O Estado de São Paulo
Domingo, 3 de agosto de 2008
INTERNACIONAL
Gigante chinês tem pés de barro
Problemas sociais e econômicos impedem país de se tornar superpotência
John Pomfret
Domingo, 3 de agosto de 2008
INTERNACIONAL
Gigante chinês tem pés de barro
Problemas sociais e econômicos impedem país de se tornar superpotência
John Pomfret
(ver em negrito, comentários meus)
Nikita Kruchev disse que a União Soviética enterraria os Estados Unidos, mas hoje em dia, todos parecem achar que é a China quem está segurando a pá. A República Popular está em marcha – em termos econômicos, militares e até mesmo ideológicos. Os economistas esperam que o seu Produto Interno Bruto (PIB) ultrapasse o dos Estados Unidos até 2025; a sua frota de submarinos está supostamente crescendo num ritmo cinco vezes superior à de Washington; até seu autoritarismo capitalista é chamado de alternativa real à democracia liberal do Ocidente. A China, segundo se diz, está pronta para dominar o século 21, assim como os EUA dominaram o século 20.
A não ser pelo fato de que isto não ocorrerá.
Desde que voltei aos Estados Unidos em 2004 depois de meu último emprego na China, como chefe da sucursal chinesa de The Washington Post, tenho reparado na maneira quase sem fôlego com que falamos a respeito daquele país. Com freqüência, nossa percepção do lugar está mais relacionada à maneira com que enxergamos a nós mesmos do que às coisas que de fato estão acontecendo por lá. Preocupado com o sistema americano de educação? A China torna-se um modelo. Inquieto por causa da nossa falta de prontidão militar? Os mísseis chineses aparecem como ameaça. Incomodado com a minguante influência mundial dos EUA? A China parece pronta para assumir o nosso lugar.
Mas será que a China se tornará de fato uma outra superpotência? Duvido. Não sou um crítico da China. Fui ao país pela primeira vez em 1980 como estudante e acompanhei a notável transformação nos últimos 28 anos. Conheci minha mulher lá e considero a China meu segundo lar. Obviamente não espero que a China imploda. Mas o sonho de domínio não se realizará tão cedo.
Há muitas limitações inseridas nos sistemas social, econômico e político do país. Por causa de quatro principais motivos – uma demografia falida, uma economia superestimada, um meio ambiente sob ataque e uma ideologia que encontra dificuldades para ser exportada – é mais provável que a China permaneça como o adolescente musculoso do sistema internacional, em vez de se tornar a mestra do mundo.
(aqui falha em reconhecer que o meio ambiente sob ataque é uma característica do sistema mundial inteiro e que os países ricos só conseguiram viabilizar seu progresso sem um colapso planetário porque fizeram isso sozinhos e que quando os demais países forem atrás do mesmo progresso, o planeta colapsará; falha também em reconhecer a existência de colapso ambiental local nos países ricos, como os Estados Unidos, que só foi evitado através das trocas ambientais gratuitas e invisíveis do comércio global).
No Ocidente, a China é conhecida como a "fábrica do mundo", a terra da mão-de-obra ilimitada onde milhões estão ansiosos por trocar a precariedade do interior pela oportunidade de apertar parafusos em aparelhos de microondas. Se o país vai atingir o status de superpotência, diz a sabedoria popular, o fará apoiado nas costas da sua força de trabalho maciça.
PAÍS DE VELHOS
Mas a demografia chinesa vai mal. Nenhum país está envelhecendo tão rápido quanto a República Popular, que está a caminho de se tornar o primeiro país do mundo a envelhecer antes de enriquecer. Por causa da famosa política de filho único do Partido Comunista, o número médio de filhos nascidos para as mulheres chinesas caiu de 5,8, na década de 70 para 1,8 atualmente – abaixo da taxa de 2,1necessária para manter a população estável.
(aqui falha em perceber que uma estrutura demográfica por idade estável é uma das consequências da estabilização do crescimento populacional, mas que implica numa deterioração do quociente entre população ativa e população inativa e que essa passagem é realmente dolorosa, quando ocorre, posto que a saúde financeira desse sistema, seja em que base for, mesmo para a China que não tem previdência, inviabiliza; o problema não está na demografia, mas na dependência do nosso sistema de uma demografia que trabalha com o mito que podemos povoar a terra ininterruptamente; portanto, o problema não está na demografia, mas no sistema econômico dependente da megalomania do crescimento; isso é muito grave, porque recomenda fazer a população voltar a crescer e abandonar a política de filho único...)
Enquanto isso, a expectativa de vida subiu bastante, de apenas 35 anos em 1949 para mais de 73 anos hoje. Os economistas preocupam-se com a redução da população chinesa em idade economicamente ativa, que aumentará os custos do trabalho, erodindo significativamente uma das principais vantagens competitivas da China.
Ainda pior, os demógrafos chineses, como Li Jianmin da Universidade Nankai, agora prevêem uma crise envolvendo os idosos da China, um grupo que vai inchar, passando de 100 milhões acima dos 60 anos de idade hoje para 334 milhões até 2050, incluindo impressionantes 100 milhões de pessoas acima dos 80 anos de idade. Como a China fará para cuidar destas pessoas? Por meio de pensões? Menos de 30% dos habitantes urbanos as têm, e nenhum dos 700 milhões de agricultores dispõe delas. E o sistema chinês de pensões financiadas pelo Estado faz o sistema de bem-estar social americano parecer o Fort Knox. Nicholas Eberstadt, demógrafo e economista do Instituto American Enterprise, chama a bomba-relógio da demografia chinesa de "construção de uma tragédia humana em câmera lenta". Não se passa um único mês sem que algum estrategista em Washington papagueie que a economia chinesa está ultrapassando a americana. Mas há dois problemas nestas previsões. O primeiro é que, no universo onde estes relatos são produzidos, os gráficos representando a China são sempre ascendentes, nunca descendentes. O segundo é que, apesar de os documentos incluírem possivelmente algum nuance, o mesmo desaparece quando os estudos são publicados para o restante de nós.
Demografia falida, ideologia sem apelo popular e poluição ameaçam futuro
Um nuance importante que insistimos em esquecer é o tamanho da população chinesa: cerca de 1,3 bilhão de pessoas, mais de quatro vezes a população americana. A China "deveria" ter uma grande economia. Mas em termos per capita, o país não é um dragão – é um lagarto de tamanho médio, instalado no 109º lugar do índice econômico mundial elaborado pelo Fundo Monetário Internacional, entre a Suazilândia e o Marrocos. A economia chinesa é grande, mas o seu padrão médio de qualidade de vida é baixo, e permanecerá assim por muito tempo.
O grande número utilizado como prova de que a China está devorando nosso almoço econômico é o déficit comercial americano em relação ao país, que no ano passado chegou aos US$ 256 bilhões de dólares. Mas quase 60% do total de exportações chinesas são realizadas por empresas pertencentes a não chineses. Em se tratando de exportações de alta tecnologia, como computadores e artigos eletrônicos, 89% delas são de empresas pertencentes a não chineses. A China faz parte do sistema global, mas ainda ocupa a posição de fábrica e linha de montagem de baixo custo – e são firmas estrangeiras, não chinesas, que estão recolhendo o grosso dos lucros.
POLUIÇÃO E DITADURA
Em 2004, quando me mudei com a família para Los Angeles, a capital americana da poluição, os freqüentes ataques de asma e as infecções pulmonares constantes de meu filho pararam. Quando as pessoas me perguntavam por que nós havíamos nos mudado para L.A., eu comecei a brincar: "Por causa do ar puro." Os problemas ambientais da China não são piada. Este ano, o país vai superar os EUA como maior emissor de gases associados ao efeito estufa. A China é a maior destruidora da camada de ozônio e a maior poluente do Oceano Pacífico. Das 20 cidades mais poluídas do mundo, 16 estão na China; 70% de seus lagos e rios estão poluídos e metade de sua população não dispõe de água potável limpa. Até 2030, o país enfrentará uma escassez de água equivalente à quantidade do líquido que é consumida hoje; as fábricas do noroeste já foram obrigadas a fechar porque simplesmente não há mais água. Até os economistas do governo chinês estimam que problemas ambientais consumam anualmente 10% do PIB nacional. E há ainda o filme Kung Fu Panda, que personifica o motivo final pelo qual a China não se tornará uma superpotência: as idéias animadas de Pequim simplesmente não são lá muito animadas.
(como se o problema ambiental da China fosse uma peculiariadade desse país, ignorando, portanto que nos Estados Unidos 50% dos rios, lagos e zonas estuárias também estão poluídos e que esse país só não atingiu seu colapso ambiental por conta do comércio global; falha portanto em reconhecer que é o modelo que está fracassado e não é apenas a China que vai soçobrar, mas o mundo rico inteiro).
O recente sucesso de Hollywood, que trata de um urso panda que faz uso dos ancestrais ensinamentos chineses para se transformar num lutador de kung fu, quebrou os recordes chineses de bilheteria – e provocou um espremer de mãos entre os glamourosos do país. "O protagonista do filme é um tesouro nacional chinês e todos os elementos são chineses, então por que não fomos nós que fizemos um filme como este?", disse Wu Jiang, presidente da Companhia Nacional Chinesa de Ópera de Pequim, à agência oficial de notícias Nova China.
O conteúdo do filme pode ser chinês, mas sua irrelevância e criatividade são 100% americanas. A China continua sendo um Estado autoritário administrado por um partido que restringe o livre fluxo da informação, sufoca a ingenuidade e não entende como corrigir a si mesmo. Os grandes sucessos do cinema não nascem a partir do cano de uma arma de fogo. E nem o fazem as superpotências na era da globalização. Ainda assim, parece que nos deleitamos ao superestimar a China. Recentemente fui a uma festa na qual uma das principais assessoras de um senador democrata estava comentando a respeito do negócio firmado no início do ano por meio do qual uma empresa de investimentos pertencente ao governo chinês comprou uma grande fatia do Blackstone Group, um afirma americana de investimentos. A empresa chinesa perdeu mais de US$ 1 bilhão, mas a assessora não queria acreditar que se tratava apenas de um investimento mal calculado. "Tem de fazer parte de uma estratégia mais ampla", insistia ela. "É a China, afinal." Tentei convencê-la do contrário. Mas não acho que tenha conseguido.
John Pomfret é editor da seção analítica Outlook do jornal The Washington Post. Ele é ex-chefe da sucursal chinesa em Pequim da mesma publicação e autor de Chinese Lessons: Five Classmates and the Story of the New China ("Lições Chinesas: Cinco Colegas e a História da Nova China").
TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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