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A produção de vinho mundial está sendo ameaçada pelo aumento da temperatura do planeta, apontam estudos feitos recentemente. E a França, segundo maior produtor mundial de vinhos, perdendo somente para a Itália, busca soluções para preservar as safras de uvas e garantir o abastecimento de seus famosos vinhos.
De acordo com especialistas entrevistados pelo Opera Mundi, os impactos diretos do aquecimento global são ciclos da vinha mais curtos, transformações no processo de amadurecimento, proliferação de novas doenças e colheitas cada vez mais precoces.
Luiza Duarte
Vinícola na região da Provença. Os franceses são os maiores consumidores mundiais de vinho
“Nas últimas três décadas, houve um aumento progressivo da temperatura, o que tem antecipado a data de colheita em 8 a 15 dias”, apontou Joël Rochard, especialista da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) e diretor do Departamento de Desenvolvimento Sustentável do Instituto Francês da Vinha e do Vinho (IVF).
Tradicionais vinhos franceses como o Bordeaux, Côtes du Rhônes, Bourgogne, Médoc e o Champagne têm sua autenticidade validada pelo selo "Denominação de Origem Controlada", como acontece com outros produtos agrícolas. Para levar o nome pelo qual é conhecido, o vinho tem que conjugar técnicas de fabricação e tipos de uvas específicos a uma localização geográfica pré-determinada. Com a alteração do clima, zonas vinícolas tradicionais seriam forçadas a se adaptar para guardar as mesmas características do produto final.
Em busca de melhores condições, "poderia haver um deslocamento da produção para o norte, ou a implantação de outras variedades", explicou o enólogo François Fevre. Em ambos os casos, isso significaria abandonar o atual sistema de selos de qualidade e mesmo o paladar das bebidas que conhecemos.
Os franceses são os maiores consumidores de vinho no mundo. Cerca de 600 bilhões de litros saem das vinícolas do país a cada ano. O setor, além ser parte do patrimônio cultural e grande atrativo turístico, gera bilhões de euros todos os anos e quase 200 mil empregos. O impacto econômico da transformação ou morte das zonas vinícolas ainda não pode ser estimado. Os gastos com irrigação serão provavelmente os mais elevados, apontam os especialistas.
As vinhas têm uma vida produtiva de 30 a 40 anos e o momento do plantio representa uma decisão que pode custar caro. Investir numa variedade que não adapte as mudanças do clima é um risco alto para os pequenos produtores.
Os especialistas divergem quanto às consequências de uma elevação maior que 5°C da temperatura e seu inevitável preço para a economia. Rochard lembra que diante desse cenário extremo, inundações, fluxos migratórios e o estresse hídrico afetariam muito mais segmentos do que a viticultura e provavelmente levariam ao caos todos os sistemas produtivos.
Bourgogne
De acordo com Fevre, o caso mais preocupante é o da região da Bourgogne, onde se cultiva apenas uma variedade de uva para o tinto, Pinot noir, e uma para o branco, Chardonnay. “Isso impede a manipulação das proporções dos componentes para aperfeiçoar a bebida, como acontece em outros pólos que produzem mais variedades”, explicou. “Com o calor o pinot noir amadurece mais rápido e produz vinhos de maior teor alcoólico”.
O enólogo garantiu que “não há preocupação a médio prazo em relação aos grandes vinhos franceses”, lembrando que atualmente eles não estão em limite de zona produtiva. “O aquecimento vem até provocando efeitos positivos”, revelou. Segundo ele, as mudanças climáticas não são sentidas da mesma maneira em todas as regiões, portanto, “primaveras menos rigorosas evitam perdas de rendimento com geadas”. Essa fase favorável corre o risco de ser passageira, se as temperaturas continuarem a subir.
Luiza Duarte
Na Champagne, noroeste francês, apenas 35mil hectares são responsáveis pela produção da bebida
Soluções
As medidas práticas para conter o impacto do clima nas vinícolas francesas, de acordo com os especialistas, são tornar as garrafas mais leves e privilegiar trens para o transporte, tudo para preservar o sabor. “Também, utilizar menos energia e até mesmo produzir o vinho com o bagaço da uva”, enumera Rochard, que apresentou no Brasil as adegas ecológicas e modelos sustentáveis de produção que desenvolve junto a OVI.
Atualmente na Europa, uma vinha é composta de duas variedades, uma para a raiz e outra que vai definir o tipo da uva. Esse enxerto permite uma maior flexibilidade em relação às mudanças climáticas, uma vez que é possível buscar plantas de base mais resistentes sem alterar o fruto.
Os avanços científicos permitem um conhecimento preciso das técnicas de viticultura. É possível interferir nas características do solo, das vinhas, controlar a exposição solar, alterar as dosagens e desenvolver leveduras especificas. "Nós sabemos o que é preciso para ter uma colheita de qualidade para um tipo de vinho determinado. Temos ferramentas para isso”, garantiu Fevre.
Flexibilizar as normas e alterar o limite das áreas oficiais de produção é outra saída para preservar por mais tempo produtos emblemáticos para a França. Houve uma extensão do território de cultivo de Champagne em direção ao norte e ao oeste e esta expansão pode continuar. Se os estudos “mostrarem que alguns terrenos que antes não faziam parte da delimitação apresentam as condições necessárias, isso pode acontecer”, afirma sem esconder que é preciso muita precaução e investigação para tal medida.
Estudo
Um relatório da ONG ambiental Greenpeace, publicado em 2009, prevê um deslocamento de mil quilômetros das tradicionais zonas de produção de vinho para regiões mais frias até o final do século.
“Na França, a região mais atingida será a mais seca, o sudeste, que inclui as zonas produtivas do Minervois, Côtes du Languedoc, Côtes de Provence, Côtes du Rhône e do Vin Corse”, diz o relatório.
Enquanto o clima do Mediterrâneo pode se transformar em semi-árido, afetando a viticultura na Grécia, sul da Itália, Espanha, Portugal e norte da África, os vinhedos podem virar paisagem comum nos países do norte. “A Inglaterra produz, por enquanto, apenas vinhos brancos, mas alguns renomados produtores de champagne já começaram a investir em terrenos que poderão ser interessantes no futuro”, afirmou Fevre.
Novos atores entram em cena, Rochard aponta o exemplo da Alemanha. “Ela tem uma forte demanda por vinho tinto e tinha sua produção limitada pelas condições climáticas. Agora com o aquecimento tem potencial para produzir bons vinhos tintos”.
Já zonas como a Austrália, que hoje cultivam graças à irrigação podem ser abandonadas com a elevação do custo do fornecimento. “A água vai se transformar em um fator limitante da produção”, avaliou o enólogo.
Consumo
O consumidor já pode sentir o gosto da diferença provocada pelo aquecimento. Fevre define esses vinhos de maturação acelerada como menos ácidos e com maior teor alcoólico, o Millésime 2003, 2005 e 2009 são exemplos. Os vinhos se tornam, mas ricos e “perdem a elegância, embora em relação ao paladar das gerações acostumadas com refrigerantes, isso se torne favorável”.
As “receitas” de família evoluem ao gosto do freguês contemporâneo. “Um vinho como Château Margaux 2009 não é feito como há 20, 50 ou 100 anos atrás, mas ele continua sendo um dos melhores vinhos do mundo”, concluiu Fevre.
Opera Mundi,
Link: http://operamundi.uol.com.br/reportagens_especiais_ver.php?idConteudo=7280
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Sacos de plástico
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17 de novembro de 2010
- O Estado de S.Paulo
O projeto que proíbe o uso de sacolas plásticas pelos estabelecimentos de varejo
da capital paulista, em consonância com a Política Nacional de Resíduos Sólidos,
encontrou inesperada resistência. A proposição, de autoria do vereador Carlos Alberto
Bezerra Jr. (PSDB), já aprovada em primeira discussão pela Câmara Municipal,
deveria ter ido à votação final na quarta-feira (10/11), mas foi retirada da pauta, tendo prevalecido o argumento de que seria muito curto o prazo estabelecido para os lojistas se adaptarem à nova regra. Um substitutivo deve ser apresentado, mas sem chances de ser votado este ano. A protelação é estranha, uma vez que o projeto não propõe mudança radical e conta com o apoio de entidades de defesa do consumidor e de setores do comércio, como a Associação Paulista de Supermercados (Apas).
As redes com mais de 20 lojas teriam seis meses para deixar de usar sacolas plásticas. Na realidade, muitos supermercados já vêm se preparando para isso, oferecendo ao consumidor a opção de adquirir, por preço baixo, uma bolsa retornável, ampla e resistente. Caixas de papelão, para compras maiores, são gratuitas. Já nas redes com 10 a 19 lojas, a proibição teria um ano para entrar em vigor, prazo que se estenderia para dois anos no caso daquelas com menos de 10 lojas. O prazo para as feiras livres vai até quatro anos, um período de transição que para alguns ambientalistas é longo demais.
A cidade de São Paulo está atrasada no que diz respeito à restrição do uso de
embalagens plásticas, não biodegradáveis. Em muitos países, esse tipo de material
está proibido há anos, como parte dos esforços para reduzir as emissões de gases de
efeito estufa, já que a grande maioria dos plásticos é fabricada a partir de derivados de petróleo. No Brasil, o processo já começou no Estado do Rio de Janeiro, onde está em vigor uma lei aprovada em julho do ano passado, que determinou o recolhimento e substituição de sacolas plásticas por bolsas reutilizáveis. Municípios do interior de São Paulo, como Birigui e Jundiaí, também tomaram medidas para reduzir o uso de embalagens plásticas, prevendo a sua proibição total a partir de 1.º de janeiro.
Pode vir a ser adotado em São Paulo, durante a fase de transição, o sistema utilizado
com sucesso no Rio, pelo qual os supermercados oferecem desconto de R$ 0,03 a cada
cinco itens adquiridos pelos consumidores, se eles dispensarem o uso de sacolas de
plástico. É preciso não esquecer de que se trata de uma parcela do custo que deixa de ser
repassada ao consumidor e também representa uma economia para os estabelecimentos.
Além da questão do aquecimento global, os efeitos perniciosos ao meio ambiente das
sacolas de plástico, que levam décadas para se decompor na natureza, são enormes, pois 80% delas são usadas uma única vez e descartadas ou então aproveitadas como sacos de lixo. Entopem bueiros, vão parar em lixões ou aterros sanitários e poluem os rios e o mar, onde são lançadas. A simples observação, na vida cotidiana, mostra como o uso desses invólucros é frequentemente desnecessário e pode ser facilmente substituído. Calcula-se que se utilizam no País 35 mil unidades de sacolas por minuto e 2 milhões por hora.
É verdade que a situação já foi pior. Graças aos esforços de conscientização, algum
progresso tem sido feito. Desde 2007 está em vigor o Programa de Qualidade e
Consumo Responsável de Sacolas Plásticas, resultante de uma parceria entre a indústria e o varejo, que projeta um consumo de 14 bilhões de sacolas não biodegradáveis este ano, um número ainda muito elevado, mas que registra uma queda de 3,9 bilhões de unidades com relação a quatro anos atrás. Esses são esforços meritórios, mas insuficientes. São necessárias medidas mais ousadas do poder público para reduzir ainda mais o uso de sacolas plásticas e estimular a sua reciclagem, quando possível.
Pelo visto, a maioria da Câmara Municipal de São Paulo considera que os interesses de
uma parte dos lojistas se antepõem aos da população
17 de novembro de 2010
- O Estado de S.Paulo
O projeto que proíbe o uso de sacolas plásticas pelos estabelecimentos de varejo
da capital paulista, em consonância com a Política Nacional de Resíduos Sólidos,
encontrou inesperada resistência. A proposição, de autoria do vereador Carlos Alberto
Bezerra Jr. (PSDB), já aprovada em primeira discussão pela Câmara Municipal,
deveria ter ido à votação final na quarta-feira (10/11), mas foi retirada da pauta, tendo prevalecido o argumento de que seria muito curto o prazo estabelecido para os lojistas se adaptarem à nova regra. Um substitutivo deve ser apresentado, mas sem chances de ser votado este ano. A protelação é estranha, uma vez que o projeto não propõe mudança radical e conta com o apoio de entidades de defesa do consumidor e de setores do comércio, como a Associação Paulista de Supermercados (Apas).
As redes com mais de 20 lojas teriam seis meses para deixar de usar sacolas plásticas. Na realidade, muitos supermercados já vêm se preparando para isso, oferecendo ao consumidor a opção de adquirir, por preço baixo, uma bolsa retornável, ampla e resistente. Caixas de papelão, para compras maiores, são gratuitas. Já nas redes com 10 a 19 lojas, a proibição teria um ano para entrar em vigor, prazo que se estenderia para dois anos no caso daquelas com menos de 10 lojas. O prazo para as feiras livres vai até quatro anos, um período de transição que para alguns ambientalistas é longo demais.
A cidade de São Paulo está atrasada no que diz respeito à restrição do uso de
embalagens plásticas, não biodegradáveis. Em muitos países, esse tipo de material
está proibido há anos, como parte dos esforços para reduzir as emissões de gases de
efeito estufa, já que a grande maioria dos plásticos é fabricada a partir de derivados de petróleo. No Brasil, o processo já começou no Estado do Rio de Janeiro, onde está em vigor uma lei aprovada em julho do ano passado, que determinou o recolhimento e substituição de sacolas plásticas por bolsas reutilizáveis. Municípios do interior de São Paulo, como Birigui e Jundiaí, também tomaram medidas para reduzir o uso de embalagens plásticas, prevendo a sua proibição total a partir de 1.º de janeiro.
Pode vir a ser adotado em São Paulo, durante a fase de transição, o sistema utilizado
com sucesso no Rio, pelo qual os supermercados oferecem desconto de R$ 0,03 a cada
cinco itens adquiridos pelos consumidores, se eles dispensarem o uso de sacolas de
plástico. É preciso não esquecer de que se trata de uma parcela do custo que deixa de ser
repassada ao consumidor e também representa uma economia para os estabelecimentos.
Além da questão do aquecimento global, os efeitos perniciosos ao meio ambiente das
sacolas de plástico, que levam décadas para se decompor na natureza, são enormes, pois 80% delas são usadas uma única vez e descartadas ou então aproveitadas como sacos de lixo. Entopem bueiros, vão parar em lixões ou aterros sanitários e poluem os rios e o mar, onde são lançadas. A simples observação, na vida cotidiana, mostra como o uso desses invólucros é frequentemente desnecessário e pode ser facilmente substituído. Calcula-se que se utilizam no País 35 mil unidades de sacolas por minuto e 2 milhões por hora.
É verdade que a situação já foi pior. Graças aos esforços de conscientização, algum
progresso tem sido feito. Desde 2007 está em vigor o Programa de Qualidade e
Consumo Responsável de Sacolas Plásticas, resultante de uma parceria entre a indústria e o varejo, que projeta um consumo de 14 bilhões de sacolas não biodegradáveis este ano, um número ainda muito elevado, mas que registra uma queda de 3,9 bilhões de unidades com relação a quatro anos atrás. Esses são esforços meritórios, mas insuficientes. São necessárias medidas mais ousadas do poder público para reduzir ainda mais o uso de sacolas plásticas e estimular a sua reciclagem, quando possível.
Pelo visto, a maioria da Câmara Municipal de São Paulo considera que os interesses de
uma parte dos lojistas se antepõem aos da população
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
Os gringos continuam por fora
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17 de novembro de 2010
André Meloni Nassar - O Estado de S.Paulo
Depois que quase três semanas na Europa discutindo em diferentes fóruns expansão da
agricultura e mudança no uso da terra, cheguei à conclusão de que valeria a pena trazer os pontos do debate internacional, por mais absurdos que sejam - e alguns o são muito -, para a opinião pública brasileira. De longe, o tema da mudança no uso da terra é a questão estrutural mais relevante para os produtores agrícolas do Brasil e do mundo. Vários argumentos, vindos de variadas direções, jogaram-na no centro do debate.
O primeiro nasce dos avanços da tecnologia de informação e das ferramentas de
sensoriamento remoto. Com a crescente disponibilidade de imagens de satélite de
melhor resolução e computadores de maior velocidade, novas bases combinando
dados de sensoriamento remoto e dados secundários foram desenvolvidas, permitindo
o surgimento de uma profusão de estudos que analisam mudanças globais no uso da
terra. A despeito dos diversos problemas que esses estudos podem apresentar, uma vez
que, em geral, muitas análises são feitas apenas com base em imagens de satélite sem
validação de campo, é inegável a sua contribuição para o entendimento dos eventos
passados.
Os estudos, no frigir dos ovos, têm mostrado o que sempre se soube, mas que não se
conseguia quantificar com precisão: que grande parte da terra no mundo está sob uso
agropecuário e o crescimento da agropecuária, pela singela evidência de que o setor
usa muita terra, provocou uma enorme conversão de vegetação natural. Estima-se que
o mundo todo utilize 1,5 bilhão de hectares para lavouras anuais e perenes e 2,8 bilhões para pastagens. Do total de lavouras, 47% estão em áreas antes ocupadas por florestas e 38%, antes ocupadas por savanas (os cerrados) e pastagens naturais. No caso da Europa, 77% das lavouras estão em áreas antes ocupadas por florestas. Esse índice cai para 34% e 20% nos casos da América do Sul e da África.
No caso das pastagens, somente 19% estão em áreas ocupadas antes por florestas e
49%, no caso das savanas e pastagens naturais. Enquanto na Europa 85% das pastagens
estão em áreas ocupadas anteriormente por florestas, algo até óbvio, porque eram
florestas que predominavam no território europeu, na América do Sul e na África esse
índice cai para 35% e 12%. Nestas duas regiões predominam pastagens em savanas e,
como não poderia deixar de ser, pastagens naturais. Interessante notar que América do
Sul e África são as únicas regiões onde a área com pastagens ainda é muito maior do
que a área com lavouras (quatro vezes). Isso indica o grande potencial de expansão de
lavouras e melhor uso das pastagens.
Colocando o uso da terra numa perspectiva de mudança ao longo do tempo, as imagens
de satélite dizem-nos que grande parte da expansão do setor agropecuário nos anos 80
e 90 ocorreu em áreas de florestas e pastagens naturais. Na América do Sul o número
chega a 75%. Já na Ásia, mais de 90%. Embora a quantificação seja importante, não há
dúvida, a conclusão não deixa de ser óbvia. Afinal, a produção de alimentos usa terra, as nações são soberanas para decidir como querem usar seu território e os países que têm mais floresta convertem mais floresta. Foi assim na Europa e tem sido assim na Ásia.
O segundo argumento é uma consequência natural do anterior. Se o setor agrícola
no mundo se expandiu sobre florestas, deverá continuar se expandindo dessa forma
no futuro. O raciocínio é simples. Dado que a demanda mundial por alimentos vai
continuar crescendo, mais áreas serão necessárias, dando continuidade ao processo
de conversão de vegetação natural em agricultura. É, sem a menor dúvida, uma
questão relevante. O problema é que essa constatação vem junto com a questão da
responsabilidade pela conversão. A demanda por produtos agrícolas cresce no mundo
todo e predomina a tentação de atribuir responsabilidade pela conversão de vegetação
natural só ao país onde ela ocorre.
O terceiro argumento é uma sofisticação do segundo. Infelizmente, ainda há gente no
Brasil que compra esse argumento. As imagens de satélite comprovam que a conversão
para pastagens é a forma que predomina no avanço da fronteira. Como a área com
lavouras continua crescendo, mas são as pastagens que atuam com maior intensidade
na fronteira, ocorre o chamado efeito cascata. No Brasil, a soja é o patinho feio da vez no assunto, mas fora do País, até pela falta de outras evidências, tenta-se dar à cana-de-açúcar essa pecha. Obviamente, não se vai a lugar algum com esse argumento,
porque é o aumento do preço da terra que leva à intensificação de pastagens, e o preço da terra aumenta quando as lavouras se estão expandindo e demandando mais terra. A substituição de pastagens por lavouras, assim, é solução para o problema, e não a causa. A causa, por sua vez, é o baixo custo de desmatar.
Meu discurso fora do Brasil tem sido reconhecer todas essas questões sem jogar nada
para debaixo do tapete. Afinal, as imagens de satélite me desmentiriam facilmente. É
como erguer uma muralha numa guerra com aviões. É derrota, na certa. No entanto,
imagens de satélite são as que se refletem no retrovisor do carro. É aquilo que vemos
pela janela quando nos sentamos de costas num trem.
A queda do desmatamento, a aplicação do Código Florestal, a moratória da soja e, mais
recentemente, a da pecuária, o zoneamento da cana-de-açúcar e o grande potencial de
aumentar, mesmo que lentamente, a produtividade da pecuária de corte são garantias
de que o retrovisor de amanhã vai mostrar algo diferente do de hoje. Lentamente e sem
xenofobia, vamos mostrando aos "gringos" que eles, na verdade, continuam a saber
pouco do Brasil. Pena é que precisemos também gastar tempo com os brasileiros que
têm vergonha de defender as suas bases - o que significa, neste caso, ficar do lado do setor agrícola.
DIRETOR-GERAL DO ICONE. AS ORIGENS DOS DADOS CITADOS NESTE ARTIGO PODEM CONSULTADAS COM O AUTOR. E-MAIL: AMNASSAR@ICONEBRASIL.ORG.BR
17 de novembro de 2010
André Meloni Nassar - O Estado de S.Paulo
Depois que quase três semanas na Europa discutindo em diferentes fóruns expansão da
agricultura e mudança no uso da terra, cheguei à conclusão de que valeria a pena trazer os pontos do debate internacional, por mais absurdos que sejam - e alguns o são muito -, para a opinião pública brasileira. De longe, o tema da mudança no uso da terra é a questão estrutural mais relevante para os produtores agrícolas do Brasil e do mundo. Vários argumentos, vindos de variadas direções, jogaram-na no centro do debate.
O primeiro nasce dos avanços da tecnologia de informação e das ferramentas de
sensoriamento remoto. Com a crescente disponibilidade de imagens de satélite de
melhor resolução e computadores de maior velocidade, novas bases combinando
dados de sensoriamento remoto e dados secundários foram desenvolvidas, permitindo
o surgimento de uma profusão de estudos que analisam mudanças globais no uso da
terra. A despeito dos diversos problemas que esses estudos podem apresentar, uma vez
que, em geral, muitas análises são feitas apenas com base em imagens de satélite sem
validação de campo, é inegável a sua contribuição para o entendimento dos eventos
passados.
Os estudos, no frigir dos ovos, têm mostrado o que sempre se soube, mas que não se
conseguia quantificar com precisão: que grande parte da terra no mundo está sob uso
agropecuário e o crescimento da agropecuária, pela singela evidência de que o setor
usa muita terra, provocou uma enorme conversão de vegetação natural. Estima-se que
o mundo todo utilize 1,5 bilhão de hectares para lavouras anuais e perenes e 2,8 bilhões para pastagens. Do total de lavouras, 47% estão em áreas antes ocupadas por florestas e 38%, antes ocupadas por savanas (os cerrados) e pastagens naturais. No caso da Europa, 77% das lavouras estão em áreas antes ocupadas por florestas. Esse índice cai para 34% e 20% nos casos da América do Sul e da África.
No caso das pastagens, somente 19% estão em áreas ocupadas antes por florestas e
49%, no caso das savanas e pastagens naturais. Enquanto na Europa 85% das pastagens
estão em áreas ocupadas anteriormente por florestas, algo até óbvio, porque eram
florestas que predominavam no território europeu, na América do Sul e na África esse
índice cai para 35% e 12%. Nestas duas regiões predominam pastagens em savanas e,
como não poderia deixar de ser, pastagens naturais. Interessante notar que América do
Sul e África são as únicas regiões onde a área com pastagens ainda é muito maior do
que a área com lavouras (quatro vezes). Isso indica o grande potencial de expansão de
lavouras e melhor uso das pastagens.
Colocando o uso da terra numa perspectiva de mudança ao longo do tempo, as imagens
de satélite dizem-nos que grande parte da expansão do setor agropecuário nos anos 80
e 90 ocorreu em áreas de florestas e pastagens naturais. Na América do Sul o número
chega a 75%. Já na Ásia, mais de 90%. Embora a quantificação seja importante, não há
dúvida, a conclusão não deixa de ser óbvia. Afinal, a produção de alimentos usa terra, as nações são soberanas para decidir como querem usar seu território e os países que têm mais floresta convertem mais floresta. Foi assim na Europa e tem sido assim na Ásia.
O segundo argumento é uma consequência natural do anterior. Se o setor agrícola
no mundo se expandiu sobre florestas, deverá continuar se expandindo dessa forma
no futuro. O raciocínio é simples. Dado que a demanda mundial por alimentos vai
continuar crescendo, mais áreas serão necessárias, dando continuidade ao processo
de conversão de vegetação natural em agricultura. É, sem a menor dúvida, uma
questão relevante. O problema é que essa constatação vem junto com a questão da
responsabilidade pela conversão. A demanda por produtos agrícolas cresce no mundo
todo e predomina a tentação de atribuir responsabilidade pela conversão de vegetação
natural só ao país onde ela ocorre.
O terceiro argumento é uma sofisticação do segundo. Infelizmente, ainda há gente no
Brasil que compra esse argumento. As imagens de satélite comprovam que a conversão
para pastagens é a forma que predomina no avanço da fronteira. Como a área com
lavouras continua crescendo, mas são as pastagens que atuam com maior intensidade
na fronteira, ocorre o chamado efeito cascata. No Brasil, a soja é o patinho feio da vez no assunto, mas fora do País, até pela falta de outras evidências, tenta-se dar à cana-de-açúcar essa pecha. Obviamente, não se vai a lugar algum com esse argumento,
porque é o aumento do preço da terra que leva à intensificação de pastagens, e o preço da terra aumenta quando as lavouras se estão expandindo e demandando mais terra. A substituição de pastagens por lavouras, assim, é solução para o problema, e não a causa. A causa, por sua vez, é o baixo custo de desmatar.
Meu discurso fora do Brasil tem sido reconhecer todas essas questões sem jogar nada
para debaixo do tapete. Afinal, as imagens de satélite me desmentiriam facilmente. É
como erguer uma muralha numa guerra com aviões. É derrota, na certa. No entanto,
imagens de satélite são as que se refletem no retrovisor do carro. É aquilo que vemos
pela janela quando nos sentamos de costas num trem.
A queda do desmatamento, a aplicação do Código Florestal, a moratória da soja e, mais
recentemente, a da pecuária, o zoneamento da cana-de-açúcar e o grande potencial de
aumentar, mesmo que lentamente, a produtividade da pecuária de corte são garantias
de que o retrovisor de amanhã vai mostrar algo diferente do de hoje. Lentamente e sem
xenofobia, vamos mostrando aos "gringos" que eles, na verdade, continuam a saber
pouco do Brasil. Pena é que precisemos também gastar tempo com os brasileiros que
têm vergonha de defender as suas bases - o que significa, neste caso, ficar do lado do setor agrícola.
DIRETOR-GERAL DO ICONE. AS ORIGENS DOS DADOS CITADOS NESTE ARTIGO PODEM CONSULTADAS COM O AUTOR. E-MAIL: AMNASSAR@ICONEBRASIL.ORG.BR
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Componente socioambiental da reputação bancária
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Muitas vezes a palavra sustentabilidade é usada para adoçar práticas predatórias.
Ricardo Abramovay
17/11/2010 – Valor Econômico
Duas características inéditas marcam o capitalismo do Século XXI. A
primeira é a exposição voluntária das bases socioambientais em que se
apoiam seus processos produtivos por parte de organizações empresariais.
A segunda é que esse movimento de abertura dos fundamentos materiais,
biológicos, energéticos e, em certa medida, sociais dos empreendimentos
resulta de pressões vindas de atores que até bem pouco tempo quase não
dialogavam com firmas privadas e sequer faziam delas o foco de sua ação.
Esses elementos exercem uma influência decisiva na maneira como se
molda hoje a reputação no setor financeiro e, portanto, alteram o círculo de
relações sociais a partir do qual os bancos constroem os vínculos de
confiança em que se apoiam.
Não são raros os casos, é bem verdade, de propaganda enganosa em que se
veicula a palavra sustentabilidade para adoçar práticas predatórias. Ao
mesmo tempo, pode parecer credulidade valorizar o movimento em direção
à responsabilidade socioambiental bancária, quando se leva em conta a
magnitude e a origem da crise que teve início em 2008 e que responde por
uma elevação impressionante da insegurança, do desemprego e da
opacidade que marcam as práticas financeiras atuais.
Que a grande maioria das operações bancárias não se paute por critérios
básicos e explícitos quanto a seus impactos socioambientais não há dúvida.
Responsabilidade socioambiental é tema que, até hoje, não pertence ao
âmago das operações financeiras e tende a ser confinada em departamentos
voltados explicitamente a esta finalidade.
Apesar disso, é impossível tratar como pura cortina de fumaça o amplo
movimento de bancos e outras organizações financeiras com relação às
consequências socioambientais de seus financiamentos. O grau de
profundidade dessas mudanças de comportamento não está decidido de
antemão. Reginaldo Magalhães1 acaba de defender tese de doutorado no
Programa de Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo em que
disseca os novos componentes da reputação bancária e as alterações em
organizações não governamentais, que respondem, em grande parte, por
uma nova agenda do setor financeiro. As críticas recentes de um conjunto
expressivo de organizações da sociedade civil à ausência de temas
socioambientais na discussão de Basileia 3, a abertura por parte da
International Finance Corporation (IFC) e do Global Reporting Initiative de
uma consulta pública a respeito dos parâmetros que devem nortear os
relatórios socioambientais das empresas são dois exemplos atuais de um
movimento mais geral que a tese de Reginaldo Magalhães expõe. Vale a
pena destacar três elementos importantes desse trabalho.
Interação entre bancos e sociedade civil deve ser permanente para a
construção de novas regras dos mercados
O primeiro refere-se ao conceito de reputação. Não se trata de imagem, de
algo exterior, um sorriso mecânico que a empresa manipula por meio de
comunicadores hábeis. A reputação é constituída por relações sociais
duráveis, dotadas de conteúdo informativo, de concepções, ideias e valores
sobre o que significa fazer negócios, quais os métodos corretos para se
alcançar sucesso, ou seja, sobre um conjunto de significados partilhados
com base nos quais os atores identificam-se como pertencentes a um certo
campo social. A acumulação de capital reputacional depende não só de
competência em financiar, construir, produzir e vender, mas de alianças, da
relação com atores sociais diversos e da influência sobre padrões culturais
capazes de legitimar aquilo que faz a empresa.
Reginaldo Magalhães mostra a natureza interativa da reputação estudando
as próprias organizações não governamentais e esse é o segundo elemento
importante de seu trabalho. A grande mudança, nesse sentido, é que
inúmeros grupos da sociedade civil passam a discutir as opções
empresariais por dentro de sua própria lógica de funcionamento. Isso não
significa cooptação, mas uma forma inédita de interação, ainda que
conflituosa. Em 1970, o Greenpeace, por exemplo, dirigiu o essencial de
seus esforços a campanhas visando governos nacionais, sobretudo
protestando contra a expansão de usinas nucleares e a pesca predatória de
baleias. Em 1980, a pressão vai também a organismos multilaterais como o
Banco Mundial. Em 1990, os temas se diversificam (lixo tóxico, florestas
tropicais, mudanças climáticas) e têm início campanhas contra grandes
empresas. Mas é nos anos 2000 que se intensificam e têm maior sucesso
campanhas voltadas explicitamente contra comportamentos julgados
destrutivos por parte do setor privado. Empresas e marcas globais passam a
ser alvo de campanhas em que são nomeadas abertamente. Isso acaba por
obrigá-las a responder às críticas, constituir departamentos de
relacionamento com a sociedade civil e alterar os próprios métodos com
base nos quais são avaliados seus negócios.
O terceiro elemento refere-se à formação da rede dos que aderem aos
Princípios do Equador, um internacionalmente respeitado conjunto de
critérios socioambientais voltados à avaliação do risco de financiamentos
de grandes projetos (www.equator-principles.com/index.shtml). No início
eram apenas dez bancos, hoje são 67. E a entrada no grupo acarreta custos
não desprezíveis para os ingressantes em termos de novas práticas e uma
nova cultura de exposição e avaliação. O interessante nos Princípios do
Equador é que eles não são um conjunto fixo, imutável, mas, ao contrário,
aprofundam-se e incorporam novas demandas que refletem, em grande
parte, pressões sociais. A interação entre bancos e organizações da
sociedade civil é permanente nesse processo de construção de novas regras
de funcionamento dos mercados.
Diabolizar os mercados financeiros como expressão inevitável de crise e
degradação é apenas o correlativo oposto de endeusá-los como figuras
emblemáticas da mão mágica. Estudá-los como resultado de uma
construção social em que atores reúnem capitais variados para influenciar
seus campos de disputa é um caminho de imensa fertilidade, como mostra o
trabalho de Reginaldo Magalhães.
(1) Reginaldo Sales Magalhães. Lucro e reputação. Interações entre bancos e
organizações sociais na construção das políticas socioambientais.
Ricardo Abramovay é professor titular do departamento de Economia da
FEA/USP e Coordenador do Núcleo de Economia Socioambiental (NESA),
pesquisador do CNPq e da Fapesp. /www.abramovay.pro.br/
Muitas vezes a palavra sustentabilidade é usada para adoçar práticas predatórias.
Ricardo Abramovay
17/11/2010 – Valor Econômico
Duas características inéditas marcam o capitalismo do Século XXI. A
primeira é a exposição voluntária das bases socioambientais em que se
apoiam seus processos produtivos por parte de organizações empresariais.
A segunda é que esse movimento de abertura dos fundamentos materiais,
biológicos, energéticos e, em certa medida, sociais dos empreendimentos
resulta de pressões vindas de atores que até bem pouco tempo quase não
dialogavam com firmas privadas e sequer faziam delas o foco de sua ação.
Esses elementos exercem uma influência decisiva na maneira como se
molda hoje a reputação no setor financeiro e, portanto, alteram o círculo de
relações sociais a partir do qual os bancos constroem os vínculos de
confiança em que se apoiam.
Não são raros os casos, é bem verdade, de propaganda enganosa em que se
veicula a palavra sustentabilidade para adoçar práticas predatórias. Ao
mesmo tempo, pode parecer credulidade valorizar o movimento em direção
à responsabilidade socioambiental bancária, quando se leva em conta a
magnitude e a origem da crise que teve início em 2008 e que responde por
uma elevação impressionante da insegurança, do desemprego e da
opacidade que marcam as práticas financeiras atuais.
Que a grande maioria das operações bancárias não se paute por critérios
básicos e explícitos quanto a seus impactos socioambientais não há dúvida.
Responsabilidade socioambiental é tema que, até hoje, não pertence ao
âmago das operações financeiras e tende a ser confinada em departamentos
voltados explicitamente a esta finalidade.
Apesar disso, é impossível tratar como pura cortina de fumaça o amplo
movimento de bancos e outras organizações financeiras com relação às
consequências socioambientais de seus financiamentos. O grau de
profundidade dessas mudanças de comportamento não está decidido de
antemão. Reginaldo Magalhães1 acaba de defender tese de doutorado no
Programa de Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo em que
disseca os novos componentes da reputação bancária e as alterações em
organizações não governamentais, que respondem, em grande parte, por
uma nova agenda do setor financeiro. As críticas recentes de um conjunto
expressivo de organizações da sociedade civil à ausência de temas
socioambientais na discussão de Basileia 3, a abertura por parte da
International Finance Corporation (IFC) e do Global Reporting Initiative de
uma consulta pública a respeito dos parâmetros que devem nortear os
relatórios socioambientais das empresas são dois exemplos atuais de um
movimento mais geral que a tese de Reginaldo Magalhães expõe. Vale a
pena destacar três elementos importantes desse trabalho.
Interação entre bancos e sociedade civil deve ser permanente para a
construção de novas regras dos mercados
O primeiro refere-se ao conceito de reputação. Não se trata de imagem, de
algo exterior, um sorriso mecânico que a empresa manipula por meio de
comunicadores hábeis. A reputação é constituída por relações sociais
duráveis, dotadas de conteúdo informativo, de concepções, ideias e valores
sobre o que significa fazer negócios, quais os métodos corretos para se
alcançar sucesso, ou seja, sobre um conjunto de significados partilhados
com base nos quais os atores identificam-se como pertencentes a um certo
campo social. A acumulação de capital reputacional depende não só de
competência em financiar, construir, produzir e vender, mas de alianças, da
relação com atores sociais diversos e da influência sobre padrões culturais
capazes de legitimar aquilo que faz a empresa.
Reginaldo Magalhães mostra a natureza interativa da reputação estudando
as próprias organizações não governamentais e esse é o segundo elemento
importante de seu trabalho. A grande mudança, nesse sentido, é que
inúmeros grupos da sociedade civil passam a discutir as opções
empresariais por dentro de sua própria lógica de funcionamento. Isso não
significa cooptação, mas uma forma inédita de interação, ainda que
conflituosa. Em 1970, o Greenpeace, por exemplo, dirigiu o essencial de
seus esforços a campanhas visando governos nacionais, sobretudo
protestando contra a expansão de usinas nucleares e a pesca predatória de
baleias. Em 1980, a pressão vai também a organismos multilaterais como o
Banco Mundial. Em 1990, os temas se diversificam (lixo tóxico, florestas
tropicais, mudanças climáticas) e têm início campanhas contra grandes
empresas. Mas é nos anos 2000 que se intensificam e têm maior sucesso
campanhas voltadas explicitamente contra comportamentos julgados
destrutivos por parte do setor privado. Empresas e marcas globais passam a
ser alvo de campanhas em que são nomeadas abertamente. Isso acaba por
obrigá-las a responder às críticas, constituir departamentos de
relacionamento com a sociedade civil e alterar os próprios métodos com
base nos quais são avaliados seus negócios.
O terceiro elemento refere-se à formação da rede dos que aderem aos
Princípios do Equador, um internacionalmente respeitado conjunto de
critérios socioambientais voltados à avaliação do risco de financiamentos
de grandes projetos (www.equator-principles.com/index.shtml). No início
eram apenas dez bancos, hoje são 67. E a entrada no grupo acarreta custos
não desprezíveis para os ingressantes em termos de novas práticas e uma
nova cultura de exposição e avaliação. O interessante nos Princípios do
Equador é que eles não são um conjunto fixo, imutável, mas, ao contrário,
aprofundam-se e incorporam novas demandas que refletem, em grande
parte, pressões sociais. A interação entre bancos e organizações da
sociedade civil é permanente nesse processo de construção de novas regras
de funcionamento dos mercados.
Diabolizar os mercados financeiros como expressão inevitável de crise e
degradação é apenas o correlativo oposto de endeusá-los como figuras
emblemáticas da mão mágica. Estudá-los como resultado de uma
construção social em que atores reúnem capitais variados para influenciar
seus campos de disputa é um caminho de imensa fertilidade, como mostra o
trabalho de Reginaldo Magalhães.
(1) Reginaldo Sales Magalhães. Lucro e reputação. Interações entre bancos e
organizações sociais na construção das políticas socioambientais.
Ricardo Abramovay é professor titular do departamento de Economia da
FEA/USP e Coordenador do Núcleo de Economia Socioambiental (NESA),
pesquisador do CNPq e da Fapesp. /www.abramovay.pro.br/
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
Desenvolvimento dito sustentável...
Por favor se comentar deixe um email para contato.
Com certeza, uso de transportes com uma equação de matéria e energia mais eficiente faz todo sentido. A prioridade é andar a pé, andar de bicicleta e usar transporte coletivo. Automóvel particular só para pessoas com necessidades especiais ou idosos. A eficiência de energia de um automóvel é baixíssima, estima-se só 1%. Esse transporte ineficiente – e letal, se alterado, evitaria a necessidade de construir várias e várias usinas Belo Monte. Obviamente que mesmo um sistema de transporte mais eficiente irá esbarrar na primeira restrição mais óbvia, que é o espaço territorial finito e constante que não poderá ser entupido de trens, ônibus, etc., sem causar antes disso, um colapso dos sistemas de sustentação da vida na Terra.
Voltamos a um ponto crucial: não existe falta de energia, mas desperdício de energia. Buscar fontes alternativas de energia “ditas mais limpas” não diminui a pressão humana sobre a Terra, ao contrário, aumenta. Do ponto de vista técnico ou tecnológico não existe energia limpa (mais um novo mito) e as alternativas até agora não são substitutos viáveis tanto em distribuição quanto em escala dos combustíveis fósseis, que seguirão sendo usados em qualquer futuro visível. O único caminho é reduzir o desperdício e a ineficiência de energia estimado em 40 a 60% no mundo todo. Só para manter as luzes vermelhas dos aparelhos eletrônicos nos lares dos Estados Unidos (“standby”) é consumido 10% do total de energia daquele país, de acordo com a Worldwatch. A redução do desperdício seria suficiente para atender as metas de redução de emissões do IPCC, mas não seriam suficientes para manter essa redução, caso insistirmos na idiotia do crescimento eterno.
Mas o artigo do Lessa abaixo, tem uma construção que pode ser colocada numa perspectiva bem clara, pois ele tenta responder duas perguntas presentes no ideário de todas as pessoas, não importa a sua ideologia:
1) O desenvolvimento traz bem estar às pessoas?
2) Tal desenvolvimento é viável do ponto de vista ambiental e planetário?
Para a primeira pergunta, as respostas podem ser sim (S) ou não (N). Para a segunda pergunta, temos três respostas possíveis: (S), (N) e ignorado (I). Existe uma cartela de respostas possíveis, mas só encontramos quatro possibilidades que explicam a situação – e o conflito – existente no discurso trazido por esse artigo, onde em (X,Y), X é a resposta da primeira pergunta e Y da segunda:
(S,S) – esse seria o mundo ideal, meta da economia ecológica ou de todos os pensadores sérios em busca de um novo paradigma do nosso sistema econômico antes da nossa própria extinção;
(S,N) – esse é o mundo dos que desejam manter o status quo das populações, sem nenhuma restrição aos padrões de vida e sociais, que devem aumentar de forma perene e, ao mesmo tempo, com milagres da ecoeficiência ou da tecnologia (“craddle to craddle”, etc.), possibilitar fazer tudo isso e tornar o modelo crescente e megalomaníaco viável planetariamente – para esses vale o velho ditado: “the road to hell is paved with good intentions”;
(S,I) – esse é o mundo do pensamento dominante que rege o mundo à nossa volta, pois ignorar se o desenvolvimento pode ou não ser restringido pelo planeta e sua morfologia é a maneira mais fácil (e estúpida ou suicida) de manter o status quo e ainda justificá-lo através da meta de trazer bem estar às pessoas carentes (não existe hipocrisia ou ignorância maior que essa);
(N,N) – essa é a realidade estonteante à nossa volta, onde países como os Estados Unidos que fizeram tudo que desejamos fazer, estão em uma crise sem solução e onde ficou escancarado que o sistema econômico-político nem voltado para vida das pessoas está; além disso está bem claro que não temos um modelo sustentável onde quer que investiguemos no planeta inteiro, a menos que se acredite que o vazamento das externalidades dos países ricos, mesmo os do norte da Europa, se universalizados globalmente, serão exportados para fora do nosso planeta.
As respostas acima mostram de forma emblemática como duas visões de mundo, aparentemente antagônicas [(S,N) e (S,I)], estão totalmente desconectadas da realidade social e ambiental (N,N) à nossa volta, ao mesmo tempo que a visão alternativa (S,S) não possui ainda nenhum caminho prático ou aceitação que a eleve da posição de mera especulação teórica para realmente alterar o futuro comum de todas as espécies de uma teia de vida na qual somos todos um.
As soluções existem, só não há ainda caminhos econômicos e políticos para elas, com alguma relevância digna de ser notada para alterar o maior processo de extinção já em curso da vida desse planeta dos últimos 65 milhões de anos.
Hugo Penteado
Valor Econômico, 10 de novembro de 2010
O desenvolvimento dito sustentável
Carlos Lessa
10/11/2010
O neomalthusianismo, adepto do controle e da "redução" demográfica, tem versões modernas. O Clube de Roma chamou atenção para a exaustão dos recursos econômicos não renováveis, com a ideia subjacente de uma expansão demográfica sobre a biosfera não renovável. O "homo sapiens" instalado na biosfera vem prosperando numericamente e multiplicando (com enorme assimetrias) o padrão de vida. A população, tal como uma colônia de cupins instalada em uma viga de madeira, pode se alimentar bem, inclusive
multiplicando os membros e sua colônia. Porém, quando a viga de madeira é corroída, a colônia de cupins desaparece. A ideia é que o planeta tem certa disponibilidade de terra, água, minérios e oxigênio equivalente a uma viga de madeira e o uso crescente dessa disponibilidade apontaria para um apocalipse. Variações geoclimáticas, novas pragas e doenças ou fantasias dignas de filmes de terror sinalizam que o desenvolvimento das forças produtivas é irresponsável.
De forma bem educada, há crescente deposição de confiança no desenvolvimento científico e tecnológico, que funciona como um multiplicador de acessos aos recursos existentes, redefinindo e ampliando sua aplicabilidade aos padrões sociais. Em simultâneo, prosperou o discurso que propõe padrões de sustentabilidade, isto é, a prevalência de um sistema redutor de desperdícios. A tarefa da ciência e tecnologia seria o desenvolvimento de novas técnicas que permitissem reduzir o desperdício,
ou seja, multiplicar o que o "homo sapiens" utiliza da biosfera. Se a ciência e tecnologia estiverem orientadas para a redução do desperdício, e as normas sociais assimilarem essas técnicas, o mundo iria evoluir para uma economia de baixo carbono.
Nenhum recurso é tão importante e essencial para os padrões de vida da atualidade, inclusive de suas assimetrias, do que a energia fóssil concentrada em carvão e, principalmente, em petróleo. O petróleo do pré-sal brasileiro abre para o Brasil a possibilidade de encaminhar nossas forças produtivas em direção à superação de nossas assimetrias e desigualdades sociais.
O petróleo do pré-sal não desaparecerá. Com a falta do combustível, o país pode ampliar a sua soberania
Tudo leva a crer que a presidente Dilma considera que o desenvolvimento dos campos do pré-sal irá gerar, pelas exportações de petróleo cru, os recursos necessários para evoluirmos em direção a uma sociedade mais justa e adepta de práticas de redução de desperdício e produção com baixo carbono. Essa é uma visão gratificante, porém ingênua.
Se a humanidade superar a crise e voltar a crescer, o preço do petróleo cru se elevará. Minérios mais difíceis, como areias betuminosas ou prospecção em zonas desérticas, glaciares ou marinhas serão procedimentos para obter algum "novo" petróleo. Quem dispõe do petróleo da Península Arábica (custo de extração próximo a US$ 1 por barril) ou do brasileiro (com o pré-sal a US$ 25 por barril) estará recebendo um ganho crescente, pois o preço mundial será comandado pelo petróleo com alto custo. Como o petróleo está presente em praticamente toda produção de bens e serviços, haverá inexoravelmente uma inflação de custo, o que significa que durante
décadas o petróleo será cada vez mais caro, com valor superior ao ouro ou a título de dívida de qualquer país como "base" financeira. Isso irá se refletir no cenário geopolítico e geoeconômico. Mesmo após um colapso parcial derivado da escassez, o que sobrar de petróleo seguirá sendo uma base financeira de crescente importância.
O Brasil não deve transferir propriedade de reserva de petróleo para nenhuma outra companhia que não a Petrobras. Principalmente não devemos nos converter em exportadores de petróleo cru. Utilizemos o pré-sal para desenvolver a matriz hidrelétrica. Utilizemos nossa nova base financeira para captar recursos que nos permitam mudar radicalmente a estrutura de transporte brasileira: precisamos de ferrovias que integrem todas as regiões e façam nossa ligação com o Pacífico; precisamos desenvolver a indústria naval, a navegação de cabotagem e a utilização racional de nossas bacias hidrográficas.
O petróleo do pré-sal tem que ser exportado gota a gota, e cada gota deve ter um destino pensado e relevante para o desenvolvimento das forças produtivas, do mercado interno e da ampliação das políticas sociais e da educação.
Nas condições atuais, a exportação do petróleo do pré-sal instalará no Brasil a doença da desindustrialização e servirá, inclusive, para importarmos alface francesa pré-lavada, à venda nos supermercados dos bairros com alto poder aquisitivo. Em vez da reforma e ampliação infraestrutural, as exportações do pré-sal podem se converter numa maldição.
O argumento entreguista pró-exportação do pré-sal se alinha com o desejo de ampliar investimentos brasileiros no exterior; com o argumento de como o petróleo vai se esgotar e, então, é melhor vendê-lo logo, para nos beneficiarmos da demanda. O petróleo do pré-sal não vai desaparecer. E, com a escassez do petróleo, o Brasil pode ampliar sua soberania.
Presidente Dilma, não embarque na canoa furada de utilizar a exportação de petróleo para preparar o Brasil para a economia de baixo carbono. Isso é profundamente ingênuo. O Brasil tem que ampliar o mercado interno, multiplicar empregos urbanos de qualidade, combater os desperdícios pelo controle dos padrões tecnológicos utilizados pelas filiais estrangeiras no Brasil. É impressionante a diferença de produtos de marca entre os aqui disponíveis e os fabricados pelas filiais das mesmas multinacionais no primeiro mundo. Sem navegação de cabotagem e ferrovias troncais, o Brasil continuará a transportar por caminhão do Oiapoque ao Chuí - e esse é o principal desperdício de petróleo.
Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do BNDES; escreve mensalmente às quartas-feiras.
Com certeza, uso de transportes com uma equação de matéria e energia mais eficiente faz todo sentido. A prioridade é andar a pé, andar de bicicleta e usar transporte coletivo. Automóvel particular só para pessoas com necessidades especiais ou idosos. A eficiência de energia de um automóvel é baixíssima, estima-se só 1%. Esse transporte ineficiente – e letal, se alterado, evitaria a necessidade de construir várias e várias usinas Belo Monte. Obviamente que mesmo um sistema de transporte mais eficiente irá esbarrar na primeira restrição mais óbvia, que é o espaço territorial finito e constante que não poderá ser entupido de trens, ônibus, etc., sem causar antes disso, um colapso dos sistemas de sustentação da vida na Terra.
Voltamos a um ponto crucial: não existe falta de energia, mas desperdício de energia. Buscar fontes alternativas de energia “ditas mais limpas” não diminui a pressão humana sobre a Terra, ao contrário, aumenta. Do ponto de vista técnico ou tecnológico não existe energia limpa (mais um novo mito) e as alternativas até agora não são substitutos viáveis tanto em distribuição quanto em escala dos combustíveis fósseis, que seguirão sendo usados em qualquer futuro visível. O único caminho é reduzir o desperdício e a ineficiência de energia estimado em 40 a 60% no mundo todo. Só para manter as luzes vermelhas dos aparelhos eletrônicos nos lares dos Estados Unidos (“standby”) é consumido 10% do total de energia daquele país, de acordo com a Worldwatch. A redução do desperdício seria suficiente para atender as metas de redução de emissões do IPCC, mas não seriam suficientes para manter essa redução, caso insistirmos na idiotia do crescimento eterno.
Mas o artigo do Lessa abaixo, tem uma construção que pode ser colocada numa perspectiva bem clara, pois ele tenta responder duas perguntas presentes no ideário de todas as pessoas, não importa a sua ideologia:
1) O desenvolvimento traz bem estar às pessoas?
2) Tal desenvolvimento é viável do ponto de vista ambiental e planetário?
Para a primeira pergunta, as respostas podem ser sim (S) ou não (N). Para a segunda pergunta, temos três respostas possíveis: (S), (N) e ignorado (I). Existe uma cartela de respostas possíveis, mas só encontramos quatro possibilidades que explicam a situação – e o conflito – existente no discurso trazido por esse artigo, onde em (X,Y), X é a resposta da primeira pergunta e Y da segunda:
(S,S) – esse seria o mundo ideal, meta da economia ecológica ou de todos os pensadores sérios em busca de um novo paradigma do nosso sistema econômico antes da nossa própria extinção;
(S,N) – esse é o mundo dos que desejam manter o status quo das populações, sem nenhuma restrição aos padrões de vida e sociais, que devem aumentar de forma perene e, ao mesmo tempo, com milagres da ecoeficiência ou da tecnologia (“craddle to craddle”, etc.), possibilitar fazer tudo isso e tornar o modelo crescente e megalomaníaco viável planetariamente – para esses vale o velho ditado: “the road to hell is paved with good intentions”;
(S,I) – esse é o mundo do pensamento dominante que rege o mundo à nossa volta, pois ignorar se o desenvolvimento pode ou não ser restringido pelo planeta e sua morfologia é a maneira mais fácil (e estúpida ou suicida) de manter o status quo e ainda justificá-lo através da meta de trazer bem estar às pessoas carentes (não existe hipocrisia ou ignorância maior que essa);
(N,N) – essa é a realidade estonteante à nossa volta, onde países como os Estados Unidos que fizeram tudo que desejamos fazer, estão em uma crise sem solução e onde ficou escancarado que o sistema econômico-político nem voltado para vida das pessoas está; além disso está bem claro que não temos um modelo sustentável onde quer que investiguemos no planeta inteiro, a menos que se acredite que o vazamento das externalidades dos países ricos, mesmo os do norte da Europa, se universalizados globalmente, serão exportados para fora do nosso planeta.
As respostas acima mostram de forma emblemática como duas visões de mundo, aparentemente antagônicas [(S,N) e (S,I)], estão totalmente desconectadas da realidade social e ambiental (N,N) à nossa volta, ao mesmo tempo que a visão alternativa (S,S) não possui ainda nenhum caminho prático ou aceitação que a eleve da posição de mera especulação teórica para realmente alterar o futuro comum de todas as espécies de uma teia de vida na qual somos todos um.
As soluções existem, só não há ainda caminhos econômicos e políticos para elas, com alguma relevância digna de ser notada para alterar o maior processo de extinção já em curso da vida desse planeta dos últimos 65 milhões de anos.
Hugo Penteado
Valor Econômico, 10 de novembro de 2010
O desenvolvimento dito sustentável
Carlos Lessa
10/11/2010
O neomalthusianismo, adepto do controle e da "redução" demográfica, tem versões modernas. O Clube de Roma chamou atenção para a exaustão dos recursos econômicos não renováveis, com a ideia subjacente de uma expansão demográfica sobre a biosfera não renovável. O "homo sapiens" instalado na biosfera vem prosperando numericamente e multiplicando (com enorme assimetrias) o padrão de vida. A população, tal como uma colônia de cupins instalada em uma viga de madeira, pode se alimentar bem, inclusive
multiplicando os membros e sua colônia. Porém, quando a viga de madeira é corroída, a colônia de cupins desaparece. A ideia é que o planeta tem certa disponibilidade de terra, água, minérios e oxigênio equivalente a uma viga de madeira e o uso crescente dessa disponibilidade apontaria para um apocalipse. Variações geoclimáticas, novas pragas e doenças ou fantasias dignas de filmes de terror sinalizam que o desenvolvimento das forças produtivas é irresponsável.
De forma bem educada, há crescente deposição de confiança no desenvolvimento científico e tecnológico, que funciona como um multiplicador de acessos aos recursos existentes, redefinindo e ampliando sua aplicabilidade aos padrões sociais. Em simultâneo, prosperou o discurso que propõe padrões de sustentabilidade, isto é, a prevalência de um sistema redutor de desperdícios. A tarefa da ciência e tecnologia seria o desenvolvimento de novas técnicas que permitissem reduzir o desperdício,
ou seja, multiplicar o que o "homo sapiens" utiliza da biosfera. Se a ciência e tecnologia estiverem orientadas para a redução do desperdício, e as normas sociais assimilarem essas técnicas, o mundo iria evoluir para uma economia de baixo carbono.
Nenhum recurso é tão importante e essencial para os padrões de vida da atualidade, inclusive de suas assimetrias, do que a energia fóssil concentrada em carvão e, principalmente, em petróleo. O petróleo do pré-sal brasileiro abre para o Brasil a possibilidade de encaminhar nossas forças produtivas em direção à superação de nossas assimetrias e desigualdades sociais.
O petróleo do pré-sal não desaparecerá. Com a falta do combustível, o país pode ampliar a sua soberania
Tudo leva a crer que a presidente Dilma considera que o desenvolvimento dos campos do pré-sal irá gerar, pelas exportações de petróleo cru, os recursos necessários para evoluirmos em direção a uma sociedade mais justa e adepta de práticas de redução de desperdício e produção com baixo carbono. Essa é uma visão gratificante, porém ingênua.
Se a humanidade superar a crise e voltar a crescer, o preço do petróleo cru se elevará. Minérios mais difíceis, como areias betuminosas ou prospecção em zonas desérticas, glaciares ou marinhas serão procedimentos para obter algum "novo" petróleo. Quem dispõe do petróleo da Península Arábica (custo de extração próximo a US$ 1 por barril) ou do brasileiro (com o pré-sal a US$ 25 por barril) estará recebendo um ganho crescente, pois o preço mundial será comandado pelo petróleo com alto custo. Como o petróleo está presente em praticamente toda produção de bens e serviços, haverá inexoravelmente uma inflação de custo, o que significa que durante
décadas o petróleo será cada vez mais caro, com valor superior ao ouro ou a título de dívida de qualquer país como "base" financeira. Isso irá se refletir no cenário geopolítico e geoeconômico. Mesmo após um colapso parcial derivado da escassez, o que sobrar de petróleo seguirá sendo uma base financeira de crescente importância.
O Brasil não deve transferir propriedade de reserva de petróleo para nenhuma outra companhia que não a Petrobras. Principalmente não devemos nos converter em exportadores de petróleo cru. Utilizemos o pré-sal para desenvolver a matriz hidrelétrica. Utilizemos nossa nova base financeira para captar recursos que nos permitam mudar radicalmente a estrutura de transporte brasileira: precisamos de ferrovias que integrem todas as regiões e façam nossa ligação com o Pacífico; precisamos desenvolver a indústria naval, a navegação de cabotagem e a utilização racional de nossas bacias hidrográficas.
O petróleo do pré-sal tem que ser exportado gota a gota, e cada gota deve ter um destino pensado e relevante para o desenvolvimento das forças produtivas, do mercado interno e da ampliação das políticas sociais e da educação.
Nas condições atuais, a exportação do petróleo do pré-sal instalará no Brasil a doença da desindustrialização e servirá, inclusive, para importarmos alface francesa pré-lavada, à venda nos supermercados dos bairros com alto poder aquisitivo. Em vez da reforma e ampliação infraestrutural, as exportações do pré-sal podem se converter numa maldição.
O argumento entreguista pró-exportação do pré-sal se alinha com o desejo de ampliar investimentos brasileiros no exterior; com o argumento de como o petróleo vai se esgotar e, então, é melhor vendê-lo logo, para nos beneficiarmos da demanda. O petróleo do pré-sal não vai desaparecer. E, com a escassez do petróleo, o Brasil pode ampliar sua soberania.
Presidente Dilma, não embarque na canoa furada de utilizar a exportação de petróleo para preparar o Brasil para a economia de baixo carbono. Isso é profundamente ingênuo. O Brasil tem que ampliar o mercado interno, multiplicar empregos urbanos de qualidade, combater os desperdícios pelo controle dos padrões tecnológicos utilizados pelas filiais estrangeiras no Brasil. É impressionante a diferença de produtos de marca entre os aqui disponíveis e os fabricados pelas filiais das mesmas multinacionais no primeiro mundo. Sem navegação de cabotagem e ferrovias troncais, o Brasil continuará a transportar por caminhão do Oiapoque ao Chuí - e esse é o principal desperdício de petróleo.
Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do BNDES; escreve mensalmente às quartas-feiras.
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
DEEP PEACE IN TECHNO-UTOPIA
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DEEP PEACE IN TECHNO-UTOPIA
A new film on Channel 4 disses the greens while dodging the issue of power.
By George Monbiot. Published in the Guardian 5th November 2010.
So Channel 4 has done it again. Over the past 20 years, it has
broadcast a series of polemics about the environment, and most of them
have been fiercely anti-green(1). On other issues Channel 4?s films
attack all sides. Not on the environment.
Last night it aired yet another polemic: What the Green Movement Got
Wrong. This one was presented by two people who still consider
themselves green: Stewart Brand and Mark Lynas. It?s not as rabid as
the other films. But, like its predecessors, it airs blatant
falsehoods about environmentalists and fits snugly into the corporate
agenda. The film is based on Brand?s book, Whole Earth Discipline(2).
He argues that greens, by failing to embrace the right technologies,
have impeded both environmental and social progress. Not everything he
says is wrong, but his account is infused with magical thinking, in
which technology is expected to solve all political and economic
problems. This view, now popular among green business consultants, is
sustained by ignoring the issue of power.
The film starts, for example, by blaming greens for the failure of
environmental policies. But, as a paper published in the journal
Environmental Politics shows, green movements have continued to grow,
reaching more people every year. What has changed is that a powerful
counter-movement, led by corporate-funded thinktanks, has waged war on
green policies(3). ?This counter-movement has been central to the
reversal of US support for environmental protection, both domestically
and internationally.? A similar shift has taken place in other
countries.
Many of the thinktanks were set up in the 1970s by businesses and
multi-millionaires seeking to limit employment rights and prevent the
distribution of wealth. After the collapse of Soviet communism, their
funders? attention switched from the red menace to the green menace.
This lobby had access to money and government that the greens could
only dream of. For environmentalists to blame each other for the lack
of progress is to betray a startling absence of context.
But Brand?s vision depends on forgetting the context. He maintains
that we will save the biosphere by adopting nuclear energy, GM crops
and geo-engineering, and paints a buoyant picture of a world running
like clockwork on these new technologies. Without a critique of power,
his techno-utopianism is pure fantasy. Nuclear electricity may indeed
be part of the solution, but the real climate challenge is not getting
into new technologies, but getting out of old ones. This means
confronting some of the world?s most powerful forces, a theme with no
place in Brand?s story.
Similarly, though the world has had food surpluses for many years,
almost a billion people are permanently hungry, while enough grain to
feed them several times over is given to animals and used to make
biofuels. This is not because technology is lacking, but because the
poor lack economic and political power. The film?s proposal ? that we
should switch to technologies which tend to be monopolised by large
conglomerates - could exacerbate this problem.
Brand?s attempts to avoid conflicts with power are understandable: he
founded a corporate consultancy called the Global Business Network(4).
But the ideology he has embraced has brought him closer to the
corporate lobby groups than he might be aware.
For example, the film maintains that, as a result of campaigning by
groups such as Greenpeace, the pesticide DDT was banned worldwide. The
result was that malaria took off in Africa, ?killing millions?*. Just
one problem: DDT for disease control wasn?t banned (if you don?t
believe me, read Annex B of the 2001 Stockholm Convention(5)) and
Greenpeace didn?t call for it to happen(6). The ban story was a myth
put about by lobbyists to discredit the greens(7). In the film,
Stewart Brand says he wants greens to admit it when they?re wrong. I
challenged him to admit that he got the DDT story wrong before the
film aired. I received no reply(8).
Brand and Lynas present themselves as heretics. But their convenient
fictions chime with the thinking of the new establishment:
corporations, thinktanks, neoliberal politicians. The true heretics
are those who remind us that neither social nor environmental progress
are possible unless power is confronted.
Environmentalism is not just about replacing one set of technologies
with another. Technological change is important, but it will protect
the biosphere only if we also tackle issues such as economic growth,
consumerism and corporate power. These are the challenges the green
movement asks us to address. These are the issues the film ignores.
www.monbiot.com
*This refers to the pre-transmission version, whose transcript I had.
A couple of hours before the programme was broadcast, and after this
article went to press, the script was changed as a result of a
complaint by Greenpeace about its defamatory nature. The DDT passage
remained wrong in several respects however. Brand?s book maintains
that ?DDT was banned worldwide?, and that the ?ban? may have killed 20
million children.
References:
1.
http://www.monbiot.com/archives/2008/07/21/distortions-falsehoods-fabrications/
2. Stewart Brand, 2010. Whole Earth Discipline. Atlantic Books, London.
3. Peter Jacques; Riley Dunlap; Mark Freeman, 2008. The organisation
of denial: Conservative think tanks and environmental scepticism.
Environmental Politics, 17:3, 349-385. DOI: 10.1080/09644010802055576.
http://www.informaworld.com/smpp/content~content=a793291693~db=all~order=page
4. http://www.gbn.com/
5.
http://chm.pops.int/Convention/tabid/54/language/en-US/Default.aspx#convtext
6. Greenpeace has repeatedly contacted the lobbyists circulating this
myth to explain that it didn?t call for a ban on DDT for
disease-control purposes, but they keep repeating it.
7. http://www.prospectmagazine.co.uk/2008/05/rehabilitatingcarson/
8. Email sent at 11.22am on 3rd November, and, to other addresses,
later that afternoon.
DEEP PEACE IN TECHNO-UTOPIA
A new film on Channel 4 disses the greens while dodging the issue of power.
By George Monbiot. Published in the Guardian 5th November 2010.
So Channel 4 has done it again. Over the past 20 years, it has
broadcast a series of polemics about the environment, and most of them
have been fiercely anti-green(1). On other issues Channel 4?s films
attack all sides. Not on the environment.
Last night it aired yet another polemic: What the Green Movement Got
Wrong. This one was presented by two people who still consider
themselves green: Stewart Brand and Mark Lynas. It?s not as rabid as
the other films. But, like its predecessors, it airs blatant
falsehoods about environmentalists and fits snugly into the corporate
agenda. The film is based on Brand?s book, Whole Earth Discipline(2).
He argues that greens, by failing to embrace the right technologies,
have impeded both environmental and social progress. Not everything he
says is wrong, but his account is infused with magical thinking, in
which technology is expected to solve all political and economic
problems. This view, now popular among green business consultants, is
sustained by ignoring the issue of power.
The film starts, for example, by blaming greens for the failure of
environmental policies. But, as a paper published in the journal
Environmental Politics shows, green movements have continued to grow,
reaching more people every year. What has changed is that a powerful
counter-movement, led by corporate-funded thinktanks, has waged war on
green policies(3). ?This counter-movement has been central to the
reversal of US support for environmental protection, both domestically
and internationally.? A similar shift has taken place in other
countries.
Many of the thinktanks were set up in the 1970s by businesses and
multi-millionaires seeking to limit employment rights and prevent the
distribution of wealth. After the collapse of Soviet communism, their
funders? attention switched from the red menace to the green menace.
This lobby had access to money and government that the greens could
only dream of. For environmentalists to blame each other for the lack
of progress is to betray a startling absence of context.
But Brand?s vision depends on forgetting the context. He maintains
that we will save the biosphere by adopting nuclear energy, GM crops
and geo-engineering, and paints a buoyant picture of a world running
like clockwork on these new technologies. Without a critique of power,
his techno-utopianism is pure fantasy. Nuclear electricity may indeed
be part of the solution, but the real climate challenge is not getting
into new technologies, but getting out of old ones. This means
confronting some of the world?s most powerful forces, a theme with no
place in Brand?s story.
Similarly, though the world has had food surpluses for many years,
almost a billion people are permanently hungry, while enough grain to
feed them several times over is given to animals and used to make
biofuels. This is not because technology is lacking, but because the
poor lack economic and political power. The film?s proposal ? that we
should switch to technologies which tend to be monopolised by large
conglomerates - could exacerbate this problem.
Brand?s attempts to avoid conflicts with power are understandable: he
founded a corporate consultancy called the Global Business Network(4).
But the ideology he has embraced has brought him closer to the
corporate lobby groups than he might be aware.
For example, the film maintains that, as a result of campaigning by
groups such as Greenpeace, the pesticide DDT was banned worldwide. The
result was that malaria took off in Africa, ?killing millions?*. Just
one problem: DDT for disease control wasn?t banned (if you don?t
believe me, read Annex B of the 2001 Stockholm Convention(5)) and
Greenpeace didn?t call for it to happen(6). The ban story was a myth
put about by lobbyists to discredit the greens(7). In the film,
Stewart Brand says he wants greens to admit it when they?re wrong. I
challenged him to admit that he got the DDT story wrong before the
film aired. I received no reply(8).
Brand and Lynas present themselves as heretics. But their convenient
fictions chime with the thinking of the new establishment:
corporations, thinktanks, neoliberal politicians. The true heretics
are those who remind us that neither social nor environmental progress
are possible unless power is confronted.
Environmentalism is not just about replacing one set of technologies
with another. Technological change is important, but it will protect
the biosphere only if we also tackle issues such as economic growth,
consumerism and corporate power. These are the challenges the green
movement asks us to address. These are the issues the film ignores.
www.monbiot.com
*This refers to the pre-transmission version, whose transcript I had.
A couple of hours before the programme was broadcast, and after this
article went to press, the script was changed as a result of a
complaint by Greenpeace about its defamatory nature. The DDT passage
remained wrong in several respects however. Brand?s book maintains
that ?DDT was banned worldwide?, and that the ?ban? may have killed 20
million children.
References:
1.
http://www.monbiot.com/archives/2008/07/21/distortions-falsehoods-fabrications/
2. Stewart Brand, 2010. Whole Earth Discipline. Atlantic Books, London.
3. Peter Jacques; Riley Dunlap; Mark Freeman, 2008. The organisation
of denial: Conservative think tanks and environmental scepticism.
Environmental Politics, 17:3, 349-385. DOI: 10.1080/09644010802055576.
http://www.informaworld.com/smpp/content~content=a793291693~db=all~order=page
4. http://www.gbn.com/
5.
http://chm.pops.int/Convention/tabid/54/language/en-US/Default.aspx#convtext
6. Greenpeace has repeatedly contacted the lobbyists circulating this
myth to explain that it didn?t call for a ban on DDT for
disease-control purposes, but they keep repeating it.
7. http://www.prospectmagazine.co.uk/2008/05/rehabilitatingcarson/
8. Email sent at 11.22am on 3rd November, and, to other addresses,
later that afternoon.
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
Evento discutirá no Amazonas "Qualidade de vida para todas as espécies"
Por favor se comentar deixe um email para contato.
Ver em: http://portalamazonia.globo.com/pscript/noticias/noticias.php?idN=113878
MANAUS- Pensadores de diversas nacionalidades e diferentes área do conhecimento participaraão no Amazonas, do primeiro TEDx Amazônia, evento que acontece no auditório flutuante do Amazon Jungle Palace, às margens do Rio Negro, nos dias 6 e 7 de novembro. Durante o evento será discutido o tema “Qualidade de vida para todas as espécies”.
O executivo Hugo Penteado, economista-chefe da Santander Asset Managment e especialista em ecoeconomia será um dos palestrantes do evento, com a palestra “Economia Ecológica e Sustentabilidade”. Penteado fará um resumo dos problemas socioambientais criados pelo atual sistema econômico, mostrando como a teoria econômica tradicional simplesmente ignora os fatores sociais e ambientais em suas teorias.
Para Hugo, o uso de leis da física de 200 anos atrás continuam influenciando na direção errada as políticas dos governos e empresas, tornando-os cegos em relação ao desastre ambiental que acabará se tornando um grande empecilho na sua meta de maximizar lucros.
“Temos um desafio enorme pela frente. Estamos assistindo a uma escalada dos problemas sociais, ambientais e econômicos. Há uma urgência de mudanças e de caminhos diferentes”, avalia o economista.
As inscrições para o evento já estão encerradas, os interessados podem acessar o site – www.tedxamazonia.com.br.
Ver em: http://portalamazonia.globo.com/pscript/noticias/noticias.php?idN=113878
MANAUS- Pensadores de diversas nacionalidades e diferentes área do conhecimento participaraão no Amazonas, do primeiro TEDx Amazônia, evento que acontece no auditório flutuante do Amazon Jungle Palace, às margens do Rio Negro, nos dias 6 e 7 de novembro. Durante o evento será discutido o tema “Qualidade de vida para todas as espécies”.
O executivo Hugo Penteado, economista-chefe da Santander Asset Managment e especialista em ecoeconomia será um dos palestrantes do evento, com a palestra “Economia Ecológica e Sustentabilidade”. Penteado fará um resumo dos problemas socioambientais criados pelo atual sistema econômico, mostrando como a teoria econômica tradicional simplesmente ignora os fatores sociais e ambientais em suas teorias.
Para Hugo, o uso de leis da física de 200 anos atrás continuam influenciando na direção errada as políticas dos governos e empresas, tornando-os cegos em relação ao desastre ambiental que acabará se tornando um grande empecilho na sua meta de maximizar lucros.
“Temos um desafio enorme pela frente. Estamos assistindo a uma escalada dos problemas sociais, ambientais e econômicos. Há uma urgência de mudanças e de caminhos diferentes”, avalia o economista.
As inscrições para o evento já estão encerradas, os interessados podem acessar o site – www.tedxamazonia.com.br.
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