quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Fluxo versus estoque

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Acordei pensando nas lojas grandes de varejo. Até sonhei com aquela megalomania de coisas ganhando vida, enquanto as pessoas caiam mortas a seu lado. Tive uma forte sensação de ser exatamente isso o que significa nosso sistema econômico - sancionado por teorias falsas. Essas lojas deveriam sair do fluxo contínuo de vendas de novos produtos com obsolescência programada e durabilidade curta e INOVAR. Como? Parar de focar em fluxo e focar em estoque, na sua durabilidade, na ecoeficiência e assistência de reparos dos produtos vendidos, que passariam a ser mantidos ou substituídos, mas sem aumento de estoques. Isso deveria ser a ênfase dessa NOVA empresa, vale para outros setores, como carros, petróleo, metalurgia, etc. Os lucros diminuíriam com aumento de custos, mas os preços aos consumidores deveriam ser mantidos, afinal precisamos de mais lucros ou de sustentabilidade real? A filosofia de não podemos abrir mão dos lucros, mas podemos abrir mão do planeta não faz mais sentido.

Enquanto não fizermos uma moratória da expansão de coisas, carros, casas, construções, energia e pessoas, falar de sustentabilidade é apenas uma quimera. Isso vem sendo alertado pelos maiores cientistas da Terra, foi dito por Nicholas Georgescu-Roegen, mas foram ignorados, infelizmente. O desenvolvimento da nossa sociedade precisa ter novas metas, novas métricas e respeitar, acima de tudo, a finitude da Terra e seus serviços ecológicos, sem os quais nada teríamos, nem nossas vidas. Nessas novas métricas, o bem estar social deveria estar acima da acumulação estúpida de riquezas nas mãos de poucos. De resto, sem isso, não existe sustentabilidade alguma, podem pavonear por aí se auto-entitulando sustentáveis, mas sem esse passo solidário com todos, sem alcançar novos estágios de valores morais e espirituais, de identificação com a situação dos outros seres humanos, estamos mentindo para nós mesmos.

O planeta é finito, não comporta crescimento contínuo de estruturas vivas ou não e nem comporta esfacelamento ou interferências contínuas e exponencialmente crescentes nos ecossistemas e nos serviços ecológicos. Por isso a humanidade está em risco de extinção pela primeira vez na sua história. Antes houve sim colapsos locais, mas dessa vez, pela explosão de coisas e pessoas e pelo apego no crescimento contínuo dessas estruturas, atingimos o limite. Os países ricos só conseguiram atingir o nível estelar de consumo da sua sociedade porque fizeram isso sozinhos. Eles só conseguiram manter fluxos da natureza contiuamente sendo destruída para dentro de suas fronteiras através do comércio global onde o meio ambiente, como tudo na economia, segue gratuito e invisível trabalhando por todos nós. Se o resto do mundo for atrás da mesma idéia falsa que não existe o suficiente, estamos fritos. Se não focarmos na enorme concentração de riqueza que vem a reboque desse modelo, sem falar nas guerras, nas pressões políticas, etc., estamos realmente fritos. As empresas todas deveriam parar de focar em engordar as riquezas dos seus gordos donos e a sociedade em redor deveria parar de endeusar essa opulência, porque a nossa maior desgraça não são os ricos, os políticos e as celebridades. Nossa maior desgraça é nossa admiração por eles.

Cada um dos abastados pode aceitar que não precisa de mais e que passou da hora de devolver os recursos que tirou ao planeta e à sociedade. Tudo que existe à nossa volta só existe porque adotamos um modelo econômico onde as transformações são qualityless (não geram mudanças qualitativas no meio ambiente). Com isso as externalidades são invisíveis e se fossem visíveis ou incluídas, não sobraria quase nada daquilo que chamamos de melhora de vida, bem estar e prosperidade. Ficaria muito claro que tudo não passa de um saque planetário, de uma enorme injustiça social e de uma horrível submissão total das pessoas a um sistema que tirou de cada um de nós qualquer possibilidade de se sentir feliz e útil aos outros.

Parecemos bem intencionados, tentamos aparar as arestas, mas a sensação de perda é hoje muito grande hoje, parece que não temos mais nada a perder. Esse problema é da humanidade toda, não dá mais para trabalhar a idéia de salvadores ou de capitães resolvendo esses problemas. Todos são e serão igualmente importantes e essa é a questão principal: inclusão de todos. As estruturas empresariais atuais cuspindo produtos e coisas e construções a cada minuto, um carro a mais a cada segundo, isso dá calafrios. A cegueira é tanta ao ponto de ninguém se incomodar com o soterramento das nossas condições de vida, da paz, tudo com enorme falta de justiça e equidade, elementos que em muitos momentos da história humana norteou as lutas e que agora acabaram nesse teatro mal intencionado à nossa volta.

O poder foi feito para servir e não para se servir dele. Deve ser horrível estar na pele dessas pessoas que excluem a humanidade da sua própria história. Não dá para imaginar o karma que construíram para si, mas tudo indica que só descobrirão isso tarde demais.

Hugo Penteado

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