No Cidades e Soluções desta semana, mostramos que já é possível calcular, em valores monetários, os serviços ambientais prestados pelos ecossistemas.
Em entrevista exclusiva, o economista indiano Pavan Sukhdev explicou a metodologia criada por ele (TEEB), que já vem inspirando políticas públicas (inclusive no Brasil) de remuneração dos serviços ambientais prestados por florestas ou manaciais de água doce. Em artigo exclusivo para o site Mundo Sustentável, o economista e escritor Hugo Penteado dá a opinião dele sobre o TEEB ( Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade)
Como mudar o paradigma econômico e evitar o precipício?
Por Hugo Penteado, economista com graduação e mestrado na Universidade de São Paulo e autor do livro Ecoeconomia Uma nova Abordagem, ed.Lazuli, 2008.
Valorar a natureza pela metodologia do TEEB – The Economics of Ecosystems and Biodiversity (A economia dos ecossistemas e da biodiversidade) pode ser uma proposta válida, desde que capaz de revogar nossos mitos. Por exemplo, o relatório Stern removeu a cegueira dos relatórios econômicos anteriores ao afirmarem que o custo de combater a mudança climática é muito maior que o seu efeito sobre o PIB num horizonte de 50 anos. A conclusão portanto antes do relatório Stern é que nada deveria ser feito então para evitar a mudança climática.Vários erros podem ser encontrados nesse relatório, mas destacamos a incapacidade de entender os processos sistêmicos, pelos quais as mudanças não estão sujeitas a variações graduais, mas abruptas a partir de determinados pontos de estresse e finalmente o pequeno horizonte temporal, de apenas 50 anos, que apenas exemplifica nossa incapacidade de projetar horizontes que vão além da nossa própria temporalidade. O primeiro mito que TEEB e Stern começaram a ajudar a resolver é o de total separação do nosso sistema sócio-econômico e o planeta e o reconhecimento que se o planeta revidar contra nós, tudo irá desaparecer, não só o progresso nada sustentável que dizemos ter atingido, como a vida terrestre.
Stern teve o mérito de mostrar justamente o oposto e que valeria a pena, em prol do PIB, combater a mudança climática. Apesar de seu retumbante sucesso de convencimento, não avançamos em absolutamente nada na direção de amenizar os efeitos das dramáticas mudanças climáticas já em curso e a margem de segurança estabelecida pelo IPCC, de não ultrapassar a concentração de 350 partes por milhão de gás carbônico equivalente na atmosfera foi revista, por dois motivos: atualmente a concentração jamais vista em um milhão de anos está na casa de 385 partes por milhão e os acordos climáticas, de Kyoto a Copenhagen, fracassaram. A régua de 350 foi escolhida porque todos os cenários do IPCC nessa concentração ficavam dentro de uma elevação máxima de 2 graus Celsius, cujas alterações climáticas permitiriam adaptação. A régua agora é 450 partes por milhão, com riscos de elevações máximas de até 4 graus Celsius, ou seja, incorpora cenários de grande ruptura e mesmo assim, para conseguirmos ficar nesse patamar, a emissão de gases do efeito estufa precisa ser reduzida em mais de 80% até 2050 e ficar nesse patamar para sempre. O único desafio é produzir 200 trilhões de dólares de PIB em 2050 com uma emissão per capita de 1,1 tonelada de gás carbônico equivalente para 9 bilhões de pessoas, lembrando que a emissão per capital atual é de 7,1 tonelada. Não pode haver dúvida alguma que isso jamais será possivel com o atual modelo de produção, consumo, desperdício, geração de lixo e destruição de ecossistemas disseminado para todas as pessoas do planeta. Não há dúvida que não iremos jamais conseguir com a disseminação dos maus hábitos de consumo das populações abastadas para todos. Tudo ainda está sendo estimulado hoje na direção de mais lixo, mais desperdício e dentro da economia do alto carbono e da agricultura baseada em conversão de florestas, ecossistemas e dependente de minerais não metálicos e combjustíveis fósseis.. Não dá para ficar otimista. Aquecimento global deriva da pressão sobre os ecossistemas do nosso sistema sócio-econômico que destrói todos os seus serviços ecológicos de sustentação da vida. Ambos irão resultar no fim da vida na Terra.
A contribuição para a necessária mudança de paradigma de Stern ficou no aspecto econômico relativo do custo de combater a mudança climática versus seu impacto no PIB, estatística que está mais do que na hora de ser execrada. Em uma conversa particular com o Sir Nicholas Stern, ao comentar sobre o excelente artigo da revista New Scientist, entitulado “The folly of growth” (A tolice do crescimento), Stern foi taxativo ao dizer que não há tolice nenhuma no crescimento, desde que sejamos capazes de mudar nossa matriz energética. Em outras palavras, Stern não enxerga o problema da matéria, apenas o da energia e esse é um dos grandes mitos da atualidade: as economias, disse-me ele, poderão crescer infinitamente se obtivermos uma fonte inesgotável e limpa de energia. Mal sabe ele que é tecnologicamente impossível até então e jamais será totalmente limpa, mesmo a solar ou eólica. Isso é revelador como profissionais de áreas alheias a esse conhecimento tecnológico tomam emprestado conclusões para suas assertivas que são absolutamente irreais e incapazes de ser implementadas em qualquer horizonte de tempo relevante para a questão em jogo: a sobrevivência humana na Terra. A esse mito de “só há problema de energia” soma-se o mito de energia limpa ou da economia do baixo carbono. Mitos porque são crenças infundadas na capacidade tecnológica de superação da finitude terrestre. Pois bem, vamos imaginar que a partir de hoje teremos uma fonte inesgotável e limpa de energia e não mais precisaremos carbonizar a nossa finíssima atmosfera nem colocar em risco a vida nesse planeta. Podemos crescer infinitamente? A resposta é não, porque a energia não é produzida apenas para ser admirada, mas para combinar com a matéria, construir, transformar, movimentar objetos, construções, num ambiente cuja primeira restrição é o espaço territorial finito e a segunda e mais importante é a ecológica ou a nossa dependência em relação aos ecossistemas. A Terra não aumenta de tamanho, como iremos acomodar uma recombinação (chamada erradamente de produção) de seus materiais finitos num espaço também finito, onde até a água é finita, sem esfacelar todos os mecanismos de sustentação da vida ligado aos ecossistemas e todos os seres vivos? Existe algo mais estúpido do que a idéia de crescimento econômico? Isso levou o economista chileno Manfred Max-Neef a escrever que qualquer um que acredite que crescimento exponencial ilimitado é possível em um mundo finito ou é um louco ou um economista.
Essa crença absurda e não certificada por nenhum desenvolvimento científico até agora leva a proposições inviáveis que ao invés de evitar a atual rota de colisão da humanidade com a Terra, apenas a acelera. A primeira medida que precisa ser adotada imediatamente, dada a nossa limitação tecnológica que segue ignorada pelos iluminados salvadores da nossa espécie animal, é o fim do desperdício. Também na New Scientist ou em outros sites como o do WorldWatch Institute, sabemos que o desperdício de energia é da ordem de mais de 70% da produção mundial. Washington Novaes volta e meia toca nisso, mas combater o desperdício é algo que o sistema econômico atual não aceita, por ser ele todo medido em fluxo pelo conceito do PIB e desperdício entra com sinal positivo nessa estatística. Quanto mais desperdiçamos, melhor desempenho econômico apresentamos. O primeiro a perceber isso foi Nicholas Georgescu-Roegen, cujo alerta entre tantos da sua crítica até então irrefutável contra a teoria econômica, foi capaz de antecipar em décadas o que hoje os cientistas sabem. Escreveu Roegen: “Se a economia do descarte e do imediato desperdício dos bens continuar, seremos capazes de entregar a Terra ainda banhada em sol apenas à vida bacteriana.” A humanidade conseguiu a proeza de criar para si e para toda a vida terrestre pela primeira vez em 4,5 bilhões de anos risco de extinção total e já provocamos o maior processo de extinção da vida dos últimos 65 milhões de anos. Stephen Jay Gould declarou que é muita ingenuidade achar que essa extinção jamais irá se voltar contra os causadores. A extinção é para sempre, mas ela se aplica também à nossa espécia animal.
Portanto, somos um mundo de cegos guiando outros cegos. Para que o TEEB mude isso, é necessário mostrar que não adianta apenas valorar a natureza, mas mudar o nosso conjunto de valores, interromper e abandonar a idéia de crescimento econômico com seu impacto material crescente e criar um novo modelo de consumo e produção cujo foco saia do crescimento na direção da distribuição dos seus resultados que devem ser melhor mensurados na linha do que já vem propondo pessoas como Amartya Senn e Manfred Max-Neef. Os economistas, por seu turno, precisam parar de brigar entre si, por pura vaidade, e começar a revisar os erros crassos da sua teoria econômica, conforme apontado pelos trabalhos de Roegen décadas atrás. Não dá mais para não reconhecer esse erro epistemológico pelo qual economistas de renome como Joseph Stiglitz, Paul Krugman e tantos outros acreditam que o planeta é um subsistema da economia, que a economia pode ser maior que o planeta e que a economia está totalmente separada do meio ambiente. Para eles, economia tem que crescer e a questão do meio ambiente se resolve com uma boa política ambiental. Negam conhecimentos da física e da biologia, pelo qual todos nós sabemos que do ponto de vista da Terra, aqui somos todos um. Nossa interligação é crucial para manter a vida, os serviços ambientais são irreproduzíveis, basta dar um único exemplo em relação à Amazônia. Um dos serviços dessa imensa floresta com 600 bilhões de árvores, como explicou Antonio Donato Nobre na sua palestra do TEDxAmazônia, é a geração de vapor de água diário equivalente a 20 bilhões de toneladas de água que migram pelos ares e tornam a região abaixo de Cuiabá até Buenos Aires como a única não desértica nessa latitude. À guisa de comparação, o maior rio em volume do mundo, o Amazonas, produz 17 bilhões de toneladas de água por dia e para substituir esse serviço, seriam necessários o equivalente a 50.000 usinas Itaipu.
Podemos valorar a natureza, mas não poderemos substituí-la e o mito de perfeita substituição da natureza por outros fatores produzidos pelo homem está embutido na teoria econômica, embora seja impossível na realidade. Incrível esse e tantos outros erros da teoria econômica continuarem a frente das principais decisões à nossa volta e a pergunta é quanto esse estudo de valoração dos serviços ambientais será capaz de mudar o comportamento ganancioso e egoísta do ser humano, sua inconsciência em relação à sua dependência de todos os seres vivos e seus ecossistemas? O quanto isso será capaz de mudar o atual modelo de desenvolvimento econômico que nos quatro cantos do orbe está cada vez mais célere em direção ao precipício?
http://www.mundosustentavel.com.br/2011/07/como-mudar-o-paradigma-economico-e-evitar-o-precipicio/
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