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Tecnologia viabiliza crescimento com menor impacto socioambiental: isso é mais uma tese que choca não só pela crença, mas pela evidente dificuldade de se criticar ou mudar nosso modelo mental que nos trouxe até a situação de rota de colapso com a Terra, da qual não precisamos mais citar nenhum evento adicional para sua confirmação depois da notória perda de recursos hídricos em vários lugares do planeta, não só aqui no nosso quintal em São Paulo.
Lembro que nas nossas palestras muitos anos atrás comentamos que o maior risco do aquecimento global não era elevação dos oceanos ou aqueles cenários hollywoodianos de ruptura, mas o fim da água. Hoje encontro pessoas que lembram esse comentário e como ele se tornou realidade. De nada adiantou, continuamos andando de automóveis e aviões, usando produtos descartáveis e gerando lixo aos bilhões de toneladas e todo mundo segue firme na crença que ser rico é ser feliz e como resultado disso, também devem acreditar que ao morrerem um monte de carro-forte “Brink” chegará antes na sua nova casa no Paraíso.
Tenho certeza que contra fatos não há argumentos e sigo Bertrand Russel que dizia para se ater aos fatos e não na realidade que gostaríamos de acreditar. Gostaria de ouvir argumentos que derrubassem esse ponto:
Sobre a tecnologia, é mais um ferramental ideológico usado com o nosso modelo mental de crescimento moto contínuo gerando o mesmo resultado: mais pressão sobre os ecossistemas da Terra. Um bom livro é o Huesemann & Huesemann, cujo título bem esclarecedor é “Technofix - Why Technology Cannot Save Us or the Environment” [Por que tecnologia não pode nos salvar e o meio ambiente]. O uso da tecnologia é o mesmo de sempre: primeiro jogo um balde de lama na minha sala de visitas para depois uma máquina automaticamente limpar. Nem se cogita, no modelo mental atual, não jogar o balde de lama na sala, pois economizaria tanto matéria (o balde e a lama) quanto a energia (no caso minha refeição diária que me deu força para esparramar a lama na sala). Mas essa economia reduz o PIB. Daí vem a necessidade de mudar o cômputo do PIB que embora bem estudado jamais atingirá seu objetivo enquanto vigorar o modelo mental que não questionamos nunca. Somos como cachorros correndo atrás da cauda.
Isso é visto em todas as áreas. Imagina um problema (produzir cosméticos desnecessários empurrados para todos via marketing) e a solução (obter matéria-prima para todo esse cosmético produzido na Malásia no lugar de florestas naturais via transporte transoceânico). Como chamar essa atividade? De sustentável? Impossível, somente através de muita credulidade, matéria abundante entre os terráqueos, onde as crenças ainda não foram igualadas, mas estamos muito perto disso. Por enquanto, para combater as emissões, sugerimos entupir os oceanos de algas turbinadas para coletar CO2, colocar na atmosfera espelhos para refletir a luz do sol no lugar das calotas polares e dessalinizar a água do mar. Essas e outras idéias brilhantes servem apenas para... aumentar o PIB, jamais revogar o modelo atual e transformar a Terra em uma tocha incandescente, nada mais. Ah, como o gasto de energia é cavalar, nada como fazer tudo isso com energia nuclear. Depois chamar tudo isso de sustentabilidade é simples, fácil e indolor, embora a maior extinção da vida dos últimos 65 milhões de anos siga a passos céleres à nossa volta agora... Ah, os fatos...
Isso me faz lembrar um simpósio onde estava presente o Ray Anderson daquela famosa empresa de carpetes que explicava a sua intenção (nunca verificada) de devolver para a natureza tudo que a empresa dela tirava, lado a lado com a abertura de novas fábricas na China, expansão de negócios, de vendas, etc. etc. etc. Até que uma pessoa do nosso grupo fez uma pergunta corajosa a ele, um dos maiores senão quase únicos baluartes da sustentabilidade empresarial: “Why the hell we need carpets?” [Por que raios precisamos de carpetes?] Fiquei amigo dessa pessoa até hoje, embora a pergunta tenha passado despercebida para a maior parte dos presentes. Isso faz muitos anos, hoje sabemos que sustentabilidade empresarial não resolve o problema sistêmico, uma crítica pertinente, mas cegamente ignorada. Um baita sofisma de composição.
Em resumo, a tecnologia e a mudança de hábitos pode reduzir barbaramente a nossa pegada ecológica, gerar bem estar, mas para isso acontecer teremos que revogar o modelo mental atual, principalmente no âmbito empresarial, político e social. Mudar o PIB é mera consequência. Enquanto pensamos em tecnologia, esquecemos do principal. Criticar e revogar o pensamento econômico atual clientelista e mudar o modelo mental das pessoas de falsa superação dos limites da natureza, da qual nunca nos desvencilhamos. Muito ao contrário: Deus Perdoa sempre, os homens raramente, a natureza nunca.
Hugo Penteado