sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A história de uma brasileira, os anônimos do nosso país e do mundo

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Sobre a nossa brasileira, não vou dizer o nome nem a empresa onde ela trabalha, vou apenas dizer como é a vida dela. Ela acorda às três da manhã, para chegar no seu primeiro emprego, às cinco. Como todo cidadão de uma cidade feroz como São Paulo, onde o trânsito flui mal, mas é matador para quem mais precisa dele e vem de longe, nossa brasileira viaja aos trancos e barrancos. Os carros particulares cheio de pessoas esquisitas, barram a passagem dos coletivos, nem se dão ao trabalho de perceber que não têm prioridade alguma. Quando a cidade planejou corredores de ônibus foi uma grita geral, alguns brasileiros endinheirados que como de praxe nada respeitam, pegando acostamentos em estradas lotadas quando voltam das suas praias, também não respeitam esses corredores.

Nossa heroína chega às 5 da manhã para trabalhar até às 13 horas. Nesse emprego, onde trabalha de segunda a sábado ela ganha 520 reais brutos de uma empresa terceirizada pela grande corporação. O líquido para ela é 400 mais tickets alimentação e refeição somados de 150. Tudo dá 550. O trabalho dela é indispensável, pois ela limpa um andar inteiro de um prédio enorme apenas com a ajuda de mais uma outra funcionária igual a ela. A empresa terceirizada lucra em cima dela, tem um nome pomposo, é uma multinacional. Como esse dinheiro não dá, tem um seu segundo emprego numa casa de família, onde se preocupa com uma criança de 12 anos que passa a tarde com ela, com as camisas do marido da patroa, o jantar, etc. Ganha outros 500, a sorte é que nesse emprego ela não trabalha no sábado. O trabalho dela não poderia ser mais fundamental ou valioso. A patroa é uma pessoa boa, mas de uma forma geral mulheres histéricas e insatisfeitas no casamento, são exigentes de trabalhos domésticos e tratam nossas heroínas como se fossem máquinas. Poucos as enxergam como seres humanos antes de mais nada, nem se preocupam em dar uma perspectiva, um curso de gastronomia, nutrição, atendimento, plano de saúde, etc. Sem perspectiva.

Ela é uma heroína e se diz feliz e está sempre sorridente. Ao contrário das celebridades ou modeletes da vida, ela é realmente linda. Ela está entre os milhões de anônimos que nas estatísticas oficiais parecem estar vivendo melhor e ganhando mais. Tudo balela. Como todas as classes trabalhadoras, ela só tem uma folga por semana. A pressão do trabalho em cima das pessoas é enorme em todas as classes. André Gorz e Jeremy Rifkin têm toda razão, vivemos uma escravidão disfarçada, ou melhor, remunerada, mas que seja da pior forma possível, para um sistema que busca cada vez menos empregos. Rifkin fala em milagres, Gorz em abolição.

Como ela são milhões, feliz por ter um emprego, ao lado dos desesperados sem opção alguma nas vastas periferias desse país e do mundo, escondidas das estatísticas que os economistas se enganam e com elas enganam a todos: crescimento traz emprego e prosperidade permanente para todos. O adjetivo está errado, porque tudo em economia, tal como é esse sistema, é efêmero e o pronome indefinido no final correto é alguns ou cada vez menos pessoas. É uma galhofa os textos “técnicos” que enaltecem resultados como esses.

Perguntei para nossa heroína anônima se a vida dela melhorou e ela disse que não. Perguntei em quem ela iria votar no dia 31 de outubro e a resposta foi “ninguém”. Sobre os filhos, ela quer que as quatro filhas (são dois meninos) nem os tenham, é muito difícil criar uma criança nesse país. Mas "meus filhos são lindos e sou feliz", disse-me ela. Sorriso lindo.

Ela vale um milhão de celebridades desse país que não têm vergonha alguma em dizer que compraram um apartamento de 2.000 metros quadrados por 14 milhões de reais ou que compram iates, fazendas, e muito mais coisas que nem precisam. A riqueza e o poder foram feitos para servir e não para se servir deles e as reencarnações são ou uma segunda chance ou a última chance, para quem acredita nisso. No caso da nossa heroína, tenho certeza que ela agüenta o tranco dessa vida com uma ajuda externa incrível. No mundo material, a pergunta que todos deveriam fazer é “por que há quatro bilhões de pessoas vivendo em situação precaríssima num planeta cuja capacidade de sustentar toda a vida está sendo destruída veloz e perigosamente, apenas para atender a demanda de uma pequena minoria. Essa minoria, além de não viver bem, parece não se importar com nada além dos seus próprios umbigos.

Em outras palavras, enquanto a classe empresarial e governante continuar com seus simpósios de sustentabilidade e responsabilidade social com heroínas como essa debaixo dos seus narizes, não há como terem crédito algum. O sistema anterior – “se não podem poluir ou explorar mão de obra nos seus países, venham para cá” – era bem menos hipócrita.

O triste é que a história da nossa heroína é “usada” pela megalomania do crescimento e embora ela justifique a sanha construtora e empreendedora dos governos e empresas no mundo todo, ela pouco se beneficiará disso. É a falsa lembrança da história da nossa heroína que leva a todos ignorarem as idéias e ideais dos economistas ecológicos e cientistas que buscam um equilíbrio entre o nosso subsistema econômico-humano dentro do sistema maior hospedeiro, a Terra.

Hugo Penteado

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Pegada ecológica x "economia verde"

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Amplamente ignorado e infelizmente não é gente idiota que obtém essas constatações, isso é um conhecimento profundo.

No livro do Ricardo Arnt tem vários economistas tirando sarro dessa noção de consumir mais que um planeta quando é citada a conclusão do GFN entre as perguntas. Não são economistas quaisquer e sim formadores de opinião.

Enquanto isso nas empresas "sustentáveis", são distribuídos sacos plásticos para guarda-chuvas, copinhos plásticos aos borbotões e nas reuniões de sustentabilidade, principalmente, é chocante ver como nada mudou quando é onde mais se encontra produtos descartáveis, para os quais, não há milagre algum, nem a reciclagem, como muitos acreditam.

Hugo Penteado

Pegada ecológica x "economia verde"

José Eli da Veiga

Acaba de sair o mais completo balanço da insustentabilidade: o
Relatório Planeta Vivo 2010 . Essa é a oitava edição do documento
que mais notabilizou a Pegada Ecológica, publicado a cada dois anos
pelo WWF- Internacional (World Wide Fund For Nature), com a
Zoological Society of London (ZSL) e a Global Footprint Network
(GFN).

Esse balanço entre a pressão humana sobre a natureza e sua
capacidade regenerativa (ou "biocapacidade"), que surgiu no início
dos anos 1990, na Universidade de British Columbia, em Vancouver,
resultou de pesquisa do ecólogo William E. Rees. A metodologia foi
consolidada em 1994, em tese de doutorado de um de seus alunos, o
engenheiro suíço Mathis Wackernagel. Em seguida foi publicada em
co-autoria no livro "Our Ecological Footprint" (New Society Press,
1996). No entanto, por ter despertado grande interesse, proliferaram
cálculos pouco rigorosos, até que surgisse, a partir de 2003, a
normatização do GFN (www.footprintnetwork.org), dirigido por
Wackernagel.

É assustadora a principal revelação do oitavo relatório: em 2007 a
sobrecarga imposta pelas atividades humanas foi 50% maior que a
capacidade regenerativa do planeta. Além disso, o relatório também
apresenta projeções com base em diferentes variáveis relacionadas
ao consumo de recursos naturais, uso da terra e produtividade, graças
a uma nova "Calculadora de Cenário de Pegadas".

No cenário básico, a perspectiva não poderia ser mais tétrica: até
2030 a humanidade precisaria da biocapacidade de dois planetas
Terra para poder absorver as emissões de gases de efeito estufa
(GEE) e manter o consumo de recursos naturais. Cenários

alternativos, que pressupõem mudanças nos padrões de consumo e
nas matrizes energéticas, ilustram quais seriam as ações imediatas
capazes de reduzir o hiato entre a Pegada Ecológica e a
biocapacidade.

Entre a estabilidade e a necessidade de reduzir o impacto das
ações humanas não existe saída simplista

Três outros dados são cruciais. A biodiversidade global sofreu uma
queda de 30% em menos de quarenta anos, atesta o mais antigo
indicador do WWF - Internacional, o IPV: Índice Planeta Vivo. Chegam
a 71 os países com déficit em recursos hídricos suficiente para
comprometer a saúde de seus ecossistemas, aponta seu mais novo
indicador, o PHP: Pegada Hidrológica da Produção. Foi de 35% o salto
das emissões de GEE desde o primeiro relatório, de 1998.

Todavia, há uma séria disparidade entre a excelência desses
diagnósticos e o conteúdo do capítulo final - propositivo - intitulado
"Uma economia verde?". Dá a entender que a "economia verde"
preconizada pelo WWF- Internacional está na linha da "estratégia de
crescimento verde", esboçada em maio pelo conselho ministerial da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), e que se encontra em fase de consultas para que uma versão
definitiva seja adotada em 2011.

É péssima essa versão preliminar da estratégia da organização porque
tenta fazer de conta que o crescimento não constitui "dilema", como
evidenciou com muita clareza o relatório do governo britânico
"Prosperity without growth?" . Os ganhos de ecoeficiência que
reduzem a proporção de energia e de matéria em cada unidade de
produto são mais do que compensados pelo aumento da população e
de seus níveis e padrões de consumo. É a chamada "questão da
escala!", evidenciada pelo contraste entre as fortíssimas reduções de
intensidade de carbono das principais economias e o incessante
aumento de suas emissões em termos absolutos.

Ora, pertencem justamente à OCDE os raros países que já poderiam
planejar uma transição à condição estável, pois suas populações
deixaram de aumentar e a melhoria de sua qualidade de vida não
depende mais de aumento da produção. Como mostrou o modelo
macroeconométrico de Peter Victor para o caso do Canadá, descrito

no livro "Managing without growth; slower by design, not disaster"
(Edward Elgar, 2008).

Entre a manutenção da estabilidade social e a necessidade de reduzir
o impacto das atividades humanas sobre a natureza, não existe saída
simplista como pretendem os que especulam com essa ideia de um
suposto "crescimento verde". O dilema se impõe porque a pressão
sobre os ecossistemas não cessa de aumentar com a expansão da
economia: a desmaterialização não engendra alívio ecossistêmico.

Ao fazer de tudo para evitar o enfrentamento de um sério debate
sobre o "dilema do crescimento", a OCDE está compondo um
verdadeiro "samba do crioulo doido". É lamentável perceber,
portanto, que o WWF - Internacional se deixa ludibriar por tamanha
operação de auto engano.

Por último - mas não menos importante - o logro do "crescimento
verde" esboçado pela OCDE também ignora as recomendações da
Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi, feitas há exatamente um ano
(www.stiglitz-sen-fitoussi.fr). Em curta nota de rodapé, mal
reconhece a necessidade de superação dos atuais indicadores de
desempenho econômico e de qualidade de vida. Chocante, pois foi
decisiva a contribuição do Serviço de Estatísticas da OCDE para o
sucesso do trabalho dessa Comissão.

José Eli da Veiga é professor titular da USP (FEA e IRI), escreve mensalmente às terças. Página

web: www.zeeli.pro.br

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Clima na eleição

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Miriam Leitão.
Em Copenhague, uma jornalista estrangeira quis saber: “É verdade que os três candidatos a presidente estão aqui na Conferência do Clima?” Confirmei, e ela perguntou: “Isso significa que esse assunto no Brasil tem prioridade?” Disse que não era bem isso. A candidatura de Marina Silva levou o presidente Lula a indicar Dilma chefe da delegação, e fez José Serra ir também para Dinamarca.
Essa foi a primeira mudança provocada por Marina.
Dentro do governo, o ministro Carlos Minc vinha brigando para que o Brasil assumisse metas de redução de gases de efeito estufa.
Antes dele, Marina tinha defendido essa posição, mas fora sempre derrotada pela coalizão Casa Civil-Itamaraty e Ciência e Tecnologia. O Brasil tinha ficado preso na posição envelhecida de que só os velhos emissores de gases estufa tinham que ter metas.
A posição nova que o Ministério do Meio Ambiente defendia é que o Brasil tinha virado um grande emissor e que, como a maior parte das nossas emissões vem do desmatamento, a mudança de posição seria antes de tudo boa para nós mesmos.
Além disso, daria ao Brasil prestígio internacional.
A então ministra Dilma Rousseff era uma das pessoas que se opunham às metas. Ela achava que isso impediria o crescimento do Brasil. Os países emergentes, não integrantes do Anexo I do Protocolo de Kyoto, não tinham que se comprometer com meta alguma.
Os defensores de que o Brasil tivesse metas argumentavam que seria apenas uma redução do ritmo de aumento das emissões, uma espécie de corte no mercado futuro dos gases poluentes. Houve um momento, numa reunião para fechar a posição brasileira, em que Minc e Dilma entraram numa discussão lateral. O presidente quase suspende as decisões sobre o assunto. Mas Lula acabou decidindo pela posição de Minc.
Houve um temor dentro do governo de que a agenda ambiental ganhasse muito peso com a
candidatura de Marina e isso tirasse votos de Dilma Rousseff, que sempre foi identificada como adversária da agenda verde.
— Não vou guerrear contra os fatos. Depois que a Marina anunciou sua candidatura ficou mais fácil ganhar as brigas dentro do governo — admitiu Carlos Minc numa conversa na semana passada. Foi para tentar mudar a imagem de antiambientalista que Dilma foi enviada a Copenhague, àquela altura já com as metas de redução de gases de efeito estufa. José Serra, que estava se adiantando na aprovação de uma Lei de Mudanças Climáticas em São Paulo, foi junto com um grupo de indústrias que tem começado a entender que sem a adesão a novos comportamentos na questão ambiental pode
perder mercado internacional.
Foi assim que o Brasil chegou a Copenhague com seus três candidatos. A pouca intimidade de Dilma com a agenda, e o fato de ela ter o temperamento que tem, produziu atritos fortes com assessores do Ministério do Meio Ambiente e aquele famoso ato falho: “O meio ambiente é um obstáculo ao desenvolvimento sustentado”, disse ela numa sala lotada de 700 pessoas em Copenhague.
Na BR-319, que contei aqui rapidamente na coluna dias atrás, a grande briga em torno da estrada foi travada por Minc, que defendia que, em vez de refazer a estrada dos militares, melhor seria se fossem feitas obras que garantissem uma hidrovia.
Para alavancar sua candidatura ao governo do Amazonas, Alfredo Nascimento, então ministro dos Transportes, exigiu que fosse feita a estrada. Numa reunião entre o presidente Lula, a então ministra Dilma Rousseff e Minc, Nascimento disse que sem a estrada não apoiaria a candidatura de Dilma. A propósito: ele acabou perdendo a eleição.
Minc fechou questão. Só aceitaria dar a licença prévia se antes fossem instaladas 28 unidades de conservação e parques nacionais ao longo dos mais de 400 quilômetros que são de floresta.
Ele conta hoje que fez isso pelo exemplo da BR-163.
— Marina deu licença prévia para a BR-163 e só depois negociou as unidades de conservação e parques.
O desmatamento na área triplicou. Eu não a culpo.
Na verdade, aprendi com essa experiência que tinha que garantir antes da licença prévia. Queria a implantação antes. Foi uma briga de um ano e dez meses, mas ganhei. O Exército está lá para começar a implantação da estrutura dos parques — contou Minc.
Com os institutos dando nas pesquisas eleitorais que Marina tinha ficado estagnada na altura dos 10% e que Dilma venceria no primeiro turno, o assunto sumiu da agenda de discussões da campanha.
Naquele discurso de Serra enviado como programa eleitoral havia apenas uma frase sobre meio ambiente; Dilma se limitou a repetir superficialidades sobre a questão. Ela nunca quis limites ambientais aos projetos que alavancou.
O governo aprovou uma lei de mudanças climáticas estranha, mas engavetou na Casa Civil. Nada foi regulamentado.
A votação forte da candidata verde elevou novamente o tema. Só que agora há uma compreensão maior, da imprensa e do país, de que a sustentabilidade não é uma palavra oca, mas sim uma nova forma de estruturar o projeto econômico. O assunto voltou ao debate. Uma das exigências do Partido Verde é de revisão do Código Florestal, contra o qual Marina Silva se bateu fortemente no Senado e perdeu. O Código, ao ser aprovado, teve votos dos dois lados em disputa agora no segundo turno.
Mas a causa ambiental bate de frente principalmente com os métodos Dilma de aprovação de obras.
Ela deixou testemunhos e provas suficientes de que vê com desprezo e obstáculo a agenda ambiental e climática.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Trilhas opostas

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Essa é a razão pela qual esperamos que a Marina não apóie Dilma e se apoiar, a Dilma terá que dizer porque seus valores não conseguem entender a importância dos ecossistemas sem os quais não estaríamos aqui conversando.



Míriam Leitão - Panorama Econômico O GLOBO 07-10-10



Trilhas opostas

A verdade é que elas nunca se entenderam na hora das decisões. Marina e Dilma são opostos. Os conflitos foram abundantes nos anos em que ambas conviveram no governo. Dilma mandou alagar a Mata Atlântica, aumentou a energia fóssil na matriz, ignorou a colega no PAC, iniciou obras controversas e afastou Marina do Plano Amazônia Sustentável. Dilma esqueceu dos conflitos por conveniência eleitoral, mas os registros ficaram nos jornais, nos relatos de testemunhas, nos documentos oficiais, nas decisões. Dilma fulminou com os depreciativos “minha filha” e “meu filho” todos os então assessores de Marina que a contrariaram. Alguns são da máquina pública. Alguns deixaram o governo depois de conflitos. Em Copenhague, o então ministro Carlos Minc foi destratado.

Hoje, Minc exibe uma amnésia conveniente, mas não pode pedir a quem esteve lá, como eu, que esqueça o que viu e ouviu. Um funcionário, experiente participante de Conferências do Clima, foi fulminado por Dilma numa reunião interna quando fazia sábias ponderações: “Olha menino, isso aqui não é coisa de amador, é para profissional.” A neófita no tema era ela. Ressentimentos podem ser superados. Mais difícil são as consequências de decisões tomadas. A BR-319 foi um dos motivos do embate entre as duas. Liga Manaus a Porto Velho e atravessa 700 km de terra de ninguém. Foi construída pelo governo Médici, mas foi retomada de volta pela floresta. O último ônibus que transitou por lá foi em 1978. O governo quis refazê-la para dar capital a Alfredo Nascimento. Marina queria que fosse criada uma rede de áreas protegidas no entorno para evitar que a rodovia incentivasse a grilagem e o desmatamento. O governo nunca implementou isso e, perto da eleição, contornou a falta de licença ambiental, mandando o Exército iniciar as obras. Hoje, já há focos de grilagem e desmatamento no sul do Amazonas por causa dela. Na BR-163, Marina coordenou, com o então ministro Ciro Gomes, o projeto para fazer da Cuiabá-Santarém uma estrada sustentável. Foram aprovadas unidades de conservação e instalação de postos de fiscalização e vigilância para proteger a região da grilagem, reduzindo o impacto ambiental. Marina ganhou a batalha, mas o governo não pôs em prática o prometido. Foi onde Minc capturou os bois piratas. Quem passou por lá recentemente viu que os bois voltaram. Barra Grande é uma hidrelétrica no Sul do país que foi construída com um EIARima fraudado, aprovado no governo anterior. Nele se dizia que na área a ser alagada havia um capoeirão. Na hora de fazer o lago, descobriu-se que era na verdade uma preciosa área de Mata Atlântica com Araucária. Dilma queria alagar a mata, Marina foi contra. A energia a ser gerada era pequena para tanto estrago e era convalidar um crime. José Dirceu, então chefe da Casa Civil, decidiu estudar um pouco mais o problema. Dilma quando assumiu o cargo mandou alagar a Mata. Nas usinas do Rio Madeira houve um embate amazônico. O presidente Lula debochou dizendo que a briga era por um bagre, mas a briga foi maior e de novo opôs Marina e Dilma, já na Casa Civil, mas sempre elétrica. O MMA queria proteção contra o meio ambiente, peixes, matas, qualidade da água, prevenção contra o mercúrio e estudo do impacto da sedimentação. Dilma assumiu a defesa das empreiteiras, Marina ficou com as ONGs e o Ibama. A então ministra do Meio Ambiente conseguiu impor exigências que aumentam a segurança ambiental. Se forem cumpridas. A diferença irreconciliável foi o PAC. Ele teria que ser feito junto com o Plano Amazônia Sustentável (PAS), para que as obras do século XXI não repetissem os crimes ambientais do governo militar. Dilma defendeu que o PAS fosse entregue ao então ministro Mangabeira Unger. O presidente Lula comunicou a decisão numa reunião ministerial, dizendo que Marina não poderia cuidar do Plano porque não era isenta. Foi o sinal verde para que o PAC passasse trator sobre os limites ambientais. Marina saiu do governo. O substituto Carlos Minc brigou algumas brigas, mas perdeu as principais. Resistiu à licença para Belo Monte. As pressões da ministra Dilma foram explícitas e estão documentadas. Os diretores de licenciamento e energia do Ibama saíram. Os novos aceitaram a imposição de prazo numa reunião na Casa Civil no dia 7 de janeiro, e deram a licença em primeiro de fevereiro, apesar de os funcionários terem escrito que não houve tempo para avaliar os riscos ambientais. Tive acesso a documentos oficiais e publiquei na coluna “Ossos do Ofício”, em 17 de abril. Vejam em meu blog. Os riscos ambientais e os fiscais de Belo Monte são imensos, mas ela é uma das obras do Plano de Aceleração da Candidatura de Dilma Rousseff. Na reunião com alguns dos líderes eleitos da sua base, divulgada pelo Blog do Noblat, Jacques Wagner disse que as trilhas de Marina e Dilma sempre foram próximas. Quem viu os fatos, e rejeita o modelo stalinista de reescrever a história, sabe que as trilhas sempre seguiram direções opostas.

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