, e guerras querendo ou não, são uma forma de controle populacional.
Sou da paz, mas sei que desde os primórdios da humanidade as guerras foram uma forma de controle. A natureza está se encarregando de fazer o que históricamente era o homem quem fazia. Lembre dos terremotos e tsunamis na Ásia, juntos mataram mais que muitas guerras.
Infelizmente não temos uma forma efetiva de controlar a natalidade, temos é que criar mecanismos para minimizar esse impacto na natureza, mas para isso é necessário engajamento e boa vontade de todos.

Ibrahim Tauil disse...

Um controle de natalidade rígido resolveria. Conheço casos de meninas envolvidas com drogas que engravidam várias vezes de parceiros diferentes. Casos assim não deveriam passar da primeira gravidez. Quanto às guerras, a indústria bélica é hoje uma das maiores, senão a maior, predadoras da natureza. Haja matéria prima para sustentá-la! Do minério de ferro às árvores que são derrubadas para serem transformadas no carvão que vai alimentar as usinas de aço.

Ibrahim Tauil disse...

Sílvia
Quanto ao consumo de carne, acredito que possa até ser aumentado. Basta proibir a exportação. Não vejo lógica em um negócio que beneficia uma minoria representada por pecuaristas. Negócio que desmata e utiliza, aproximadamente, 1/4 do território nacional. Numa ponta acaba com a única maneira de minimizar os problemas causados pela poluição, através do seqüestro de carbono na atmosfera. Na outra, polui muito mais com a emissão de metano na atmosfera. É isso...

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