terça-feira, 29 de março de 2011

A quem serve a transposição das águas do São Francisco?

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Jornal da Ciência - JC e-mail 25 de Março de 2011

A quem serve a transposição das águas do São Francisco?

Aziz Ab´Sáber*

É compreensível que em um país de dimensões tão grandiosas, no contexto da
tropicalidade, surjam muitas ideias e propostas incompletas para atenuar ou
procurar resolver problemas de regiões críticas. Entretanto, é impossível
tolerar propostas demagógicas de pseudotécnicos não preparados para prever
os múltiplos impactos sociais, econômicos e ecológicos de projetos
teimosamente enfatizados.

Nesse sentido, bons projetos são todos aqueles que possam atender às
expectativas de todas as classes sociais regionais, de modo equilibrado e
justo, longe de favorecer apenas alguns especuladores contumazes. Nas
discussões que ora se travam sobre a questão da transposição de águas do São
Francisco para o setor norte do Nordeste Seco, existem alguns argumentos tão
fantasiosos e mentirosos que merecem ser corrigidos em primeiro lugar.
Referimo-nos ao fato de que a transposição das águas resolveria os grandes
problemas sociais existentes na região semi-árida do Brasil.

Trata-se de um argumento completamente infeliz lançado por alguém que sabe
de antemão que os brasileiros extra-nordestinos desconhecem a realidade dos
espaços físicos, sociais, ecológicos e políticos do grande Nordeste do País,
onde se encontra a região semi-árida mais povoada do mundo.

O Nordeste Seco, delimitado pelo espaço até onde se estendem as caatingas e
os rios intermitentes, sazonários e exoreicos (que chegam ao mar), abrange
um espaço fisiográfico socioambiental da ordem de 750.000 quilômetros
quadrados, enquanto a área que pretensamente receberá grandes benefícios
abrange dois projetos lineares que somam apenas alguns milhares de
quilômetros nas bacias do rio Jaguaribe (Ceará) e Piranhas/Açu, no Rio
Grande do Norte. Portanto, dizer que o projeto de transposição de águas do
São Francisco para além Araripe vai resolver problemas do espaço total do
semi-árido brasileiro não passa de uma distorção falaciosa.

Um problema essencial na discussão das questões envolvidas no projeto de
transposição de águas do São Francisco para os rios do Ceará e Rio Grande do
Norte diz respeito ao equilíbrio que deveria ser mantido entre as águas que
seriam obrigatórias para as importantíssimas hidrelétricas já implantadas no
médio/baixo vale do rio - Paulo Afonso, Itaparica e Xingó.

Devendo ser registrado que as barragens ali implantadas são fatos pontuais,
mas a energia ali produzida, e transmitida para todo o Nordeste, constitui
um tipo de planejamento da mais alta relevância para o espaço total da
região.

Segue-se na ordem dos tratamentos exigidos pela idéia de transpor águas do
São Francisco para além Araripe a questão essencial a ser feita para
políticos, técnicos acoplados e demagogos: a quem vai servir a transposição
das águas?

Os "vazanteiros" que fazem horticultura no leito dos rios que "cortam" - que
perdem fluxo durante o ano- serão os primeiros a ser totalmente
prejudicados. Mas os técnicos insensíveis dirão com enfado: "A cultura de
vazante já era". Sem ao menos dar qualquer prioridade para a realocação dos
heróis que abastecem as feiras dos sertões. A eles se deve conceder a
prioridade maior em relação aos espaços irrigáveis que viessem a ser
identificados e implantados. De imediato, porém, serão os fazendeiros
pecuaristas da beira alta e colinas sertanejas que terão água disponível
para o gado, nos cinco ou seis meses que os rios da região não correm.

Um projeto inteligente e viável sobre transposição de águas, captação e
utilização de águas da estação chuvosa e multiplicação de poços ou cisternas
tem que envolver obrigatoriamente conhecimento sobre a dinâmica climática
regional do Nordeste. No caso de projetos de transposição de águas, há de
ter consciência que o período de maior necessidade será aquele que os rios
sertanejos intermitentes perdem correnteza por cinco a sete meses.

Trata-se, porém, do mesmo período que o rio São Francisco torna-se menos
volumoso e mais esquálido. Entretanto, é nesta época do ano que haverá maior
necessidade de reservas do mesmo para hidrelétricas regionais. A afoiteza
com que se está pressionando o governo para se conceder grandes verbas para
início das obras de transposição das águas do São Francisco terá
conseqüências imediatas para os especuladores de todos os naipes.

O risco final é que, atravessando acidentes geográficos consideráveis, como
a elevação da escarpa sul da Chapada do Araripe - com grande gasto de
energia!-, a transposição acabe por significar apenas um canal tímido de
água, de duvidosa validade econômica e interesse social, de grande custo, e
que acabaria, sobretudo, por movimentar o mercado especulativo, da terra e
da política.

No fim, tudo apareceria como o movimento geral de transformar todo o espaço
em mercadoria.

___________

*Aziz Ab´Sáber é geógrafo, doutor em Geografia Física (USP), foi presidente
da SBPC e do Condephaat e diretor do Instituto de Geografia da USP. É
ganhador do prêmio Ciência e Meio Ambiente da Unesco.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Empresas do Madeira - Miriam Leitão

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As empresas responsáveis pela construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau afirmam que os trabalhadores não são terceirizados, principalmente os peões das obras. Dizem que as condições de trabalho são as melhores possíveis e auditadas por empresas independentes. Mesmo assim, as obras estão paradas e os trabalhadores estão de braços cruzados. Conversei ontem com Benedicto Barbosa da Silva Júnior, presidente da Odebrecht Infraestrutura, da Usina de Santo Antônio, e com Victor Paranhos, diretorpresidente da Energia Sustentável, da Usina de Jirau. Cada um tem uma explicação, e nenhum dos dois culpa os trabalhadores em si, mas descrevem condições de trabalho que destoam do clima de conflito que levou o governo a convocar a Força Nacional para conter problemas trabalhistas de empresas privadas. Benedicto Júnior conta que a Usina de Santo Antônio tem a vantagem de ficar bem perto de Porto Velho, a apenas três quilômetros da cidade, e por isso eles mudaram o plano original:

— Tínhamos intenção de trazer de fora pelo menos 70% dos trabalhadores e depois mudamos e contratamos 70% de trabalhadores locais. Isso resolve o problema de moradia. Fizemos o programa Acreditar, que já qualificou 10 mil pessoas, muitos deles do Bolsa Família. E são todos funcionários da empresa. Já a obra de Jirau fica a 120 quilômetros de Porto Velho, é um canteiro de obra com gente trazida de fora.

O que Victor Paranhos conta é que os funcionários também são contratados diretamente. A terceirização existe em serviços bem especializados, como o de proteção do vertedouro:

— Os alojamentos são para seis funcionários em cada quarto, com banheiro e arrefrigerado. Somos fiscalizados por auditoria internacional independente, e por financiadores. A Energia Sustentável construiu uma cidade, a Nova Mutum, onde moram 800 trabalhadores, e 300 que foram desalojados pela obra, em casas de 85 m2 e 800 metros de terreno. O restaurante serve refeições de alta qualidade, que tem tido um nível alto de aprovação. E quando eles reclamam de hora extra, é porque querem mais horas extras, como por exemplo trabalhar domingo, quando ganham mais. Na descrição dos executivos, tudo parece realmente bom, falta apenas explicar por que as obras neste momento estão paradas e milhares de trabalhadores estão de braços cruzados. Paranhos diz que não acredita em envolvimento dos trabalhadores da obra nos atos de queima de alojamentos ou até assalto:

— Houve um incêndio, e em 20 minutos, com maçarico, arrombaram o banco 24 horas. O estranho é que quando acontecia o incêndio não sumiu um lápis nos alojamentos. Mas houve esse roubo.

Quis saber como ele explicava o fato. Ele disse o seguinte:

— É bom lembrar que a BR- 364 é rota do tráfico de drogas; estamos a 150 quilômetros da Bolívia, há um aumento muito grande por aqui de tráfico, tanto de crack como de outras drogas.


Continue lendo: http://oglobo.globo.com/economia/miriam/posts/2011/03/25/empresas-do-madeira-371045.asp

quarta-feira, 23 de março de 2011

Troca de cartas

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Hugo,

Na Exame que está nas bancas (edição 987, de 9/3/2011), na página 116 tem uma matéria sobre “O Poder do Petróleo”.

Ela diz que “mesmo com a alta repentina, a situação ainda está sob controle, pois a soma do gasto mundial com petróleo hoje equivale a 4% do PIB global, percentual bem abaixo dos registrados a partir de 1979 e em 2008.”

Ou seja, sugere que, se não existir mais petróleo, o impacto na atividade econômica será em torno de 4%!

Me parece o mesmo raciocínio míope daquele economista (quem era mesmo?) que disse que o problema alimentar não era relevante, pois a participação da agricultura no PIB mundial seria em torno de 3%.

Ou seja, sugere que, se não existir mais alimentos, o impacto na atividade econômica será em torno de 3%!

Abraço,

CE

Carlos,

É uma idiotice manter uma relação direta entre importância e participação no PIB, que também apareceu nos alimentos (não lembro o nome do bestunto), quando os cientistas alertam para os riscos contra produção agrícola que emergem da crise climática atual (pois é, já podemos chamar de crise). Eu até brinquei, quando li isso, que nós teremos que nos preparar para comer carros e celulares. Mas você deve saber isso, o primeiro a fazer essa crítica foi Roegen. Outros devem ter feito também: a importância das coisas não é nada relacionada ao seu valor monetário, avisava o coitado do Roegen. Isso em termos biológicos, ecológios, mas até na atividade profissional temos certeza disso, quando compararmos uma enfermeira ou professora com um jogador de futebol ou apresentador de televisão. Depende do que significa importância, conceito relativo também, para impedir silogismos dos insatisfeitos. NEF tem uns trabalhos bons sobre isso, na parte de profissões.

Vou mandar lá de casa uma troca que eu tive com uma autor de artigos controversos sobre Malthus, Ehrlich e Simon. Enfim, o processo de negação é muito forte, os mitos se multiplicam a uma velocidade incrível, como uma derivação inevitável da negação e da dissociação individual dos riscos (quando só nos deveria interessar a questão coletiva). Está no fim, na minha opinião, a zona de conforto que muitos estão. É a hora do fim do ataque à razão.

Abraço

Hugo

Colaboradores