Gilles Lapouge: Coreia do Norte põe em risco sonho de Obama
Como Teerã, Pyongyang usa o poder atômico como trunfo político
Gilles Lapouge - O Estado de S. Paulo
PARIS - É preciso reconhecer que o momento foi perfeito, como num espetáculo de teatro bem dirigido. Em Praga, o grande ator, a estrela do mundo, Barack Obama pleiteava um universo sem armas nucleares e se oferecia para organizar uma cúpula sobre o tema. Acrescentou uma daquelas belas frases que exaltam os corações: "O destino humano é aquele que nós fazemos."
No mesmo momento, num outro canto do vasto teatro do planeta, um outro ator, secundário, um sujeitinho desprezível, lançava um foguete no céu luminoso do domingo. Esse foguete partiu da Coreia do Norte. O problema é que esse mesmo foguete poderia igualmente servir de vetor para um engenho nuclear.
Ao que parece, o tiro falhou. Nenhum novo satélite foi observado no cosmos, seja porque o teste foi um fiasco, seja porque se tratava não da colocação em órbita de um satélite, mas de uma maneira de dizer ao mundo e, em particular, aos EUA: "Estão vendo? Nós já tínhamos a bomba nuclear. Agora, temos um vetor para enviá-la até o Alasca." Nas duas hipóteses o aviso é o mesmo. Brutal. Bem à imagem dessa ditadura comunista em decomposição que é a Coreia do Norte e de seu estranho chefe, Kim Jong-il. Era sabido que Pyongyang preparava essa jogada de efeito.
Pensava-se que ele não ousaria ir até o fim. Ele ousou.
Durante essa bela semana diplomática, Obama havia mostrado que os EUA não têm apenas o rosto da estupidez ou da arrogância. Ele foi realista e pragmático, foi tolerante. E é por isso que o desafio do coreano é grave. Esse foguete com vocação nuclear que partia da Coreia enquanto Obama falava em Praga teve boa mira. Ele atingiu seu objetivo: o discurso de Obama.
Um discurso poderoso, como foi, outrora, o discurso de Martin Luther King: "Eu tenho um sonho." E se o mundo expurgado de armas nucleares com que Obama nos acena não passasse de um "sonho" também? No entanto, embora o sonho de Luther King tenha demorado para tomar forma, ele se materializa justamente com a chegada de Obama ao poder. Os sonhos levam tempo para se materializar.
Assim, seja graças a Obama ou a Kim, a questão nuclear assombra o horizonte desse começo de reinado. Obama se vê confrontado por duas figuras dominantes daquele "eixo do mal" que tanto atormentava seu antecessor, George W. Bush - a Coreia do Norte e o Irã.
Obama esforça-se para abrir um diálogo com o Irã e juntar todas as boas vontades, incluindo a da Turquia, para reatar os laços com Teerã. Mas, à mão estendida e aos sorrisos tão encantadores, o Irã não respondeu com igual generosidade.
Pyongyang é um dos nós essenciais desse enorme "mercado da proliferação" que se constituiu desde há alguns anos. Assim como se fala de uma globalização econômica que iria nos trazer a felicidade - que, por enquanto, nos deixa melancólicos -, pode-se falar de uma globalização nuclear. E no centro da tela, no centro dessa globalização, está Pyongyang.
Em fins dos anos 70, cientistas soviéticos brilhantes ajudavam a Coreia do Norte. Nessa época, Moscou entregou mísseis táticos a Pyongyang. Com o fim da URSS, os russos começaram a vigiar os conselheiros soviéticos dos norte-coreanos. A China também destacou alguns "cérebros" para Pyongyang. Em seguida, veio a era do doutor Abdul Q. Khan, o genial cientista paquistanês que é o pai da bomba do Paquistão.
Seria preciso somar centenas de filmes de James Bond e alguns romances de John le Carré para atingir um mesmo grau de complexidade e sombras que cerca o programa nuclear . É por isso que, sempre perseguindo o humilde e rude trabalho diplomático, não é inútil que uma grande voz, a de Obama, convoque o mundo para o "sonho" de um mundo desembaraçado da peste nuclear
Gilles Lapouge - O Estado de S. Paulo
PARIS - É preciso reconhecer que o momento foi perfeito, como num espetáculo de teatro bem dirigido. Em Praga, o grande ator, a estrela do mundo, Barack Obama pleiteava um universo sem armas nucleares e se oferecia para organizar uma cúpula sobre o tema. Acrescentou uma daquelas belas frases que exaltam os corações: "O destino humano é aquele que nós fazemos."
No mesmo momento, num outro canto do vasto teatro do planeta, um outro ator, secundário, um sujeitinho desprezível, lançava um foguete no céu luminoso do domingo. Esse foguete partiu da Coreia do Norte. O problema é que esse mesmo foguete poderia igualmente servir de vetor para um engenho nuclear.
Ao que parece, o tiro falhou. Nenhum novo satélite foi observado no cosmos, seja porque o teste foi um fiasco, seja porque se tratava não da colocação em órbita de um satélite, mas de uma maneira de dizer ao mundo e, em particular, aos EUA: "Estão vendo? Nós já tínhamos a bomba nuclear. Agora, temos um vetor para enviá-la até o Alasca." Nas duas hipóteses o aviso é o mesmo. Brutal. Bem à imagem dessa ditadura comunista em decomposição que é a Coreia do Norte e de seu estranho chefe, Kim Jong-il. Era sabido que Pyongyang preparava essa jogada de efeito.
Pensava-se que ele não ousaria ir até o fim. Ele ousou.
Durante essa bela semana diplomática, Obama havia mostrado que os EUA não têm apenas o rosto da estupidez ou da arrogância. Ele foi realista e pragmático, foi tolerante. E é por isso que o desafio do coreano é grave. Esse foguete com vocação nuclear que partia da Coreia enquanto Obama falava em Praga teve boa mira. Ele atingiu seu objetivo: o discurso de Obama.
Um discurso poderoso, como foi, outrora, o discurso de Martin Luther King: "Eu tenho um sonho." E se o mundo expurgado de armas nucleares com que Obama nos acena não passasse de um "sonho" também? No entanto, embora o sonho de Luther King tenha demorado para tomar forma, ele se materializa justamente com a chegada de Obama ao poder. Os sonhos levam tempo para se materializar.
Assim, seja graças a Obama ou a Kim, a questão nuclear assombra o horizonte desse começo de reinado. Obama se vê confrontado por duas figuras dominantes daquele "eixo do mal" que tanto atormentava seu antecessor, George W. Bush - a Coreia do Norte e o Irã.
Obama esforça-se para abrir um diálogo com o Irã e juntar todas as boas vontades, incluindo a da Turquia, para reatar os laços com Teerã. Mas, à mão estendida e aos sorrisos tão encantadores, o Irã não respondeu com igual generosidade.
Pyongyang é um dos nós essenciais desse enorme "mercado da proliferação" que se constituiu desde há alguns anos. Assim como se fala de uma globalização econômica que iria nos trazer a felicidade - que, por enquanto, nos deixa melancólicos -, pode-se falar de uma globalização nuclear. E no centro da tela, no centro dessa globalização, está Pyongyang.
Em fins dos anos 70, cientistas soviéticos brilhantes ajudavam a Coreia do Norte. Nessa época, Moscou entregou mísseis táticos a Pyongyang. Com o fim da URSS, os russos começaram a vigiar os conselheiros soviéticos dos norte-coreanos. A China também destacou alguns "cérebros" para Pyongyang. Em seguida, veio a era do doutor Abdul Q. Khan, o genial cientista paquistanês que é o pai da bomba do Paquistão.
Seria preciso somar centenas de filmes de James Bond e alguns romances de John le Carré para atingir um mesmo grau de complexidade e sombras que cerca o programa nuclear . É por isso que, sempre perseguindo o humilde e rude trabalho diplomático, não é inútil que uma grande voz, a de Obama, convoque o mundo para o "sonho" de um mundo desembaraçado da peste nuclear
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