Carta ao pessoal do decrescimento,
O clima está surreal. Somente acordaremos do sonho das nossas SUVs em estações de esquis com casas de 500 metros quadrados, principalmente para aqueles que ainda não realizaram isso, quando o céu cair literalmente sobre nossas cabeças.
Isso me leva a um tema super importante para esse grupo.
A crise de 2008 evidenciou o que pode ser um dos maiores flagelos do atual modelo econômico: fracasso de demanda agregada e incapacidade de crescer eternamente. Ficou claro, por essa via, que as piores decisões desde o final dos anos 1980 começaram a ser tomadas para evitar esse flagelo, fomentada pela ideologia (pura ideologia) das teorias de livre mercado que produziram uma das maiores flexibilizações do mercado financeiro, mas somente dele, jamais foi liberado o mercado de trabalho, de bens e de produção, principalmente nas três maiores economias estatais do planeta, a saber, Estados Unidos, Japão e Alemanha. A “teoria” só vale ao que mais interessa ao sistema. O interessante mesmo foi fazer política monetária com a China exportando deflação (leia-se uma das maiores explorações humanas da vida desse planeta) e comprando ativos dos países ricos. A dura realidade das políticas monetárias ainda vai acontecer, seja via deflação interna ou monetização de dívida.
Sabemos hoje que se produziu um crescimento vertiginoso de dívida privada nas nações avançadas que está sendo transferida para o setor público e como não há mais como ser transferida para outra entidade, significará que o flagelo da falta de crescimento ou japanização é inescapável, juntamente com o desmonte acelerado dos programas de suporte social. Sem falar que só Europa (que conta com mercados externos e intraeuropeu para crescer via exportações) está avançada no ajuste do desequilíbrio fiscal, ao passo que Japão e Estados Unidos nem começaram a endereçar o tema.
Foi o crescimento vertiginoso da dívida, com níveis jamais vistos na história da humanidade, que financiou o consumo das nações deficitárias e avançadas e agora também endividadas. Sem nenhuma outra nação que entre no seu lugar, seja com peso e tamanho desses países, mesmo com a ideia estapafúrdia da China ter ultrapassado o ponto de Lewis e estar a ponto de virar a locomotiva de consumo do planeta, não há como dar vazão a essa produção gigantescamente estúpida. A China está a ponto de se transformar no maior desastre ambiental e de excesso de investimentos da Terra (uma pesquisa rápida no youtube deixa bem claro os custos sociais e ambientais da maravilha chinesa).
Não espanta ninguém desse grupo que para as nações desenvolvidas voltarem a crescer os vetores são os mais tradicionais possíveis: construção principalmente de imóveis residenciais, infraestrutura, mineração e petróleo e venda de automóveis (vários pacotes de estímulo de Japão à Alemanha, não só no Brasil e na China)? Na verdade nesse período de explosão da dívida, 75% do consumo desnecessário das famílias dos países ricos foi financiado por dívida e não por renda. E essa explosão de consumo das famílias explica 90% do crescimento dos países ricos e isso, é claro, é mais flagrante nos EUA, onde o desperdício também explodiu: carros que fazem um quilômetro por litro viraram regra e o tamanho das casas triplicaram para famílias cujo tamanho caiu para muito menos da metade. Mais de 10% da energia produzida nesse país só para manter as luzes “stand by” dos aparelhos ligadas à toa. As casas cerradas 365 dias do ano com ar condicionado durante o verão e com calefação durante o inverno. Roupa no varal ou andar a pé viraram hábitos jurássicos. E estamos caminhando para uma economia sustentável...
Não podemos dizer que esse processo todo produziu a maior concentração de riqueza jamais vista nesse planeta, mas os mais ricos são como os republicanos dizem “job creators”, uma mega estratégia de comunicação. A organização internacional do trabalho vira no túmulo toda vez que ouve isso.
Em resumo, com a falta de crescimento, a única meta de todos os governantes, dirigentes, empresários, formadores de opinião é restabelecer a confiança no sistema e isso só é possível através da volta do crescimento. A confiança é fundamental para evitar falência, default, crises. Se um depende do outro, o futuro já está traçado: colapso e guerras. Não há como restabelecer o crescimento, porque os últimos 30 anos não passou de antecipação de demanda futura, via dívida, e o ajuste irá durar um período japonês através do qual o crescimento será um fiasco e os emergentes não irão desempenhar melhor com seus voos de galinha.
A pergunta que deveríamos fazer, finalmente, é porque após mais esse fracasso do modelo, ficamos mudos ao invés de adotarmos uma postura semelhante ao do Roegen e desferir uma crítica irrefutável como a dele sobre o mito sócio-econômico do crescimento gerador de bem estar? Mais que isso, porque após mais esse fracasso, não nos assusta ficarmos mais próximos do desastre ambiental-planetário com os anúncios do governo que também irão na mesma direção do resultado sócio-econômico desastroso dos países ricos?
Se nada disso nos assusta, nada mais poderá assustar. Só mesmo quando o céu cair sobre nossas cabeças. Os tristes infelizes de Nova Friburgo, Florianopólis, Petrópolis, etc. que o digam, se pudermos, como espécie animal, nos simpatizar com eles. Muitos deles não dizem mais nada infelizmente, e nem nós, e os que ficaram continuam sem suas casas reconstruídas até hoje, porque construir casas biodinâmicas com 10.000 reais não é permitido. O que é permitido é movimentar o capitalismo com casas convencionais, mesmo na situação de emergência que eles estão.
Hugo
2 comentários:
Hugo, confesso que às vezes preferiria ser ignorante e não saber de nada disso. Quem sabe assim teria mais esperança num futuro melhor.
Apesar disso ainda acho que podemos mudar, mas diante de um desastre muito grande, onde crenças, hábitos e valores ultrapassados e insustentáveis já não terão valia, talvez somente diante da morte é que acordaremos para a vida.
Abraços fraternos!
Grazi
Hugo, talvez somente diante da Morte é que os seres-humanos se darão conta da Vida.
Estamos destruindo a Vida porque como espécie humana ainda optamos por continuar com nossos hábitos alimentares carnívoros, dando valor ao poder e ao dinheiro em detrimento à tudo e à todos, se vendo como um SER totalmente à parte da natureza (a natureza é uma coisa e seres-humanos são outra). Essa idéia de separação, egóica é que é o pilar de toda destruição que o homem causa a si mesmo e ao planeta.
Talvez somente diante da MORTE é que daremos valor à VIDA. E somente nesse momento o SER-Humano resgatará o verdadeiro Valor da vida como um todo.
Abraços fraternos
Graziela Teixeira
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