terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Fim da água em São Paulo à vista?

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Amigos,


A entrevistada é do Instituto Socioambiental, que faz parte da Aliança pela Água (www.aguasp.com.br).

Meus comentários:

A questão da água é resultado direto de uma teoria econômica que ignora os elos do sistema econômico – e sua dependência – com a natureza.  Nicholas Georgescu Roegen mostrou mais de 50 anos atrás porque através de um erro epistemológico sério os economistas assumiram corajosamente a total separação entre o sistema econômico e o ambiental.   Mesmo assim, a explicação esquisofrênica em defesa desse modelo econômico é que a regra de escassez e os mercados irão resolver o problema ambiental (e social).  Na verdade com esse erro, os mercados só agravam a situação, o modelo teórico e mental que precisa ser revisto, do contrário, suicídio coletivo.

Conforme apontado por Paulo Roberto da Silva, como a regra de escassez só se aplica aos bens econômicos (oferta limitada e sujeita a apropriação) e não se aplica aos bens livres (inesgotáveis e não sujeitos a apropriação e inclui aqui todos os itens da natureza e seus serviços), a escassez desses últimos jamais é observada (finitude planetária ou da natureza) e as leis do mercado (preços mais altos como limitador do consumo) não valem aqui.  Ao contrário, como já escreveu várias vezes Hugo Penteado, quanto mais viável for economicamente uma atividade, mais inviável ela é do ponto de vista ambiental (e social).  Esse conflito não foi resolvido, porque para tal, é necessário a revogação dos erros da teoria econômica tradicional, algo que a Economia do Meio Ambiente que conhecemos, em grande parte ligada a essa visão neoclássica, também não resolveu (e o tratado de Kyoto expirou em 2012 sem nenhuma grande fanfarra...).

Na prática vivemos um suicídio coletivo progressivo.  Conforme se retira  mais água de reservatórios que vão sendo degradados (desmatamento, poluição, mudança climática), não há nenhum estímulo de demanda para evitar o seu consumo e o extremo desperdício dos paulistas e paulistanos.  Todos seguem lavando a calçada com mangueira e construindo piscinas, não há limitação alguma para outorga de água, mesmo que seja em sacrifício de atividades e populações do interior.  O desperdício galopante se observa em regiões como a de São Paulo cidade e satélites, mesmo com uma proporção per capita de água comparada a regiões semi-áridas (ou desertos), de apenas 200 litros /dia (à guisa de comparação, o estado tem 2800, Brasil 8200 e a ONU recomenda como limite mínimo 2000).   Portanto, toda a distribuição, usinas de filtragem, estações de tratamento, conexões de reservatórios, etc. disponibilizaram uma oferta acima do que rezava a finitude desse recurso na região a ponto de criar a possibiilidade de um colapso total que irá requerer que 20 milhões de habitantes sejam evacuados, porque sem água, a única opção é caminhão-pipa, mas a magnitude é impensável. Dos 13 hospitais da região da Paulista, só um, o Hospital das Clínicas requer 350 caminhões pipa por dia...

Além da água, o fim das reservas pesqueiras é um exemplo idêntico.  Você começa retirando peixes com cada vez maior frota de pesqueiros. O preço cai e a demanda sobe, culminando com nova alta de preços.  Aumenta a frota e retira-se mais peixes. O ciclo vai se repetindo até a reserva pesqueira colapsar com uma quantidade grotesca de barcos acima da linha do mar à toa.  As atividades ganham subsídios do governo para piorar.  Das 17 reservas pesqueiras mundiais, 11 entraram em colapso e as outras já estão bem encaminhadas na mesma direção. A indústria pesqueira mundial suicida tem rede suficiente para embalar a Terra sete vezes.  O mais assustador é que mesmo após a proibição da pesca em lugares importantes, não houve melhora, o colapso foi irreversível.  Mas essa “falsa escassez” fomentou uma outra atividade, nociva à saúde humana (uso de antibióticos, hormônios, tintas, metais pesados) que é a cultura de peixes fora do mar.  Salmão cultivado foi relatado num artigo do Guardian Sustainability Blog como um dos alimentos mais nocivos à saúde humana do mundo, senão o pior.

Jamais foi impedida pelo mercado e pela escassez a morte do solo em regiões agrícolas como no vale do Paraíba do Sul com o ferro e fogo arrasador na Mata Atlântica braslieira e o café, seguido por um êxodo e fuga ambiental de porte elevado na nossa história.  Nada se tirava do solo de alimentos, essa destruição é visível até os dias de hoje.  O modelo econômico opera até o colapso, não há nenhuma regra pertinente ao uso dos recursos da natureza que detenha esse suicídio ou que produza ganhos de eficiência, tecnologia, contenção da demanda que deveria engerar o limite ecológico.  Isso porque outro erro dessa teoria autista é que os bens da natureza são considerados substituíveis, o que podemos chamar de mito tecnológico e da substituição perfeita ou quase perfeita dos fatores.

Na prática é o que vemos na proposta do governo estadual e federal: na crise hídrica atual as três obras propostas (usina de reúso, canais transposição da água dos rios São Lourenço e Paraíba do Sul) são como se fossem substitutos para água.  Vamos imaginar que por conta do desmatamento, poluição, comprometimento de nascentesm, etc. a água não seja mais produzida nesses rios. As obras “substitutas” irão criar uma estrutura que não poderá ser usada.  A água é insubstituível e ela vem da natureza. Ponto. Podem construir as usinas e canais cinzas, eles podem ficar secos.  Isso tudo antes da morte da Amazônia e da mudança climática. Ou seja, como não fazemos nada como espécie animal, o pior ainda está por vir...

No limite, somente com finitude da demanda ou sua redução (decrescimento de matéria e energia e não do PIB, que já deveria ter sido abolido há décadas) conseguiremos amenizar a situação.  Não é mais possível revertê-la, isso era possível décadas antes, não agora com uma pegada ecológica global acima da capacidade terrestre, de 1,5 planeta (hoje mesmo li uma matéria que até 2050 o número de carros no Brasil irá quadruplicar, não só é uma cegueira total, como estamos copiando o modelo carrocentrista monodirigido que claramente não pode ser replicado para todos).  O quadro de alterações planetárias é irreversível e tudo indica que estamos levando o sistema para o limite, onde não podemos mais descartar cenários possíveis de ruptura.

Tudo isso para dizer que apesar dessa evidência – o fim da água - contrária ao pensamento tradicional, os economistas seguem acreditando que a água vai ser regulada pela escassez e pelos mercados, mas não explicam porque mesmo com essas regras pré-existentes não se conseguiu evitar a situação extrema que temos diante dos nossos olhos em várias áreas, as mais importantes, água, energia e clima.   Hoje existe um risco palpável de colapsar o reservatório da Cantareira até o terceiro volume morto e acabar totalmente a água se o regime de chuvas for tão ruim quanto em 2013-2014 ou se a perda de impermeabilidade for muito mais severa do que se imagina (uma vez que o fim do primeiro volume morto e o esgotamento do segundo e seu efeito sobre o eservatório nunca foi observado antes).  Quando isso acontecer, gostaria de ser o primeiro a perguntar aos economistas onde estão o mercado e a escassez que iriam evitar esse colapso? Por que não funcionaram?  Será que irão sustentar as suas falsas teorias mesmo após isso? Ou vão fazer como os mafiosos: só assumem a culpa por alguma coisa quando podem atribuir a alguém...

O volume morto guardava o selo da impermeabilidade da Cantareira, mas com o seu fim hoje 80% do fundo do reservatório está exposto a céu aberto e totalmente craqueado.  Apesar de tudo isso, a única estratégia do governo é esperar chuvas que tragam 75% da vazão no mínimo da média histórica para recuperar o reservatório para 10% acima dos dois volumes mortos já utiilizados.  Todas as três obras – que não são solução – só ficarão prontas depois do próximo ano hídrico (de outubro de 2014 a setembro de 2015).  A relação chuva e vazão pode ter quebrado, ou seja, para a mesma quantidade de chuva de antes, não se produz a mesma vazão histórica, ou seja, os reservatórios podem não encher mesmo com chuvas acima ou na média histórica.  Finalmente, a aposta de chuvas já não deu certo: outubro e novembro teve chuvas e vazão ridiculamente baixas (tanto por poucas chuvas quanto por falta de impermeabilidade nos reservatórios).  Dezembro vai pelo mesmo caminho.  Se janeiro a março continuar assim, evacuação das cidades à vista ou paralisação de todo o trânsito motor da cidade para deixar apenas centenas de milhares de caminhões-pipa circularem. Ah, e quem vai pagar a conta deles? Qual vai ser seu preço? Porque aí a escassez dos economistas autistas se aplica: quantos caminhões-pipa existem para movimentar água na cidade?

Virasin Ohmni

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