quinta-feira, 10 de junho de 2010

Monteiro Lobato e meio ambiente

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No dia mundial do meio ambiente, vale a pena trazer à tona alguns apontamentos críticos do autor sobre ecologia

04 de junho de 2010 | 23h 58

Em tempos de aquecimento global, conferências fracassadas e vazamentos de petróleo, nada como uma injeção de Monteiro Lobato na veia. No dia mundial do meio ambiente, em que temos pouco a comemorar e muito a refletir, vale a pena trazer à tona alguns apontamentos críticos do autor. Atento às principais questões de seu tempo, Lobato foi um articulista ousado e perspicaz, engajando-se em diversas campanhas. Militou pelo petróleo - o que lhe rendeu três meses na prisão, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas - criticou a propriedade latifundiária, e defendeu a natureza. Na época, Lobato não tinha como prever a poluição que o petróleo causaria. Ambas as campanhas, pelo ouro negro, como pela preservação do verde, eram fruto de seus ideais nacionalistas.

Já em Urupês, empregando uma retórica ácida, permeada de sarcasmo e ironia, criticou as queimadas como método de preparação da terra para o plantio. No conto “Velha Praga” (publicado pela primeira vez em O Estado de São Paulo, de 12 de novembro de 1914), Lobato se mostrava indignado diante da preocupação da elite letrada brasileira com o custo dos soldados em guerra na Europa – na 1ª Guerra Mundial –, enquanto as queimadas causavam enormes prejuízos ainda não contabilizados: destruíam as “velhas camadas de húmus”, “os sais preciosos” da terra, que seriam levados pelas enxurradas; causavam a perda do habitat das aves e dos animais silvestres, bem como a falta de pasto para o gado. O responsável por tal situação seria o caboclo, “o sacerdote da Grande Lei do Menor Esforço”. Lobato se refere ao caboclo como um parasita (tal como o fungo urupê, conhecido também como orelha-de-pau), um “piolho da terra”, que só se aproveitava da natureza, colhendo seus frutos, realizando agricultura através da coivara e, quando a terra se exauria, abandonava o local, procurando outro lugar para recomeçar, através das mesmas técnicas atrasadas, a luta pela vida. No entanto, mais tarde, em sua obra, Lobato fez as pazes com o caboclo, reconhecendo que ele não era o culpado da ignorância e miséria, as quais o levavam a procedimentos destrutivos do meio ambiente, e sim a estrutura fundiária arcaica em que estava inserido.

Em outro conto de Urupês, intitulado “Bucólica”, Lobato critica a poluição das cidades, em que as pessoas respiravam um “indecoroso gás feito de pó”, ignorando os benefícios do ar puro das matas. No início do século, com a urbanização crescente, o surgimento do automóvel e o princípio da industrialização, as questões ambientais já eram tema debatido no centro do país. O escritor não era contrário ao progresso, muito pelo contrário, essa foi a principal causa pela qual militou, principalmente através de sua literatura infantil, pois considerava que somente as crianças e jovens, futuros adultos, poderiam tirar o país do atraso. Seus livros para este público eram, acima de tudo, educativos, porém de forma lúdica, através de uma narrativa que dava direito de fala à criança.

Também no livro de ensaios A onda verde Lobato explora os problemas ambientais de sua época. Como um nacionalista ferrenho, não pode se eximir de denunciar a destruição das “florestas virgens”, digeridas pela “árvore que dá ouro”: o café. Lobato considera que os bandeirantes, “almas fechadas ao contemplativismo”, foram os culpados pela derrubada de jequitibás e perobeiras milenares. A ambição humana “preferia à beleza da desordem natural a beleza alinhada da árvore que dá ouro”. Outra denúncia importante é o “grilo”, presente no ensaio de mesmo nome, que, segundo Lobato, é o “precursor da onda verde”. Tirando o direito do nada, o grileiro é o sinal do fim de um tempo. Com sua chegada, acabam costumes dos antigos moradores da região, extinguem-se a floresta e a fauna, em troca dos enormes cafezais.

No ensaio “Homo Sapiens”, num estilo panfletário e irônico, Lobato condena o homem pela pesca com armadilhas, as arapucas, mundéus, ratoeiras, o aprisionamento de pássaros em gaiolas, as carroças e arreios com que os cavalos eram presos, a caça das baleias com arpão e aos outros animais a tiros, os incêndios dos campos e matas, a drenagem dos pântanos, enfim, por todo o mal causado aos animais. O homem, movido pela ganância, torna-se “lobo de si próprio”, numa referência hobbesiana, pois suas ações contra a natureza acabam vitimando a si mesmo. A solução de Lobato é conclamar uma revolução dos bichos (muito antes de George Orwell, mas em outro sentido, é claro): “animais todos da Terra, basta de submissão! Uni-vos!” Um governo dos animais seria “infinitamente mais gentil que a dura realeza humana”, inclusive porque daria maior atenção `as crianças, a quem Lobato chama de “pequeninas vítimas”.

Em outro ensaio de A onda verde, “Eucaliptos”, o escritor elogia o plantio de eucaliptos fomentado pelo Horto Florestal de Rio Claro, sede do Serviço Florestal da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. O Horto tinha a função de suprir a demanda de madeira para dormentes e carvão, e acabou promovendo o reflorestamento em São Paulo, a partir de eucaliptos trazidos da Austrália pelo pesquisador Edmundo Navarro de Andrada, e, segundo Lobato, deixava “a perder de vista tudo quanto se fez no Brasil por iniciativa governamental”, além disso, sem burocracia. A crítica ao governo é ainda mais incisiva, questionando se o Ministério da Agricultura “em anos e anos de funcionamento com verbas enormes, fez até agora obra que se possa comparar a esta? Fomentou alguma cultura, orientou-a na escala e com a segurança desta maravilhosa iniciativa particular?”. O reflorestamento do governo, para o escritor, era baseado num “patriotismo de pau”, coberto das cinzas do pau-brasil, enquanto a iniciativa de Navarro no Horto era “coisa séria”, “uma aberta que deixa entreluzir o que poderemos ser no futuro”.

Na literatura dedicada ao público infantil, Lobato também inseriu elementos de sua preocupação ambiental. Em uma passagem de A Chave do Tamanho reaparece a metáfora do governo dos bichos, aliado a uma reflexão sobre a própria humanidade. Na voz de Emília, Lobato compara a Terra a uma pulguinha na imensidão do Universo; o homem, nesta pulguinha “é uma poeirinha malvada”. Se a humanidade acabasse, os animais ficariam muito contentes, porque o “homo sapiens era o que mais atrapalhava a vida natural dos bichos”, ideia transmitida através do Visconde de Sabugosa.

Em Memórias da Emília, livro em que a boneca resolve escrever “as histórias de sua vida”, há uma passagem interessante, na qual explica para o anjinho de asa quebrada (personagem de Viagem ao Céu) “as coisas da terra”. Emília esclarece que árvore é “uma pessoa que não fala; que vive sempre de pé no mesmo ponto”, e que só sai do lugar quando surge o machado, “o mudador das árvores”, que muda até o nome delas, pois, quando ele passa perto, as árvores viram lenha; é um “diabo malvadíssimo”. Através de Emília, Lobato critica também o uso de animais como cobaias em experimentos científicos. Ela considera isso um “desaforo”, porque o cão é o animal “mais amigo do homem”, o símbolo da fidelidade.

A partir de seu olhar crítico, guiado pela lente do nacionalismo, Lobato tocou nos problemas ambientais mais importantes da época em que viveu. Já havia poluição e destruição da natureza, nos anos 1920; ela se intensificou ao longo do século pelo desenvolvimento sem controle da indústria, pela falta de planejamento urbano e pelos estímulos ao consumo desenfreado, até chegar aos níveis que somos obrigados a suportar hoje. O grande mérito da obra de Lobato foi instigar seus contemporâneos à reflexão sobre o que estava acontecendo. Eles podem inspirar-nos na busca de soluções para os desafios de hoje, muito maiores, é claro, e que passam por uma séria mudança de conduta dos consumidores, mas também por uma revisão dos processos políticos e econômicos, em âmbito global. Talvez estejamos precisando de uma revolução dos animais, das florestas, dos rios e dos oceanos, para que possamos adquirir a consciência da Emília e do Visconde de Sabugosa...

* Elenita Malta Pereira é historiadora e mestranda em História na UFRGS


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