sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Casa, carro e viagem ao estrangeiro

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Nossa sociedade consumista, onde o ter é o seu único contorno, é hoje a maior geradora de problemas psicossociais e ambientais, com um uso de anti-depressivos recorde.  Isso é recente. Nem sempre fomos assim. Para mudar uma sociedade mais voltada para valores humanos, foi tudo culpa nossa: especialistas descobriram  que aquilo que mais nos agrada é a desgraça alheia; aquilo que mais nos incomoda é o sucesso alheio. Muito simples: para vender, basta colocar o produto do lado de alguém feliz e bem sucedido. O carro não é um meio de transporte, é um meio de divisão social.  Quanto  mais as classes C,D,E tem acesso aos carros, mais as classes abastadas divergem para carros maiores e inúteis, enormes, ineficientes, improdutivos, os chamados caminhões utilitários, que segundo estudos têm cinco vezes mais chances de sofrer acidentes fatais que os convencionais. 
O modelo casa, carro e viagem ao estrangeiro que é impulsionado pela vida pública das celebridades  poderia ser considerado exceção, dado que a fantasilândia do Brasil se restringe a poucos. No entanto, a verdade é que todos admiram e anseiam esse modelo, portanto é universal e na primeira possibilidade, embora escassa,as pessoas irão reproduzir exatamente o mesmo modelo perdulário dos mais ricos. Não é à toa que um novo bilionário da China resolveu construir uma réplica do Taj Mahal para morar. É muito difícil ver as classes emergentes questionarem o stablishment. Por isso que a nossa maior desgraça não são os ricos, os políticos e as celebridades; a nossa maior desgraça é nossa admiração por eles. Nem nós nem eles mudamos para o bem do futuro, cada vez menos possível.  A ciência já nos alerta e as consequências planetárias também: jamais conseguiremos disseminar o padrão de consumo dos países ricos para todos, a menos que acreditemos ter à nossa disposição mais planetas Terra. A dura realidade é que só temos um.
As conseqüências desse modelo são graves, algumas mais lentas e outras mais definitivas: será o fim da pegada humana na Terra e o planeta continuará sua viagem pelo universo ainda banhado em sol apenas entregue à vida bacteriana, como alertou aproximadamente quarenta anos atrás Nicholas Georgescu-Roegen, o pai da economia ecológia.  Poucos sabem que a humanidade já provocou a maior extinção da vida dos últimos 65 milhões de anos e que é muita ingenuidade achar que essa extinção jamais irá se voltar contra os causadores, como também alertou o paleontólogo estadunidense Stephen Jay Gould.
Por isso procuro não andar mais de avião na física, a menos quando realmente necessário, seja uma imersão científica ou cultural ou para ajudar ou aprender algo em uma comunidade e sempre, se possível, com a intenção de ser zero carbono; se eu ganhar um bilhão de reais vou continuar morando no meu apartamento de 100 metros quadrados; sou ciclista urbano; não como mais carne, mas claro tenho meus pecados planetários, não fosse isso meu consumo pessoal se disseminado a todos não seria de 1,2 planeta, segundo cálculo no site do Ecological Footprint.  Enquanto o sistema não for possível para todos em termos de planeta, espaço físico e sustentação ecológica, o máximo que iremos obter é um colapso e negá-lo é inútil: está cada vez mais evidente nosso destino como espécie animal.  A atitude é muito mais importante que as palavras. Atualmente só temos palavras e nenhuma atitude, por isso a mudança também é zero. Continuamos céleres em direção ao precipício com nossas cidades que fedem a fumaça, esgotos e poluição. Como mudar isso, se as pessoas não só não sentem a necessidade de mudança como são impelidas a reproduzir nas suas vidas o mesmo modelo de produção e consumo que deu errado em todos os lugares onde foi implementado?

Hugo Penteado

2 comentários:

Sibele disse...

Hugo, como amo ler os seus textos! Você diz tudo que eu eu queria dizer, tudo que eu penso, mas não sei como expressar.

Concordo com você em tudo! Também concentro meus esforços em diminuir o estrago sobre o planeta, e me revolto com essa manada que se comporta como se nada estivesse acontecendo.

Abração, e escreva mais. É sempre um prazer ler um texto seu.

Sibele - scestari@gmail.com

Jerônimo de Macedo Veras disse...

Hugo,
tão real quanto a capacidade do indivíduo para refletir, é a arqueologia mental da espécie humana, resultante de milhares de anos de evolução em ambientes totalmente diferentes dos atuais. E dentre os vários resquícios comportamentais incorporados neste processo, está a tendência de imitar ou reproduzir condutas, o chamado contágio social. Mas, assim como outras tendências sofreram modificações, o cuidado com o planeta também ocorrerá. A notícia ruim é que, provavelmente, nós não estaremos aqui para assistirmos. Valeu. Jerônimo Veras
jveras@ofm.com.br jeronimoveras.blogspot.com

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