segunda-feira, 24 de maio de 2010

A CONTA D'AGUA DO BOI

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Who cares? Quem se importa?

A CONTA D'AGUA DO BOI

por Maurício Waldman

Um apelo muito difundido tem realçado que o desperdício de água pode ser resolvido fechando a torneira, diminuindo o tempo do banho e racionalizando a utilização da mangueira. Certo é que estes procedimentos são pertinentes e necessários. Porém a questão da água inclui problemáticas bem mais complexas, sendo pretensão deste artigo, avaliar facetas pouco lembradas.

No caso, o texto terá por foco a relação entre o delicioso bife de carne bovina que parece indispensável na mesa do brasileiro e a conta d’água da natureza. Vejamos o que esta instigante discussão nos revela.

A escalada da poluição tem comprometido a água potável de modo sem precedentes. Nunca na história se constatou uma situação em que o acesso ao líquido estivesse tão ameaçado. Daí as campanhas alertando para poupar água. Até porque, mudar atitudes é essencial para afastarmos a ameaça da sede.

Contudo, é necessário frisar que a questão dos recursos hídricos inclui muitas nuanças. Recordemos em primeiro lugar que a agro-pecuária absorve em média 70% do consumo mundial de água; é seguida pela indústria com 20% e pelo consumo residencial, com 10%.

Como é possível perceber, o consumo doméstico de água é o menor dos três. Ressalve-se que 1.000 litros de água potável (isto é, 1 m³), são suficientes para suprir a necessidade biológica de dessedentação anual de um indivíduo. Outros 100 m³ anuais dariam conta dos propósitos domésticos.

Exatamente por conta do que foi exposto, a ponderação nos impõe um dado objetivo: o de que não será simplesmente fechando as torneiras no âmbito doméstico que a crise dos recursos hídricos encontrará solução. A atitude irá ajudar. Mas resolver não vai.

Portanto, vamos centrar nossa atenção na agro-pecuária, que reclama para si o essencial das águas doces do Planeta. Neste sentido, uma vasta literatura confirma a enorme proporção de água tradicionalmente solicitada pela produção rural. Trata-se de uma “água virtual”, pois embora não esteja visível, foi incorporada no processo de produção dos alimentos.

Exemplificando: a produção de um quilo de trigo reclama o suprimento de 900 litros de água; para produzir um quilo de milho, são necessários 1.400 litros; um quilo de arroz implica em 1.910 litros. Em resumo: uma gestão eficiente dos alimentos importa em muito para a preservação das águas doces.

Igualmente claro é que de longe, a proteína animal é altamente voraz em termos de recursos hídricos. A pecuária é um ramo de atividade sedento, que absorve fração considerável da água disponível. Uma avaliação indica, apenas para as quantidades voltadas para a dessedentação dos animais: 53 litros diários para o gado bovino; 41 para cavalos e jumentos; 6 para suínos, cabras e ovelhas; 0,2 para galinhas.

No Brasil, o item dessedentação de rebanhos consome 4,9% da água, sendo que deste total, o gado bovino absorve cerca de 93%, dos quais a região Centro-Oeste, um destaque na produção de carne bovina, é responsável pela terça parte deste consumo. Há também um consumo de água na forma de ração, limpeza de estábulos, nos matadouros, etc.

É nesta perspectiva que o consumo de carne bovina passou a ser discutido por diversos especialistas. Na voz de cientistas como Dominique Armand e David Pimentel, no contexto da criação extensiva operando com escasso nível técnico, a carne de boi reclama a fabulosa quantia de 100.000 litros de água para cada quilo, podendo inclusive chegar a cifras como 150.000 litros para cada quilo.

Claro que existem fontes citando números menores: 35.000, 20.000 ou mesmo 16.193 litros/quilo, este último um cálculo de Hilel Shuval, renomado agrônomo israelense. Entretanto, recorde-se que esta contabilidade trabalha em muitos casos um paradigma ideal. É o mesmo que falar que uma garrafa de um litro pode ser preenchida com um litro de água, desde que, é claro a torneira esteja aberta exatamente na boquinha e fechada instantaneamente ao término da operação. E se esta mesma garrafa for colocada debaixo de uma cachoeira, quanto irá somar o fluxo de água até o vasilhame ser preenchido?

O número de Hilel Shuval integra este paradigma ideal. Provém de um país, Israel, que constitui padrão de excelência internacional na gestão dos recursos hídricos. Então, tomando por base uma pecuária altamente eficiente quanto ao consumo de água, é possível sim concordar com 16.193 litros para cada quilo produzido. Contudo, quem foi que disse ser esta a realidade do resto do mundo? Quem também poderia afirmar que 16.193, 20.000 ou 30.000 litros é pouco? É menos que 100.000 ou 150.000. Mas é pouco?

Procurando assimilar o significado destes dados, recorde-se que os 100.000 litros de água requisitados para produzir um quilo de carne bovina equivalem a cem caixas d’água domésticas, o que de pronto já significa muita água. Uma outra forma de contabilizar este montante é recordar que 100.000 litros de água são suficientes para uma pessoa tomar banho de ducha durante quatro anos e oito meses e banho de imersão durante um ano e sete meses. Por conseguinte, poupa-se mais água deixando de comer meio quilo de carne do que deixar de tomar banho durante um ano inteiro.

Trata-se de um dado perturbador, principalmente quando se sabe que a falta de água assola milhões de pessoas, dispondo no dia a dia de uma fração mínima do líquido. Segundo estimativas da ONU, 30% da população mundial já vive situação de penúria hídrica. Pensando um referencial de 50 litros diários por pessoa (em linhas gerais a quantidade consumida por um boi somente para matar sua sede), um bilhão de pessoas vive, atualmente, com uma oferta menor do que esta.

Será então que fechar a torneira será suficiente? Entendemos que não. Compreensivelmente a conta d´água da natureza tem que levar em consideração uma mudança dos padrões de consumo, dos modos de vida e dos gostos culturais, todos solicitando revisão urgente.

Além de fechar a torneira e adotar uma dieta com mais vegetais, temos, para complementar, que diminuir o consumo de hambúrguer, contribuindo assim para disponibilizar mais água para as pessoas.

Afinal, ninguém jamais conseguiu beber um boi!

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Estes e muitos outros dados constam na Tese de Doutorado USP de Maurício Waldman, Água e Metrópole: Limites e Expectativas do Tempo: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde-20062007-152538/

Fonte: http://www.institutoninarosa.org.br/index.php


Um comentário:

wazagoo disse...

Grande post, belo post!
parabéns pela idéia principal ... o grito de atenção, um grito de vocábulo alto, certeiro e honesto!! estou contigo meu brother!!!

Satisfações à parte, conheça meu blog também, hhtp://oficinademacacos.blogspot.com

Forte Abraço!

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