quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Discursos de Formatura

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Fernando Lanzer Pereira de Souza

Logo estaremos no final do ano, época em que milhões de jovens passam pelos ritos de passagem que são as cerimônias de formatura, tanto no Segundo Grau como na Universidade. Invariavelmente essas cerimônias incluem um belo discurso, proferido por um “paraninfo” convidado pela turma de formandos. Cabe ao paraninfo inspirar aos formandos (e a seus parentes e amigos da platéia), espelhando o júbilo da comunidade com o acontecimento e oferecendo sábios conselhos para que os jovens enfrentem a vida que têm pela frente. Estive na platéia várias vezes, assistindo às formaturas das minhas filhas (tenho quatro filhas, duas formadas na Universidade, uma no Segundo Grau, uma a caminho).

A maioria dos discursos que assisti (ao vivo ou em video) são realmente inspiradores e oferecem grande valor moral, tanto para os jovens quanto para os velhinhos da platéia (como eu). Suas palavras reforçam nossos valores éticos coletivos e expressam a esperança de que as novas gerações levarão adiante esses valores e alcançarão novos patamares, criando um mundo melhor e uma sociedade mais justa para as gerações seguintes. Infelizmente, nem todos os discursos que assisti foram assim. Na verdade, alguns deles eram “uma cerda”, como diria o “Cillôr Fernandes”…

Permita-me explicar. Existem alguns mitos na nossa sociedade, que são justamente aquelas noções que me fazem ter vergonha desse mundo, que fazem nossa sociedade ser ainda muito injusta e precisando de grandes mudanças. Esses mitos precisam ser denunciados e destruídos. Precisamos todos lutar contra eles e especialmente os jovens precisam evitar que se propaguem e perpetuem. A última coisa de que precisamos é ver esses mitos exaltados e recomendados num discurso de formatura… Nesse “rito de passagem”, os jovens precisam ser inspirados a mudar o “status quo” e não a manter uma sociedade tão necessitada de mudança.

Portanto, ofereço a seguir meus comentários com o objetivo de desmantelar alguns desses mitos. Espero com isso ajudar os jovens a manter seu espírito crítico diante de algumas bobagens às quais serão submetidos no final de ano. Peço perdão pela minha eventual falta de moderação. Faço exageros de propósito, para contrabalançar a exaltação desses mitos que precisam ser destruídos.

Mitos a Destruir

Em muitos discursos se ouvem exaltações ao Trabalho, à Disciplina, ao Foco. As pessoas recomendam aos jovens que estudem com afinco e que desenvolvam sua capacidade de Raciocínio e sua Força de Vontade. Na verdade, essas noções foram desenvolvidas nas culturas dos anglo-saxões e dos germânicos e são noções que alimentam uma atitude de que “só existe um determinado jeito certo de fazer as coisas, os outros estão todos errados”. Essa atitude inclui uma tendência a tentar impor esses valores sobre todo o planeta, até ,mesmo pela força. Exemplos disso foram as invasões do Iraque e do Afeganistâo, bem como as operações da OTAN no leste europeu, tentando impor uma “democracia” à força, mesmo que milhares de pessoas tenham que morrer no processo. Um pouco na linha do “prendo e arrebento quem for contra a abertura”, para não ir muito longe. Está na hora de acabarmos com essas coisas.

O Foco pode ser uma coisa boa, mas também é fácil “passar do ponto” e acabar transformando uma coisa boa num desastre. É como “o lado negro da Força”, para quem foi fã de “Guerra nas Estrelas”. Uma virtude levada ao exagero logo se transforma em defeito. O Foco se transforma em bitolamento. Ele leva você a ficar alienado do que está acontecendo à sua volta. O excesso de foco leva à irresponsabilidade ambiental (falta de responsa-habilidade, ou seja, capacidade de responder adequadamente ao que acontece no ambiente).

Margaret Wheatley chama nossa atenção ao fato de que os animais não são “focados”. Pelo contrário, os animais dedicam atenção igual ao que estão fazendo (comendo, bebendo, caçando, brincando, acasalando, alimentando os filhotes) e ao que está se passando à sua volta. Porisso, são capazes de fugir dos seus predadores (como o “Homem”) quando surge uma ameaça. Os animais podem dedicar metade de sua atenção ao que estão fazendo, mas sempre reservam uma outra metade para o que se passa a seu redor. Ao exaltarmos a necessidade de “focar”, estamos nos distanciando do nosso meio-ambiente e nos tornanndo mais vulneráveis a ameaças.

Não estou falando apenas do nosso ambiente físico. Isso se aplica também a nossas relações interpessoais e à economia. Os executives dos bancos de investimento que criaram a “bolha” do mercado imobiliário americano e a posterior crise de crédito no Mercado internacional estavam todos muito bem focados! Estavam focados em ganhar dinheiro e ganhar bonus espetaculares. Perderam o contato com o impacto que estavam provocando na economia e na sociedade como um todo. Não perceberam os sinais de que a bolha estava prestes a estourar, mas os sinais estava, lá, por toda parte. Muitos inclusive viram os sinais anunciando o dsastre iminente, mas preferiram ignorá-los. Estavam focados demais em salvar seus traseiros e resolveram deixar que o Mercado “se exploda”, como dizia a Rita Lee.

Portanto, ao invés de aconselhar os formandos a “manter o foco”, prefiro dizer “percam o foco!” Jamais percam sua capacidade de perceber o que está acontecendo à sua volta. Jamais percam sua noção do que as pessoas à sua volta estão fazendo, pensando e sentindo. Estejam sempre dispostos a largar o que estão fazendo para interagir com outras pessoas. Jorge Luis Borges disse que, no seu leito de morte, as pessoas não se arrependem de não ter passado mais tempo no escritório. Elas não desejam ter focado mais tempo nas suas carreiras. Pelo contrário, se arrependem de não ter feito o oposto. Se arrependem de ter colocado foco demasiado no seu trabalho e não terem dedicado tempo suficiente aos relacionamentos com outras pessoas e com o mundo ao seu redor. Se arrependem de não ter passado mais tempo em contato com a natureza, caminhando de pés descalços no barro ou sentindo a chuva batendo no rosto.

A Disciplina é exaltada de tal forma que até parece que penitência é coisa boa. A auto-limitação é uma forma de disciplina e ela também é exaltada. Os conselhos dados incluem que devemos resistir à tentação de aproveitar a vida e nos sentirmos livres para fazer o que quisermos. Ao invés disso, devemos “ter disciplina”, ao ponto de sacrificar seus próprios juízos e sentimentos em prol de executar o que algum maluco mandou fazer. Essa é a justificativa de todos os crimes de guerra, dos nazistas aos torturadores da CIA. “Estávamos cumprindo ordens”. De novo, o “lado negro da Força”. A disciplina levada ao exagero leva à irresponsabilidade.

Na verdade, a disciplina deve vir de dentro de cada um, e não imposta de fora para dentro. A disciplina vinda de dentro tem mais a ver com engajamento, ao invés de comprometimento (a diferença pode ser sutil, mas é muito importante).

O engajamento tem a ver com inspiração e não com seguir ordens de terceiros. Tem origem na paixão, nas emoções, e não na obediência a normas externas.

Caros integrantes da Turma de 2009: (todos que estão se formando este ano, quer seja no Segundo Grau ou na Universidade), quero exortá-los a serem mais engajados e menos disciplinados. Sejam fiéis ao seu coração, mais do que à sua cabeça. Estejam conscientes do que estão sentindo, não só do que estão pensando. Decidam o seu próprio caminho, ao invés de seguir cegamente o caminho de outros. Escutem seu corpo e seu coração tanto quanto sua mente.

O trabalho duro pode às vezes ser sinal de burrice, portanto não deve ser exaltado “per se”. Você pode acabar se matando ou provocando acidentes que matam as pessoas à sua volta se você trabalhar sem pensar. Trabalhar duro só pelo esforço exigido pode ser uma forma de auto-punição. Pense no que você está tentando realizar, ao invés de simplesmente se esforçar ao ponto de exaustão. Você não está fazendo penitência. Você deve estar tentando conseguir algum resultado com o seu trabalho, alguma coisa que vai gerar valor para outras pessoas. O trabalho é um meio, não uma finalidade em si. A finalidade última do trabalho é fazer desse mundo um lugar melhor para todos. Se você pensar no trabalho como um fim em si mesmo, você vai acabar ficando dopente ou maluco e vai levar os outros à sua volta também à loucura. E se estiver trabalhando na coisa errada, pode gerar dano ao invés de benefício. Uma explosão acidental pode matar a você e aos seus colegas. É o mesmo que atirar nos seus aliados ao invés de nos seus inimigos. Um exemplo terrível, dentre vários acontecidos na Segunda Guerra Mundial: houve mais civis franceses mortos sem querer pelos próprios Aliados durante a invasão da Normandia do que vítimas civis inglesas durante toda a Guerra. E depois criticam-se os franceses por não demonstrarem gratidão aos ingleses e americanos que os “liberaram”…

Trabalhar com a cabeça é melhor do que trabalhar sem pensar. Descobrir um jeito melhor de se fazer as coisas é melhor do que repetir as coisas do mesmo jeito, cada vewz com mais esforço. Trabalhar com a cabeça evita acidentes. E não esqueçam também de amar, além de trabalhar.

Ao ser perguntado por um jornalista sobre qual seria o critério para definir se alguém é doente mental ou é sadio, Sigmund Freud deu uma resposta simples: “amar e trabalhar”. Uma pessoa sadia é capaz de amar e trabalhar. Expressar carinho pelos outros e produzir algo de valor. Este é o melhor conselho para os formandos: amem e trabalhem. Pessoalmente, eu manteria inclusive esta ordem de importância, embora não saiba se essa era a intenção de Freud.

Estudar com afinco, para mim, também é um mito, baseado nos mitos da supremacia do pensamento racional e da força de vontade e da disciplina. Não me entendam mal, não estou dizendo que ninguém deva estudar. O que estou dizendo é que estudar, para mim, é aprender alguma coisa pela qual você tem interesse. Você não precisa estudar “duro”. Se você não tem interesse por um assunto, não vai aprender esse assunto gastando horas e horas lendo e re-lendo textos quando você preferia estar fazendo outra coisa. Ficar sentado recitando páginas e páginas para si próprio não leva à aprendizagem. A aprendizagem só acontece quando envolve suas emoções. Não se trata de raciocínio, nem de força de vontade para forçar-se a fazer alguma coisa pela qual você não tem nenhum interesse genuíno.

A aprendizagem tem mais a ver com o engajamento e o talento natural e não com o comprometimento e a força de vontade. Se você tiver interesse, vai aprender qualquer coisa, por pior que seja o professor. Um bom professor é aquele que desperta o interesse dos alunos, ao invés de tentar impor “disciplina”. Os melhores aprendizes e alunos são os que se apaixonam pelo assunto. Aprender se torna mais fácil e fonte de prazer. O segredo está em estar em sintonia com suas emoções e sentimentos, sentir-se “completo” e não um escravo da sua mente racional. Assim fazendo, você descobrirá as coisas que despertam sua paixão e terá muito prazer em aprender cada vez mais sobre elas.

Conclusão

Meus caros integrantes da classe de 2009, procurem descobrir qual é o seu jeito individual preferido de aprender, como pessoa. O processo de aprendizagem é singular, diferente para cada um. Cada pessoa aprende de uma forma ligeiramente diferente de outra. Isso sempre envolve mais o seu lado emocional do que o seu lado racional. Tem mais a ver com oseu talento do que com a sua força de vontade. Conheça a si mesmo (Sócrates já disse isso, não é novidade). Procure tornar-se “completo”, plenamente consciente das suas emoções, pensamentos e sensações. Deixe seu talento natural desabrochar. Isso vai lhe ajudar a encontrar seu próprio cvaminho. Continue aprendendo sempre. Sofrer como um mártir não é pré-requisito para ser feliz ou bem sucedido.

O melhor discurso de formatura que vi neste ano foi o do Prof. Tweedie, um professor do Segundo Grau na Escola Internacional de Amsterdam. Não falou em “vencer”, nem em “foco”, “disciplina” ou qualquer dessas bobagens. Falou sobre o que ele observava olhando pela janela do seu escritório na escola, vendo as crianças do jardim de infância brincando no pátio, na hora do recreio. Ele percebeu que ás vezes uma criança caía de algum brinquedo e esfolava um braço ou um joelho. Ele notou que sempre surgia um coleguinha para ajudar o outro a levantar do chão, dando um tapinha nas costas, oferecendo um gesto de apoio ou uma palavra de consolo. Este foi o conselho do Prof. Tweedie aos formandos: ofereçam apoio, ajuda e consolo quando alguém cair. Isso vai fazer do nosso mundo um lugar melhor para todos. Foi uma lição aprendida das crianças e não de algum “guru” consagrado. Concordo cem por cento com a sua mensagem. E acho que temos muito mais a aprender com nossos filhos do que com alguns “gurus” que andam por aí.

2 comentários:

Elio_Augusto disse...

Bom dia, sou professor de Filosofia e achei interessante seu texto sobre os discursos, porém, acredito que, da mesma forma que você condena o dogmatismo acadêmico nos discursos( os tais mitos!)também pratica o mesmo dogmatismo ao defender sua postura. Creio que deve haver um equilíbrio entre forma e conteúdo, entre emoção e razão, entre teoria e prática, pois uma não pode prescindir da outra, correndo o risco de se tornar superficial, e transformando os oradores em "novos sofistas", que procuram a glória "jogando para a galera!".
Não defendo a "ordem e disciplina" em si, mas como método racional. Insisto no conceito de equilíbrio.
Saudações filosóficas!
Prof. Élio Augusto Lazzerini

Hugo Penteado disse...

Professor Élio, quem escreveu esse discurso foi Fernando Lanzer, um amigo sempre gentil, distante, que me socorreu numa questão no ano passado. Ele tem uma visão de mundo mais profunda e diferente e foi um grande executivo, o que mostra sua passagem por várias esferas. Não sou a pessoa certa para falar sobre alguém que não conheço muito. Suas colocações são pertinentes, todavia, pois filosofia deveria ser estudo obrigatório desde a tenra idade, mas infelizmente não é. Acho que devemos fazer um movimento para que filosofia passe a ser ensinada no currículo de todas as escolas e gerações. As pessoas precisam ser ensinadas a pensar e questionar, característica que faz do ser humano distinto dos demais animais, embora do ponto de vista da biologia nada nos diferencia.

Será que o sistema quer seres pensantes?

Abraço

Hugo

Colaboradores