sexta-feira, 8 de julho de 2011

Desafio do desperdício

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Escrevi para o Abramovay após ler seu excelente texto que combater o desperdício é uma das tarefas mais difíceis que existem, porque entra como sinal positivo no PIB. O desperdício é sinônimo de prosperidade, tudo que o nosso sistema mais faz e nos induz a fazer é desperdiçar alucinadamente e descartar despreocupadamente, sem que ninguém honre por essas externalidades, apenas as entidades adjacentes (os ecossistemas e os demais seres vivos, humanos ou não, que sofrem com esse descalabro em perdas de todos os tipos). Externalidades são geradas e absorvidas por quem menos merece, não é uma questão de gerações futuras, mas atuais, que já sofrem com o lixo que fica ou que viaja mares e oceanos e sai da Europa e dos Estados Unidos e termina na Índia e na China e em outros lugares de muita miséria para fazer parte da única luta possível de sobrevivência para milhões de nossos semelhantes.


A primeira medida que precisa ser adotada imediatamente, dada a nossa limitação tecnológica que segue ignorada pelos iluminados salvadores da sustentabilidade, é o fim do desperdício. Pela New Scientist ou em outros sites como o do WorldWatch Institute, sabemos que o desperdício de energia é da ordem de mais de 70% da produção de energia mundial. Washington Novaes volta e meia toca nisso, mas combater o desperdício é algo que o sistema econômico atual não aceita, por ser ele todo medido em fluxo pelo conceito do PIB e desperdício entra com sinal positivo nessa estatística. Quanto mais desperdiçamos, melhor desempenho econômico apresentamos. O primeiro a perceber isso foi Nicholas Georgescu-Roegen, cujo alerta entre tantos da sua crítica até então irrefutável contra a teoria econômica, foi capaz de antecipar em décadas o que hoje os cientistas sabem. Escreveu Roegen: "Se a economia do descarte e do imedia to desperdício dos bens continuar, seremos capazes de entregar a Terra ainda banhada em sol apenas à vida bacteriana." A humanidade conseguiu a proeza de criar para si e para toda a vida terrestre pela primeira vez em 4,5 bilhões de anos risco de extinção total e já provocamos o maior processo de extinção da vida dos últimos 65 milhões de anos. Stephen Jay Gould declarou que é muita ingenuidade achar que essa extinção jamais irá se voltar contra os causadores e ele também escreveu que a humanidade não faz nem mossa à vida bacteriana. A extinção é para sempre, mas ela se aplica também à nossa espécia animal, por sorte não às bactérias. Podemos ficar felizes, talvez, com isso e atingiremos a nossa imaterialidade.


Desafios da economia verde

RICARDO ABRAMOVAY


Não está afastado o desafio de repensar nossos padrões de consumo, os estilos de vida e o próprio lugar do crescimento econômico nas sociedades




A eficiência energética do petróleo é, até hoje, inigualável: três colheres contêm o equivalente à energia média de oito horas de trabalho humano. O crescimento demográfico e econômico do século 20 teria sido impossível sem esse escravo barato. No entanto, além de seus efeitos sobre a qualidade do ar nas grandes cidades e dos impactos nas mudanças climáticas globais, seu uso traz um problema adicional.
Cada unidade de energia investida para produzir petróleo nos anos 1940 rendia o equivalente a 110 unidades de energia. Ao longo do século 20, esses retornos foram declinando. A estimativa internacional para exploração em plataformas de alto mar, como o pré-sal, hoje, é de um para dez.
Embora as fontes alternativas de energia estejam se ampliando de maneira espetacular, nada indica que, nos próximos 40 anos, consigam substituir a dependência em que se encontram as maiores economias d o mundo de carvão, petróleo e gás. D aí a urgência de acelerar a transição para a economia verde, título de documento lançado em Nairóbi pelo Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente.
O físico e economista norte-americano Robert Ayres, o nome internacional de maior destaque em ecologia industrial, coordenou o capítulo sobre indústria desse documento. O desafio mais importante da economia verde, a seu ver, consiste em reformar a gestão do atual sistema, baseado na economia fóssil, para que se dobre o montante de energia que se extrai de um barril de petróleo (ou do equivalente em termos de carvão ou de gás).
É para enfrentar esse desafio que deve se voltar o essencial do processo de inovação industrial nas sociedades contemporâneas.
Ayres calcula que o sistema econômico desperdiça nada menos que 80% da energia extraída da Terra. É apenas um indicativo do potencial da reciclagem e da reutilização industriais para atenuar a co nhecida escassez de energia e de matér i as-primas.
No coração da economia verde está um esforço de desenho industrial, não apenas no interior de cada empresa, mas na própria relação entre empresas: parques tecnológicos devem se converter em parques ecológicos, garantindo a simbiose no uso de materiais e energia entre diferentes indústrias, como já ocorre, por exemplo, na Dinamarca.
Esse é um exemplo dos promissores processos capazes de promover um relativo descasamento entre o crescimento da produção e o uso de materiais e energia em que, até aqui, ela se apoia.
Mas até onde vai esse descasamento? É verdade que cada unidade de produto hoje é obtida com o uso de menos materiais e energia, e até com menos emissões de gases de efeito estufa que há alguns anos.
Em 2002, cada unidade do PIB mundial foi produzida, em média com 26% menos de recursos materiais que em 1980.
Caiu a intensidade material da produção de riqueza. No ent anto, o crescimento do PIB mundial compe ns ou esse ganho de eficiência: apesar do declínio relativo, o consumo absoluto de materiais aumentou 36%.
E o horizonte 2002/2020 é de que o aumento na produtividade por unidade de produto seja contrabalançado por um consumo quase 50% maior de materiais, com um impacto devastador sobre o clima e sobre os ecossistemas.
Portanto, apesar da importância estratégica de que a economia verde ocupe o centro da inovação, isso não afasta o desafio de repensar os padrões de consumo, os estilos de vida e o próprio lugar do crescimento econômico, como objetivo autônomo, nas sociedades contemporâneas. Inovação e limite são as duas palavras-chave da economia verde.

RICARDO ABRAMOVAY é professor titular do Departamento de Economia da FEA e do Instituto de Relações Internacionais da USP, coordenador de seu Núcleo de Economia Socioambiental, pesquisador do CNPq e da Fapesp.
Site: www.abramovay.pro.br/.

Um comentário:

Júlio Paiva disse...

Em 1996 montei a cia. vira latas de artes cênicas para discutir o custo benefício na produção teatral e através da reciclagem,uma união mais próxima das artes cênicas com as artes plásticas, logo me vi diante das razões urgentes de uma economia verde e a forte resistência dos atores e também da sociedade em entender a arte sem desperdícios, culpa de uma visão burguesa sobre a obra, num mundo de reality-show, onde faz sucesso o que sobra, fica difícil implementar conceitos como, o que tem função dramática tem em si valor, basicamente a sociedade de consumo não busca valor naquilo que tem função, pois já desconhecem os sentidos.

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