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Prezados estudiosos, professores, cientistas, profissionais de várias áreas, amigos,
Não sei por onde começar, mas a situação da água em São Paulo parece assustadora. Imagina o colapso que irá resultar caso a estação de chuvas seja fraca no final desse ano. Imagina o que já está acontecendo com um sem número de famílias nos municípios já atingidas por um racionamento de água. Falta de água é muito pior, dizem os especialistas, do que falta de energia, em termos de impacto nas atividades econômicas, principalmente urbanas. O que podemos fazer?
Em primeiro lugar, se queríamos uma prova do erro dramático do sistema econômico atual de crescimento contínuo, completamente irracional, que agrega atividades geradoras de PIB mas desagregadoras do ponto de vista socioambiental, dentro de um espaço finito que é a Terra, agora temos: crise hídrica num dos maiores conglomerados populacionais do planeta (figura 1). Como é possível aumentar a demanda exponencialmente por um recurso finito como a água (e também pelos serviços ecológicos, solo)? Ganhos tecnológicos têm limites e a menos que pretendamos alcançar a proeza de produzir do nada, os ganhos de eficiência foram e serão sempre superados pela escala produtiva anormal, com piora também exponencial de todas as variáveis críticas dos sistemas de sustentação da vida. Para economia ecológica a questão da água é um desafio que deveria ser abraçado com paixão: quais são as causas? quanto o evento climático em São Paulo extremo explica? o que poderia ter sido feito? qual a recomendação futura de forma geral? Os reservatórios estavam em queda desde 2010, sabemos que destruição de mananciais, desmatamento, destruição de nascentes, o rodoanel na APA Bororé, a falta de investimentos para conter a perda de água no sistema de distribuição e desperdício alucinante dos consumidores tudo isso contribuiu para germinar essa crise. O extremo climático pode ter sido a pá de cal num processo cujo resultado talvez não seria diferente disso, só um pouco mais distante no tempo.
Figura 1
Agora sabemos que não é só o reservatório da Cantareira (abastece 45% da população munícipe de São Paulo, figura 2) que está crítico, mas outros também e não é só no município, mas no estado inteiro e também no Rio de Janeiro. E não é só água, na parte de geração de energia também há riscos. Enquanto continuarmos estudando economia pelo fluxo do PIB, que não tem conexão alguma com o meio ambiente do qual depende, considerando a Terra um subsistema da economia que não vê limites ecológico-planetários, o resultado não será diferente. Não dá mais para acreditar não haver limites ao crescimento material e aumento contínuo de demanda por energia. A atividade sócio-econômica tem que ser vista do ponto de vista de fluxo de matéria e energia e seus impactos sociais acima de tudo, porque sem salvação social não haverá salvação ambiental. Por esses fluxos sabemos que só há duas opções pela frente: ou desmaterializamos a economia ou desmaterializamos a vida. Optamos até agora com o pé no acelerador pelo segundo: estamos no meio da maior extinção em massa da vida desse planeta de forma endógena, sempre com a enorme ingenuidade de achar que essa extinção jamais irá se voltar contra os causadores. Na biologia somos todos um.
Figura 2
Água é um recurso finito. Para aumentar esse recurso precisaríamos de uma nova chuva de meteoros durante milhões de anos. Esses dois períodos de chuvas de meteoros de milhões de anos ocorreram na história da Terra quando a vida não existia e nossa espécie animal só chegou aqui quase no último segundo. Somos claramente irrelevantes para o planeta e a filosofia do “nunca morri” não deve continuar. Enquanto escrevo esse email, significa que não morri, mas significa que não morrerei um dia? O planeta nunca expulsou a humanidade, significa que nunca expulsará? A irracionalidade desse sistema baseado em desperdício, ineficiência e no jogar fora, tudo submetido a crescimento exponencial, com cidades tendo mais nascimento de carros do que de bebês e com a população aumentando 300.000 habitantes por dia, já descontados os mortos, é muito evidente para acharmos que podemos continuar nessa mesma trajetória sem nada mudar. Será que a situação da água não pode nos ajudar a revisar o atual paradigma econômico, a teoria econômica falsa e despertar em nós a consciência que devemos ter sobre a nossa relação como espécie animal nesse planeta? John Maynard Keynes escreveu que “no longo prazo todos estaremos mortos”. Nicholas Georgescu Roegen criticou essa frase ao dizer que “como espécie animal somos praticamente imortais.” Isso para lembrar a questão moral de não continuar agredindo a capacidade do planeta sustentar a vida com um sistema econômico em rota completa de colisão com a Terra. Não adianta inventarmos mais nomes (economia verde, economia do meio ambiente, sustentabilidade, mecanismos de desenvolvimento limpo, etc.), porque não existe economia sem ser verde, sem envolver o meio ambiente e não existe ausência de sustentabilidade. Se nosso sistema atual insistir nessa rota de colisão, o planeta irá restaurar a sustentabilidade à nossa revelia e sem a nossa presença. Como Roegen disse “seremos capazes de entregar a Terra ainda banhada em sol apenas à vida bacteriana”, afirmação depois referendada pelos estudos de paleontologia sobre o atual processo de extinção.
O sistema econômico tem que mimetizar a natureza: (i) deixar de ser linear, para ser cíclico, (ii) deixar de ser degenerativo, ineficiente e com enorme desperdício de matéria e energia para ser regenerativo, eficiente, e (iii) deixar de ser infinito ou submetido a crescimento exponencial infinito para ser finito, tal como é a Terra, enxergando os limites ecológicos. Deixar de concentrar riqueza e renda para atender as necessidades humanas com mais oportunidades para todos. Isso requer abandonar as métricas estéreis a favor de mensurações que façam uso do conhecimento que temos de biologia, física, sociologia e ecologia, uma multidisciplinaridade. Nada pode ser mais estéril que o conceito do PIB. Mesmo para medir o bem estar social, embora seja a única justificativa desse ataque contra o planeta.
Não é hora de arregaçar as mangas? Ou podemos esperar mais evidências?