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terça-feira, 27 de julho de 2010
O QUE MUDA COM A NOVA LEI DO LIXO?
segunda-feira, 26 de julho de 2010
Educação na cidadania
O desafio de formar cidadãos para uma sociedade sustentável: as lições da Escola da Ponte, analisadas pelo seu idealizador, José Pacheco
Imagens: Tatiana Clauzet
São muitas as motivações que levam um professor a abraçar o magistério, mas a principal delas resulta de um desejo de transformação. Apesar de sempre ter transformado realidades por onde passou, a começar pela sua própria, José Pacheco nunca imaginou que se tornaria um educador. E os caminhos que o levaram a tal ofício foram bastante inusitados.
Depois de integrar missões italianas na Àfrica durante a Segunda Guerra Mundial, militar na Revolução dos Cravos e trabalhar como engenheiro elétrico, Pacheco decidiu prestar um concurso para dar aulas na rede pública de ensino de Portugal. E foram justamente esses fatos, à primeira vista aleatórios, que o levaram a protagonizar uma experiência revolucionária de ensino na Escola da Ponte, cuja história já é bastante conhecida ao redor do mundo.
A educação na cidadania é o eixo central dessa proposta, orientada por três valores fundamentais: solidariedade, autonomia e responsabilidade individual e social. Na Ponte, os alunos se organizam em grupos de interesse, independente de faixa etária ou anos de escolaridade. Esse modelo de ensino exige uma ruptura radical com as linhas de pensamento convencionais e a própria ideia concebida a respeito do processo educacional.
Qualquer semelhança dessa experiência com o desafio da sustentabilidade não é mera coincidência. “A ideia da educação na cidadania existe exatamente para assegurar a sustentabilidade, a perenidade dos projetos. Tudo depende de fatores externos. Na dependência não há como desenvolver autonomia, promover a sustentabilidade”, afirma Pacheco.
Ele também defende a importância de educar pelo exemplo e, por isso, crê no papel das lideranças. “O líder precisa ter duas características principais. A primeira é saber escutar. A segunda decorre da primeira: ao escutar, deve estabelecer consensos e não maiorias. Se essas duas características forem atendidas, temos aí um líder de novo tipo, que não se impõe, nem é eleito. É consensualmente aceito”, ressalta.
Em 2007, o educador adotou o Brasil – mais especificamente a cidade de Belo Horizonte – e diz que não pretende deixar o País. Sabe que terá muito trabalho por aqui. Seu objetivo não é idealizar nenhum novo projeto, tampouco criar uma Escola da Ponte brasileira. Pretende, sim, mobilizar a partir de um exemplo concreto de que é possível transformar realidades por meio da Educação.
Em conversa com Juliana Lopes, de Ideia Socioambiental, durante a Conferência Internacional de Cidades Inovadoras, realizada pela Federação das Indústrias do Estado do Parará em março, na cidade de Curitiba, Pacheco falou da importância de educar para a sustentabilidade, promovendo a mudança a partir do exemplo.
Ideia Socioambiental: Qual o seu envolvimento com as questões socioambientais? Essa experiência influenciou o trabalho desenvolvido na Escola da Ponte? De que maneira?
José Pacheco: Fiz parte de movimentos ecológicos primitivos, alimentares, de macrobiótica, movimentos hippies. Participei da Revolução de maio de 1968. Basta falar isso para perceber que sou do tempo dos dinossauros, como costumo brincar. Então, quando me tornei educador, levava essa consciência lógica ambiental. Só que nada naquelas escolas correspondia àquilo que esperava e sabia que era correto, o que me levava a um sentimento esquizofrênico. Estava em um ambiente que não tinha nada a ver comigo, mas eu percebia que podia ter. Só não sabia como.
Quando cheguei à Ponte, tudo se transformou. Era uma sociedade abandonada, marginal, de sofrimento, com problemas ambientais imensos. Basta dizer que ao lado da escola tinha um lixão a céu aberto. Éramos picados por pernilongos, os ratos passavam por entre nossos pés... Não tinha banheiro. Não havia saneamento. Os poços artesianos iam captar água já contaminada.
Começamos por erradicar os lixões, criamos uma horta biológica e um hospital de animais. Foi a primeira vez que se falou em coleta seletiva do lixo. Repare que estávamos em 1976. Ninguém tocava nesses temas. Fizemos tudo muito por intuição, com a colaboração da chamada Comissão Nacional do Meio Ambiente. Quando Portugal passou da ditadura para a democracia, foi criada essa Comissão que depois deu origem à Secretaria do Ambiente e, então, ao Ministério do Ambiente.
I.S: Qual a sua avaliação do movimento de sustentabilidade?
J.P: Hoje há maior convergência, sem dúvida. Penso que o tempo vai instalando na mente das pessoas novos conceitos, novas atitudes. Mas ainda há muito descaso, sobretudo nas escolas. É só falar o que vi há um mês. Fui a uma faculdade de Educação. Na entrada havia grandes cartazes: “Vamos salvar a Amazônia”. Quando subi as escadas, vi garrafas PET vazias pelo chão, latas de coca-cola, guardanapos de papel...
Os jovens sentados em cima das mesas, com os pés nos bancos. Fui ao banheiro e tinha outro cartaz dizendo: “Por favor, urine no vaso”. Eu olhei para aquilo e fiquei em estado de choque. E estou falando de uma faculdade de Educação. Dá para entender o descaso? Fiquei escandalizado. Comecei minha exposição dizendo: “Façam-me um favor. Quando eu terminar a palestra, tirem aquele aviso do banheiro. É uma ofensa para nós que somos educadores”.
O auditório tinha mil e tantas pessoas, metade formado por professores e a outra metade por alunos. Depois de muito choque, de discussão, veio o intervalo. Saí do palco e fui apanhar os copinhos plásticos, os guardanapos de papel e os restos de porcaria que haviam deixado. Eles retornaram atrapalhados, constrangidos e começaram a recolher também. Pediram para eu parar de fazer aquilo, mas respondi que não, dizendo: “Sou educador e sou responsável por vocês, assim como vocês são responsáveis por mim.” Foi outro choque. Na segunda parte da palestra, havia uma tensão tremenda no ar, porque eu tinha feito duas coisas que afetaram imensamente aquelas pessoas.
I.S: Qual a sua impressão em relação ao conceito de sustentabilidade? O termo se desgastou com o tempo?
J.P: Todos nós já vimos muitas definições de sustentabilidade. E eu não vou citá-las porque são tantas... Prefiro falar de outro conceito – embora eu reconheça a necessidade da sustentabilidade – que é a ideia da educação na cidadania, exatamente para assegurar a sustentabilidade, a perenidade dos projetos.
Tudo depende de fatores externos. Na dependência não há como desenvolver autonomia, promover a sustentabilidade. Mas gosto muito de uma palavra que não é do campo da Educação, provém da Física: resiliência, que está muito ligada à discussão dos conceitos aristotélicos de agir e fazer. Está tudo escrito na Antiguidade Clássica. Então, ao falar da resiliência, quero dizer que as pessoas agem, modificam e, mais do que resistir, elas criam condições de perenidade para aquilo que fazem, a partir do modo como agem, porque não basta fazer: é preciso agir.
Quando entro em algum projeto nunca estou no projeto. Não sou eu que faço porque, se eu fizer, alguém vai ficar dependente daquilo. Ajo com os outros em contextos sustentáveis e, com os outros, construo dispositivos de sustentabilidade. Nunca saio completamente, mas, quando deixo o projeto de fato, sei que tudo se mantém e prospera, isto é, se reinventa porque a base existe. Vou dar o exemplo da Ponte. Muita gente me dizia – há uns 10 anos – que estava na hora de escolher um sucessor.
Já estava lá havia quase 25 anos. Mas eu sabia que ainda não existiam condições de sustentabilidade. Todo mundo pensava que a Escola da Ponte iria acabar, porque não há notícia de um projeto que não entre em deterioração com a saída de seu criador. Várias iniciativas na área educacional tiveram esse destino.
A verdade é que, quando volto lá, a Ponte está mais forte, mais desenvolvida. Isso aconteceu porque se criou uma estrutura. Pode-se modificar uma metodologia, pode-se modificar algo, mas a estrutura está lá. E essa estrutura é sustentável porque as decisões não são de um, mas de todos. Os participantes praticam a solidariedade em prol de algo que é comum e não há um sistema de relação hierárquico.
Portanto, cada um é responsável pelos seus atos. Olhe para esta cultura: “Eu sou individualmente responsável por ti, por todos, e todos são por mim.” Quem é que destrói uma cultura dessas? Isso não é sustentabilidade? E onde é que ela está assentada? Na rede de relações e interrelações. Então é isso que eu considero como sustentabilidade. Não criar artifício, paraísos artificiais que todo mundo estuda, publica e, passados alguns anos, se pergunta onde é que estão.
I.S: Na missão da Escola da Ponte está colocada a formação de cidadãos cultos, educados, solidários e democraticamente comprometidos com a construção de um destino coletivo. Pensando nos desafios atuais relacionados à sustentabilidade, o senhor acrescentaria alguma outra questão a esse propósito?
J.P: Por intuição, há 34 anos, criamos um projeto com uma matriz axiológica. Três valores, que são os mesmos hoje, agregados a outros. O valor da autonomia; da solidariedade e da responsabilidade individual e social. A Escola da Ponte é a única do meu país que tem todos os galardões da Bandeira Azul da Europa , uma entidade que distingue ambientes sustentáveis. Mais do que mudança metodológica ou qualquer artefato potencialmente didático, as pessoas têm sempre em mente esses três valores e tudo é condicionado por eles.
I.S: E ao longo desse processo de mudança de paradigmas, vocês enfrentaram resistências? Quais?
J.P: Não só tivemos barreiras e animosidades como enfrentamos até violência física. Mas o maior obstáculo não foi esse, no início. O maior obstáculo inicial fui eu mesmo e minha cultura da autossuficiência. Foi preciso uma reconversão muito grande, uma reelaboração da minha cultura pessoal, assim como os outros também sentiram essa necessidade.
Éramos seres isolados, sozinhos nas salas de aula. Os professores sofrem porque muitas vezes são aprendizes de feiticeiro. Querem estar sozinhos, continuam sozinhos, sujeitos a humilhações, a ser maltratados e mal pagos. Quando eles abriram os olhos e perceberam que a mudança não é só individual, mas coletiva, então tivemos muitos problemas até com o Estado português.
Só que, ao fim de 30 anos, o Estado capitulou: “Se não podes com eles, alia-te a eles”, costumamos brincar. O ministro disse que éramos como o Asterix. Tantas vezes tentaram destruir a aldeia do Asterix e não conseguiram. E por quê? Já havia uma cultura instalada. Tínhamos a população do nosso lado e os pais, que nos protegiam como pitbulls. Tínhamos a prefeitura nas nossas mãos, tudo fundamentado. E, sobretudo, um espírito de equipe que ninguém consegue destruir. O Estado acabou fazendo um contrato de autonomia. Isso porque a nossa escola estava fora da lei, mas era a melhor do país. Isso é para dizer o quê? É possível, dentro do sistema, utilizar os instrumentos de que ele dispõe para contrariar, reverter e construir.
I.S: E como mobilizar esses educadores a se engajarem, agindo pela mudança?
J.P: Há três tipos de professores: aqueles que são bons; aqueles que podem ser bons e aqueles que devem mudar de profissão, não se identificam. Não quero ser maniqueísta, mas a verdade é que eles existem. Os que podem ser bons professores aderem, depois de algum tempo, porque seguem o exemplo. Na Ponte, mostramos que os nossos alunos eram os melhores em rendimento acadêmico, tinham atitudes de respeito que outros não tinham. Acolhíamos os alunos rejeitados por outras escolas e fazíamos deles os melhores. Ao fim de oito anos e meio – lembro que foi em 1984 –, todos os outros professores da Ponte começaram a enxergar o que estava acontecendo. E perguntaram como poderiam ajudar. Então mudaram. Como vê, essa transformação se dá pelo exemplo. “Sê tu próprio a mudança que queres para o mundo”.
I.S: Como estabelecer relações democráticas de aprendizado?
J.P: Instalando essa outra cultura. Vou dar um exemplo. Como eu posso aprender contigo? Criando condições de aprendizagem mútua. Como é que se consegue isso em uma escola onde o Ministério obriga crianças de até certa idade a estarem juntas – de sete com sete anos, de oito com oito, de nove com nove? Ninguém aprende com quem tem a mesma idade. Ninguém aprende com quem sabe a mesma coisa.
Aprendemos com quem sabe coisas diferentes, com quem tem outras idades. A lei está errada. Nesse caso, é preciso transgredir a lei, fundamentando na Pedagogia, na Psicologia. Nas escolas é isso que é preciso fazer. Mostrar que a lei está errada, com todo o respeito que merece o Ministério da Educação. E que essa lei é uma das responsáveis pelos insucessos, pelos 70% de analfabetos funcionais que este País tem. Pessoas que não sabem interpretar um texto. É muita gente. São mais de 100 milhões.
Trata-se de uma tragédia.Para aprendermos uns com os outros temos de instalar uma outra cultura. Quem a faz? Aqueles que já tomaram consciência de que é necessário. Com quem? Com aqueles que já perceberam que é necessário, porém respeitando os que discordam, esperando que também tomem consciência de que fazem algo que não serve e que produz a infelicidade.
Quando entro nas escolas públicas do Brasil, tenho pena daquela gente. Salas escuras, fileiras todas viradas para um lado, a criançada fazendo barulho, o professor aos gritos com a cara triste de sofrimento. Criança mandada para a diretora, criança expulsa. O que é isso? Que escola é essa?
I.S: O exemplo é importante? Precisamos de lideranças? Que características o líder dever ter para “ser” a mudança?
J.P: Primeira característica, que vem de um ditado: “Temos uma boca e dois ouvidos; sabeis escutar”. Segunda, que decorre da primeira: ao escutar, sabeis estabelecer consensos e não maiorias. Se essas duas características forem atendidas, temos aí um líder de novo tipo. Um líder que não se impõe, nem é eleito.
É consensualmente aceito. Por quê? Porque aceita o outro como ele é. Tenta compreender a lógica do outro. Tenta compreender que o outro não tem defeitos, e que os defeitos dele é que são projetados no outro. Psicanaliticamente é assim. Mas o outro tem lógicas que eu não domino. E não vou colocar em votação, porque a minoria nunca vai seguir aquilo que foi votado. Vai fazer exatamente o que queria. Portanto, é escutar e promover consensos. Há muitos outros requisitos, mas esses são fundamentais.
I.S: Como foi a experiência de se tornar prefeito de Vila das Aves? Você conseguiu levar alguns princípios da Escola da Ponte para a gestão da cidade?
J.P: Quem toma consciência deve agir como tal. Quando entrei na política ativa de governo, fui um joguete no meio dos políticos partidários. O prefeito tem assento na chamada Assembleia Municipal. Eu participava enquanto prefeito para representar a minha cidade. Nunca tive partido, mas fui adotado por um, que cedeu a chapa para eu poder concorrer, senão tinha que pôr dinheiro para fazer campanha. Eu não tinha dinheiro nem aceitei de ninguém. Mas eu comecei a contrariar os interesses do próprio partido que ajudou a me eleger, porque eles faziam um jogo político nojento. Cheguei a ser o único a votar contra propostas do próprio partido na Assembleia. Levantei-me sozinho, insultado por aquela legenda que tinha me acolhido. Então, nessa altura, percebi que precisava agir. E agi contra o próprio partido, contra aquele jogo miserável, que ainda hoje eu vejo aqui no Brasil.
I.S: Quando as pessoas não tomam consciência de que a mudança é necessária, o líder também tem a responsabilidade de tomar decisões por elas? Qual é essa medida?
J.P: Estava em uma reunião num período muito difícil para a Ponte. Passamos uma hora com 40 pessoas, discutindo umas com as outras. Algumas já quase choravam de desespero porque não sabiam que rumo tomar. E eu calado. Até que uma delas perguntou o que eu achava que poderia ser feito. Assim que respondi, todos concordaram dizendo: “Vai ser assim”. Acabou a reunião e uma professora veio falar comigo indignada: “Passamos uma hora discutindo um assunto tão sério e decisivo para a escola. E você o tempo todo calado.
Até que, quando lhe perguntaram, você respondeu e todo mundo resolveu fazer. Você tem certeza daquilo que disse?”, perguntou-me. E respondi: “Não. A pessoa aqui que tem mais dúvida sobre aquilo que disse sou eu. Quando falei serenamente o que deveríamos fazer, estava todo destruído por dentro, em dúvidas. Mas não podia transparecer. Em certos momentos, preciso mostrar uma segurança que eu não tenho. Porque se eu dissesse que não sabia, seria o princípio do descalabro”. Ela compreendeu, deu um sorriso e foi embora. Hoje, ela é coordenadora da Escola da Ponte, a terceira desde que saí. O líder tem de ter uma palavra final. E o líder que escuta chega ao consenso. É um exercício muito difícil porque exige vigilância. Sou um vigilante perante mim e os outros.
I.S: Na sua opinião, qual é o papel do Estado na transição de modelos para uma sociedade sustentável?
J.P: Quando me perguntam qual seria a principal medida política educativa eu respondo, sempre: a que ajudaria o Estado a resolver metade dos problemasda educação, hoje, seria publicar um decreto que extinguisse o Ministério da Educação. E a partir daí criar regulamentações transitórias que assegurassem que a Educação seria algo de responsabilidade local. Aí Brasília deixaria de ter aquele monstro burocrático, onde há gente maravilhosa, muito competente, intelectualmente honesta, cientificamente capaz, cujo trabalho não serve para nada. Eles mandam projetos para escolas distantes da realidade deles e os projetos vão para a gaveta. O problema do Ministério, no Brasil, é o mesmo de Portugal. O monstro burocrático que é o MEC brasileiro consome metade dos recursos da Educação. Essa máquina, que não serve para nada, subdividida em secretarias, coordenadorias, subcoordenadorias.
I.S: Fazendo um paralelo, no ano passado tivemos a COP15, que apesar de ter reunido mais de 100 chefes-de-Estado não chegou a um resultado concreto. Questões globais como as mudanças climáticas, que envolvem interesses diversos e conflitantes, devem ser discutidas em instituições multilaterais?
J.P: Essas instituições supranacionais são inúteis porque são controladas pelo mercado. Temos de perceber que o sistema capitalista existe. É incontornável. E as lógicas do sistema não têm nada a ver com uma sociedade sustentável. O que eu faço, então? Vou vivendo, assim, em dois planos diferentes simultâneos, sincrônicos. Estou naquele que desejo e considero melhor para a humanidade para que ela não desapareça, para que não haja mais sofrimento do que já existe. Mas convivo no outro, que é o que me dá sustento, aposentadoria. Estou sempre com os dois pés nesse mundo que não é nada abstrato, que é o que eu faço na prática.
A ponte com a realidade
“Não temos turmas, não temos alunos separados por classes, nossos professores não dão aulas com giz e lousa, não temos campainhas separando o tempo, não temos provas e notas." Foi com essa descrição que Rubem Alves teve o seu primeiro contato com a Escola da Ponte. A explicação, que num primeiro momento chocou o escritor brasileiro, partiu de uma aluna de seis anos.
A desconfiança inicial se transformou em encantamento, assim que Alves pôde compreender a dimensão daquele trabalho. Não sem razão, tornou-se um de seus principais promotores, vindo inclusive a relatar essa sua experiência no livro A Escola com que Sempre Sonhei sem Imaginar que Pudesse Existir, publicado pela editora Papirus.
Trata-se de uma instituição pública de ensino, localizada em Vila das Aves, no Distrito do Porto, em Portugal. O projeto pedagógico, que mudou a realidade dessa escola e a tornou internacionalmente conhecida, começou a ser construído em 1976, com a chegada do educador José Pacheco.
O modelo surgiu da necessidade de respeitar as diferenças individuais dos alunos. Começou-se, então, por eliminar as séries e a divisão por faixa etária para organizar os estudantes em torno de temas de interesse comum. Cada um dos grupos conta com a orientação de um professor. Juntos, eles estabelecem um programa de trabalho de duas semanas. Durante esse tempo, leem e pesquisam para depois se reunirem, a fim de avaliar o que aprenderam ou deixaram de aprender.
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Natureza em cores e formas - As obras que ilustram esta entrevista são de autoria da artista plástica paulista Tatiana Clauzet. De seu ateliê, instalado em meio à Mata Atlântica, no sul do Estado do Rio de Janeiro, ela contempla e procura reproduzir as cores e as formas desse rico ecossistema.
O trabalho da artista plástica é inspirado na natureza e suas conexões, principalmente na relação espiritual entre homem e natureza, expressando-se por meio de formas simbólicas, cores harmoniosas e vibrantes. Em 10 anos de carreira profissional, ela tem realizado diversas exposições no Brasil e no exterior.
Para quem tem curiosidade em saber de onde vem tanta inspiração, uma boa notícia: o ateliê da artista fica aberto ao público. Mais informações:www.tatianaclauzet.pro.br
sexta-feira, 23 de julho de 2010
A prova de que o PIB pode enganar
A prova de que o PIB pode enganar
José Eli da Veiga VALOR ECONOMICO 20/07/2010
Quem teima em defender o obsoleto Produto Interno Bruto (PIB) precisa dar atenção ao caso da Irlanda, que realça como seria muito melhor avaliar o desempenho econômico das nações por alguma medida da renda domiciliar disponível para consumo. O PIB per capita irlandês disparou nos anos 1990, ultrapassando o japonês e os das maiores economias europeias em 1998, e quase igualando o dos EUA em 2007. Todavia, tanto seu consumo final efetivo, quanto as várias medidas possíveis de renda domiciliar disponível permaneceram 40% abaixo das americanas, bem próximas das da Itália.
Ou seja: em 2007 a situação econômica da Irlanda era muito pior do que as do Reino Unido, França e Alemanha, embora seu PIB per capita indicasse exatamente o inverso: um desempenho próximo ao da economia americana, muito acima dos exibidos pelas outras cinco grandes economias citadas.
Essa é uma das evidências apresentadas em dossiê de 30 páginas com 15 gráficos esclarecedores das recomendações do relatório coordenado por Joseph Stiglitz, Amartya Sen, e Jean-Paul Fitoussi sobre a mensuração do desempenho econômico e do progresso social (www.stiglitz-sen-fitoussi). Obra de três técnicos do Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos (INSEE), a agência estatística da França: Marie Clerc, Mathilde Gaini e Didier Blanchet (*). Eles usaram o relatório para comparar a evolução de seis países: Alemanha, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. E, em alguns casos, de sete, quando obtiveram dados sobre a Irlanda.
É o primeiro sinal de que começa a ser rompido o soturno silêncio de dez meses em torno do relatório. Um fenômeno que certamente resulta do despreparo das agências de estatística, tanto as nacionais quanto as que são mantidas por poderosas organizações internacionais. No geral, elas são incapazes de medir o desempenho econômico pela renda disponível para consumo e compará-la ao vetusto produto bruto, interno ou nacional. E não dispõem dos meios necessários para a avaliação de qualidade de vida que combinem critérios consagrados ? como a esperança de vida ? a critérios hedônicos ? como a satisfação. E nem sequer começaram a elaborar indicadores físicos de sustentabilidade ambiental.
Inteiramente impotente diante desses desafios, a comunidade estatística prefere ficar calada, contribuindo para reforçar a opção preferencial dos economistas por convenções que ignoram a obsolescência do PIB, a extrema precariedade do IDH, e a completa ausência de medidas consensuais de sustentabilidade.
Daí o imenso valor das pérolas exibidas nesse dossiê do INSEE. Chega a arriscar, por exemplo, duas ilustrações sobre a sustentabilidade. A primeira, preponderantemente econômica, na linha da ?poupança genuína? do Banco Mundial, indica que os seis países decaíram muito mais do que se pensa nas três últimas décadas do século passado ? tendência que parecia estar começando a ser revertida a partir de 2003 somente na Alemanha e no Japão.
Em seguida, sobre a contribuição de cada país à insustentabilidade ambiental global ? mais na linha do relatório ? surge uma comparação entre as respectivas ?pegadas carbono?, em toneladas de CO2 por habitante e por ano. Desnecessário dizer que as dos EUA são quase o dobro das dos outros seis países, tanto sob ótica da produção, como ? ainda mais ? sob a do consumo.
No que se refere à necessidade de melhores indicadores de qualidade de vida, o maior destaque foi dado à saúde. Tem sido unânime a ideia de que nessa área não existiria melhor critério objetivo do que a esperança de vida ao nascer. Porém, em países que já atingiram elevada longevidade, o que mais passa a interessar é a esperança de vida ?em boa saúde?. Na Alemanha, enquanto a primeira se aproxima dos 80 anos, a segunda nem chega aos 60. Em forte contraste com o Reino Unido, onde a esperança de vida ?em boa saúde? supera os 65 anos.
Embora a educação também receba grande destaque no âmbito da qualidade de vida, o dossiê não vai além de uma apresentação das porcentagens de diplomados do ensino superior na faixa etária 25-54 anos. Enquanto EUA e Japão lideram com mais de 40%, França, Alemanha e Reino Unido ficam no meio, entre 25% e 35%, seguidos bem de longe pela Itália que mal alcançou os 15%.
Os autores preferiram dar mais ênfase à insegurança econômica, ilustrada simultaneamente pelos irmãos siameses desemprego e pobreza. Surgem dois grupos conforme os pesos relativos dos desempregados de longa duração na população ativa. Do lado melhor, EUA, Reino Unido e Japão, com taxas inferiores a 1,5%. Do pior, França, Alemanha e Itália com taxas superiores a 3%.
Todavia, esse panorama praticamente se inverte quando se considera uma linha de pobreza de renda correspondente a 60% do nível de vida mediano, após transferências sociais e impostos. Por tal critério, há 20 anos permanece na pobreza um quarto dos domicílios americanos. No Japão e na Itália eles se aproximam de um quinto. São apenas 16% na Alemanha e Reino Unido, e 15% na França.
quinta-feira, 22 de julho de 2010
Palestra do Hugo na 13ª Semana de Engenharia Química da Unicamp
02/Ago, Segunda-feira às 19h - Auditório da Eng. Cívil
Num mundo cada vez mais preocupado com o desenvolvimento sustentável, tem-se tornado comum a discussão acerca de práticas e conceitos relacionados a este tema. As perspectivas são avaliadas geralmente sob os ângulos de preservação dos recursos naturais e desenvolvimento social. Nesta palestra, Hugo Penteado, economista-chefe do Banco Real, analisa este assunto sob uma perspectiva diferente, falando sobre o desenvolvimento sustentável aplicado à economia.
terça-feira, 20 de julho de 2010
“Crescimento se tornou antieconômico”, diz Herman Daly, pai da economia ecológica
Famoso por suas ideias consideradas exóticas, economista defende um mundo sem crescimento
Por Edson Porto
Herman Daly
Quando o economista Herman Daly foi contratado para trabalhar na área de meio ambiente do Banco Mundial, no final dos anos 80, a escolha surpreendeu quem o conhecia. Desde o início da carreira, Daly defendeu ideias tidas como, no mínimo, exóticas pela maioria de seus colegas de profissão. Para ele, era fundamental entender a relação da economia com o mundo físico e com a ecologia, o que não parecia caber em uma instituição tão tradicional como o banco.
Parte de suas ideias surgiu do contado de Daly com o professor Nicholas Georgescu-Roegen, o primeiro economista a dizer que a economia não poderia ser vista como um sistema isolado e deveria absorver conceitos da física no seu estudo. Vivendo em um mundo de alto crescimento e baixa preocupação ecológica, ao apresentar suas teses Georgescu-Roegen passou de economista brilhante a profissional esotérico. Acabou a vida isolado e ressentido.
Daly, porém, deu mais sorte. Apesar de visto com desconfiança por muitos colegas, ele desenvolveu seu trabalho em um período em que as questões ambientais tornaram-se muito mais relevantes do ponto de vista intelectual e político. Como resultado, virou o pai da economia ecológica, uma linha de estudo econômico que com o tempo tem ganhado cada vez mais espaço e respeito. Daly ficou seis anos no Banco Mundial e, depois, retomou a carreira acadêmica. Hoje é professor da Universidade de Maryland, em Washington. Nesta entrevista, concedida por telefone, o economista fala de suas ideias e propostas econômicas incomuns.