quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Mobilidade versus carrocentrismo

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Abramovay

Parabéns pelo seu artigo, gostaria que fosse lido e levado a sério e que gerasse políticas de abandono do carro, mas a falsa crença que gera empregos, sem se contabilizar a perda de bem estar nem o impacto antropológico (destruição dos espaços sociais urbanos, distanciamento de uns contra os outros, etc.) impede essa mudança.  Automóveis causam custos muito maiores para quase nenhum benefício, exceto para alguns se sentirem superiores aos outros por terem um carro melhor.

Por isso vou e volto de bicicleta para o trabalho em 16 quilômetros diários.  É uma das poucas coisas que faço, por assim dizer, que me faz ter orgulho.

Abraço Hugo

Mobilidade versus carrocentrismo

Ricardo Abramovay

Ampliar espaços de circulação para automóveis individuais é enxugar gelo, como já bem perceberam os responsáveis pelas mais dinâmicas cidades
Automóveis individuais e combustíveis fósseis são as marcas mais emblemáticas da cultura, da sociedade e da economia do século 20.
A conquista da mobilidade é um ganho extraordinário, e sua influência exprime-se no próprio desenho das cidades. Entre 1950 e 1960, nada menos que 20 milhões de pessoas passaram a viver nos subúrbios norte-americanos, movendo-se diariamente para o trabalho em carros particulares. Há hoje mais de 1 bilhão de veículos motorizados. Seiscentos milhões são automóveis.
A produção global é de 70 milhões de unidades anuais e tende a crescer. Uma grande empresa petrolífera afirma em suas peças publicitárias: precisamos nos preparar, em 2020, para um mundo com mais de 2 bilhões de veículos.
O realismo dessa previsão não a faz menos sinistra. O automóvel particular, ícone da mobilidade durante dois terços do século 20, tornou-se hoje o seu avesso.
O desenvolvimento sustentável exige uma ação firme para evitar o horizonte sombrio do trânsito paralisado por três razões básicas.
Em primeiro lugar, o automóvel individual com base no motor a combustão interna é de uma ineficiência impressionante. Ele pesa 20 vezes a carga que transporta, ocupa um espaço imenso e seu motor desperdiça entre 65% e 80% da energia que consome.
É a unidade entre duas eras em extinção: a do petróleo e a do ferro. Pior: a inovação que domina o setor até hoje consiste muito mais em aumentar a potência, a velocidade e o peso dos carros do que em reduzir seu consumo de combustíveis.
Em 1990, um automóvel fazia de zero a cem quilômetros em 14,5 segundos, em média. Hoje, leva nove segundos; em alguns casos, quatro.
O consumo só diminuiu ali onde os governos impuseram metas nesta direção: na Europa e no Japão.
Foi preciso esperar a crise de 2008 para que essas metas, pela primeira vez, chegassem aos EUA. Deborah Gordon e Daniel Sperling, em "Two Billion Cars" (Oxford University Press), mostram que se trata de um dos menos inovadores segmentos da indústria contemporânea: inova no que não interessa (velocidade, potência e peso) e resiste ao que é necessário (economia de combustíveis e de materiais).
Em segundo lugar, o planejamento urbano acaba sendo norteado pela monocultura carrocentrista. Ampliar os espaços de circulação dos automóveis individuais é enxugar gelo, como já perceberam os responsáveis pelas mais dinâmicas cidades contemporâneas.
A consequência é que qualquer estratégia de crescimento econômico apoiada na instalação de mais e mais fábricas de automóveis e na expectativa de que se abram avenidas tentando dar-lhes fluidez é incompatível com cidades humanizadas e com uma economia sustentável. É acelerar em direção ao uso privado do espaço público, rumo certo, talvez, para o crescimento, mas não para o bem-estar.
Não se trata -terceiro ponto- de suprimir o automóvel individual, e sim de estimular a massificação de seu uso partilhado. Oferecer de maneira ágil e barata carros para quem não quer ter carro já é um negócio próspero em diversos países desenvolvidos, e os meios da economia da informação em rede permitem que este seja um caminho para dissociar a mobilidade da propriedade de um veículo individual.
Eficiência no uso de materiais e de energia, oferta real de alternativas de locomoção e estímulo ao uso partilhado do que até aqui foi estritamente individual são os caminhos para sustentabilidade nos transportes. A distância com relação às prioridades dos setores público e privado no Brasil não poderia ser maior.

RICARDO ABRAMOVAY é professor titular do Departamento de Economia da FEA, do Instituto de Relações Internacionais da USP e pesquisador do CNPq e da Fapesp.
Twitter: @abramovay 


São Paulo, quarta-feira, 14 de dezembro de 2011Opinião

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